Publicado em 26 de setembro de 2021 às 19:34
Seis meses à frente do Ministério da Saúde, ciclo que completou isolado em Nova York para cumprir quarentena da Covid-19, o médico Marcelo Queiroga vive seu pior momento no governo federal. >
O ministro promove uma série de agrados ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para se agarrar ao cargo, ainda que contrarie técnicos da própria pasta e desgaste a relação com os gestores do SUS (Sistema Único de Saúde). >
Os acenos ao bolsonarismo ofuscam avanços na campanha de vacinação e a queda das internações na pandemia. >
Escolhido para assumir a Saúde no auge da crise sanitária e substituir o general Eduardo Pazuello, Queiroga foi apresentado como técnico. Ele abriu a gestão defendendo máscara e vacina, mas passou a concentrar esforços nas pautas sensíveis ao bolsonarismo. >
>
Para agradar ao presidente, o médico autorizou estudos sobre desobrigar o uso das máscaras, afastou da Saúde nomes vetados por apoiadores do governo e usou argumentos frágeis ao tentar impedir a vacinação de adolescentes sem comorbidade. >
Queiroga também fez gestos obscenos e mostrou o dedo do meio na segunda-feira (20), nos Estados Unidos, a manifestantes que protestavam contra Bolsonaro. >
No dia seguinte, recebeu diagnóstico positivo para Covid-19 e gerou constrangimento à comitiva brasileira, que havia se reunido com o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, entre outras autoridades. >
O médico ainda evita questionar a defesa de Bolsonaro sobre o uso de medicamentos sem eficácia para a Covid, como a cloroquina, e mantém na pasta defensores deste tratamento, como a secretária de Gestão do Trabalho e Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro. >
Apesar dos afagos ao presidente, o ministro teve derrotas em tentativas de nomear os próprios comandados e aceitou imposições do Planalto. >
Queiroga entrou para lista de investigados da CPI da Covid e deve depor aos senadores quando deixar a quarentena. >
Em nota, o Ministério da Saúde destacou avanço na campanha de vacinação da Covid na gestão Queiroga, com mais de 280 milhões de doses entregues, além da nova estratégia de testagem e a redução dos casos e óbitos. >
A pasta não respondeu sobre os acenos do ministro a Bolsonaro e dificuldades para montar equipe, entre outros pontos. >
"Estou satisfeito com os resultados que temos demonstrado nesses seis meses e vamos trabalhar mais para levar atendimento de qualidade, humanizado e universal a todos os brasileiros", disse Queiroga, por meio da assessoria. >
Foi a mudança às pressas no plano de vacinação dos adolescentes que mais esgarçou a relação com gestores do SUS. >
Ao lado de Bolsonaro, o ministro da Saúde falou grosso e fez um apelo para as mães não levarem jovens aos postos de imunização, mas secretários locais de saúde rejeitaram as recomendações. >
"Porque ainda é necessário mais evidências para consolidar essa indicação", disse o ministro no dia 16. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) já havia autorizado o uso da dose da Pfizer no grupo de 12 a 17 anos. >
Uma semana mais tarde, o governo Bolsonaro mudou o tom e recuou. Coube ao ministro substituto, o secretário-executivo Rodrigo Cruz, anunciar que os jovens sem comorbidade voltaram à lista de prioridades. >
Bolsonaro e aliados haviam pressionado Queiroga a mudar as regras para vacinar adolescentes, mas o ministro nega interferência do Planalto. >
"Sempre achei que a gente poderia perder esse patrimônio diante de tudo isso que aconteceu no combate à pandemia, mas não [por gesto] vindo de um ministro da Saúde", afirmou o presidente do Conass (conselho dos secretários estaduais), Carlos Lula, à Folha no dia 16. >
Outra das crises no horizonte de Queiroga envolve desobrigar o uso de máscaras, um pedido de Bolsonaro que o médico tenta postergar, mas não nega. >
Em um canal bolsonarista investigado por disseminar fake news, o ministro disse ser contra obrigar o uso da proteção, mas não afirmou que o equipamento é inútil, como já pregou o presidente. >
Em agosto, Queiroga também cedeu a apoiadores de Bolsonaro e cancelou homologação de texto do CNS (Conselho Nacional de Saúde) que falava em "garantir o direito ao aborto legal" às mulheres. >
O ministro ainda causou constrangimento no governo por levar em aeronaves da FAB (Força Aérea Brasileira) seus parentes e de outras autoridades, como mostrou a Folha. >
Com tudo somado, integrantes do governo veem Queiroga sem força até para mudar peças no seu entorno. >
Como exemplo, interlocutores do ministro citam que ele tentou, mas não conseguiu demitir nomes que agradam à base bolsonarista, como o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Hélio Angotti. Trata-se de médico defensor do chamado "kit Covid" que participou de viagem do governo a Israel para conhecer o spray nasal contra a Covid. >
Também não há substituto da ex-coordenadora do PNI (Programa Nacional de Imunização), que deixou o posto no fim de junho. Servidora de carreira, Francieli Fantinato disse à Folha que declarações de Bolsonaro atrapalham a campanha de vacinação. >
As decisões sobre a imunização estão sendo tomadas pela secretária extraordinária de Enfrentamento da Covid-19 do Ministério da Saúde, Rosana Leite de Melo. >
Ela não foi a primeira opção ao cargo. Queiroga tentou, mas também não conseguiu emplacar a médica Luana Araújo, anunciada em maio para o órgão e dispensada dez dias depois. >
Queiroga tomou posse no governo em 23 de março. Ele deixou a presidência da Sociedade Brasileira de Cardiologia para se tornar o quarto ministro da Saúde na pandemia. >
O médico tem visão diferente do presidente sobre como conduzir a pandemia. Ele defende que o caminho correto é a vacinação da população. >
O presidente ainda não se vacinou contra a Covid. O mandatário foi o único dos líderes do G20 (composto pelas 19 principais economias mais a União Europeia) que declarou que não iria tomar a vacina para acompanhar a Assembleia-Geral da ONU, na semana passada, quando Queiroga se infectou. >
O ministro também nunca disse ser a favor do uso da cloroquina e da ivermectina para o tratamento precoce da Covid, uma bandeira de Bolsonaro. Queiroga segue o discurso do CFM (Conselho Federal de Medicina) de que o médico tem autonomia na prescrição, desde que haja aval do paciente. >
Em nota, a Saúde disse que Queiroga cumpre a tarefa de realizar a maior campanha de vacinação da história do Brasil. >
Também destaca a ideia de distribuir 60 milhões de testes de antígeno para massificar os diagnósticos da Covid, além de investimentos na atenção primária.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta