Publicado em 14 de julho de 2021 às 20:06
Há uma grande chance de a obstrução intestinal diagnosticada no presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ter sido causada por aderências (partes do intestino que ficam coladas) decorrentes do seu histórico de intervenções cirúrgicas após a facada que sofreu em setembro de 2018. >
Toda vez que um paciente se submete a uma cirurgia intestinal é muito comum surgirem aderências no local. E, por isso, ele passa a ter risco para o resto da vida de sofrer obstruções. >
"Elas podem acontecer nas primeiras semanas, nos primeiros anos, demorar dez anos. Tem paciente que opera hoje e daqui a duas semanas vem com aderência obstruindo, tem paciente que operou há 30 anos e que chega obstruído", relata o cirurgião do aparelho digestivo Diego Adão Fanti Silva, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). >
Por que essas aderências surgem? O peritônio, que é a camada que reveste todo o abdômen, o intestino e as alças intestinais, é uma membrana viva. Ele inflama mediante qualquer contato com um corpo estranho. >
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"Se colocar um fio cirúrgico no peritônio, ele inflama, se cair poeira do meio ambiente, ele inflama. Se cair uma gota de sangue, inflama. A facada que o presidente levou, inflamou. E o processo de cicatrização gera a aderência. Ele espessa e gruda." >
A molécula envolvida nesse processo chama-se fibrina, uma cola biológica. Por exemplo, quando você faz um corte na mão e coloca um algodão no local, ele vai grudar. Esse "grude" é a fibrina, a resposta do organismo a uma inflamação. >
No caso de Bolsonaro, onde o abdômen e o intestino foram cortados, foram geradas aderências e corrigidas em cirurgias anteriores. "Mas sempre sobra. Nunca você consegue voltar o que era antes. E quanto mais operar, mais aderências vai ter", diz o cirurgião. >
O presidente também vinha se queixando de uma hérnia que teria que operar, essa também gerada pelas múltiplas incisões. >
"É um abdômen que a gente chama de hostil, difícil, que, com certeza, tem muita aderência. Isso faz que surja uma obstrução no intestino em algum momento", explica Silva. >
E qual a relação desse quadro com as crises de soluço que o presidente vinha apresentando? Se o intestino já estava obstruído, o estômago passou a se dilatar. Por quê? >
Quando comemos, produzimos saliva. O estômago fabrica suco gástrico, enquanto o fígado e o pâncreas produzem sucos biliares e pancreáticos. Isso tudo equivale a dois litros por dia e precisa ser absorvido pelo intestino. >
Se houver uma interrupção intestinal por uma aderência, essa absorção não acontece e esse líquido volta para o estômago. "É um cano entupido", compara Silva. >
Em 80% dos casos, essas aderências, também chamadas de bridas, podem se desfazer sozinhas em 48 horas. Coloca-se uma sonda, retira-se todo o líquido acumulado e o intestino desincha. O paciente recebe hidratação para repor os sais minerais perdidos, como sódio e potássio. >
Aqueles casos que não são resolvidos vão precisar de uma cirurgia de emergência. Nessas situações, pode acontecer de a alça intestinal, além de estar obstruída, sofrer uma torção e perfurar. No jargão médico, o quadro é chamado de "brida complicada". >
"É uma cirurgia de extrema dificuldade, tem que achar essas aderências, ir soltando. São cirurgias bem demoradas, de cinco a seis horas." >
Como essa intervenção pode gerar novas aderências e lesionar outras alças intestinais, os médicos costumam ser muito conservadores na indicação. >
Outra possibilidade que poderia explicar a obstrução intestinal de Bolsonaro é uma hérnia encarcerada --a região do corte de cirurgias anteriores não cicatriza de forma eficaz. Quando isso ocorre, o intestino sai de dentro do peritônio para a região subcutânea. >
Ocorre que, em algum momento, dentro dessa hérnia, o intestino pode se torcer e ficar obstruído. Antes de uma cirurgia, é possível tentar colocar essa hérnia para dentro. Mas se houver uma perfuração, é preciso operar. >
Essas são as duas principais hipóteses, mas somente o cirurgião Antônio Macedo, que acompanha o presidente Bolsonaro, poderá dar mais informações sobre o caso. Procurado, ele não retornou as ligações da reportagem. >
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