Publicado em 21 de fevereiro de 2021 às 16:18
- Atualizado há 5 anos
Três dias após atacar o STF (Supremo Tribunal Federal) em vídeo publicado nas redes sociais e ser preso por ordem do ministro Alexandre de Moraes, o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) pediu desculpas e se disse arrependido durante a sessão da Câmara dos Deputados que manteve sua prisão. >
"Em momento algum eu vejo ponto positivo na minha fala (...) O ser humano vai de zero a cem em segundos. Você está com um pensamento e se exagera. Quem nunca fez isso na vida?", afirmou.>
Na mesma tarde em que ocorria a sessão na Câmara, na sexta-feira (19), a reportagem esteve em Samambaia, bairro onde o parlamentar passou a juventude, a 6 km do centro de Petrópolis (RJ). Lá, amigos saíram em sua defesa, criticaram o STF e diziam que o deputado nunca foi uma pessoa agressiva.>
Dono de uma padaria na localidade, Felipe Dutra, 37, conhece Silveira, 38, desde os 16 anos, quando malhavam juntos. Ele disse à reportagem que os vizinhos apoiaram a atitude do parlamentar, que "falou o que muita gente queria falar".>
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"Foi o único peitudo para falar do Supremo. Ele está de saco cheio como muito brasileiro está. Uma matou o marido e não foi presa [em referência à deputada Flordelis, acusada de envolvimento no crime], o outro roubou R$ 33 mil na cueca e não foi preso [em referência ao senador Chico Rodrigues, flagrado com dinheiro em espécie entre as nádegas]. Ele falou do Supremo e foi preso", afirmou.>
O calafate Sandro Pereira da Silva, 52, com quem Silveira já trabalhou em obras, reforçou o coro. "Ele é muito corajoso, mandou a real mesmo. O defeito foi não medir as palavras. Muita gente xingou o presidente [Jair Bolsonaro] disso e daquilo e não foi preso. Não sei se o Supremo quer servir de exemplo para ninguém ter mais o direito de falar mal", disse.>
Amigo de Silveira desde a juventude, o artesão Guilherme da Silva, 36, afirmou que é "totalmente a favor" do vídeo. "Era meu desejo xingar aqueles caras.">
"Eles chegaram lá sem ter mérito algum. Foram indicados, mas por quê? Essa prisão arbitrária ultrapassou todos os limites, o ministro foi longe demais. Por mais que o Daniel seja ácido com algumas pessoas, muitas vezes se excede um pouco emocionalmente, nada justifica o cerceamento", disse.>
Natural de Araras, outro bairro de Petrópolis, Silveira foi morar na casa do sogro em Samambaia, região de classe média, quando tinha cerca de 15 anos.>
Apelidado de "Mancha" porque sempre se vestia de preto, é apontado pelos amigos como uma pessoa de "personalidade forte", que não media as palavras, mas que não tinha o costume de se envolver em brigas.>
No bairro, seus colegas dizem que Silveira sempre teve uma postura firme contra as drogas e a criminalidade, e que abordava meninos mais novos que fumavam maconha na rua. A prática continuou durante a carreira política do bolsonarista -a diferença é que agora a cena é transmitida nas redes sociais.>
"Chamar o cara de miliciano é sacanagem", afirmou Sandro. "Depois de eleito ele sempre perguntava se o pessoal precisava de ajuda. Precisaram de médico ele arrumou, dava sempre um jeito de ajudar.">
O longo currículo de polêmicas e supostas irregularidades não desconstruiu a imagem que os amigos guardam do deputado.>
Durante a conversa com a reportagem, não foram lembrados o dia em que Silveira quebrou a placa com o nome de Marielle Franco (PSOL), vereadora assassinada em 2018, ou quando o deputado trocou cusparadas com uma colega de faculdade durante uma transmissão ao vivo nas redes sociais.>
Também não foram citadas pelos amigos as 60 sanções disciplinares e as vezes em que esteve preso durante sua passagem pela Polícia Militar. Não foi rememorada, tampouco, a denúncia que apontou que Silveira havia utilizado atestados médicos falsos para faltar ao trabalho como cobrador de ônibus.>
Além de cobrador, Silveira foi assistente de obras, segurança de boate, professor de muay thai e dono de academia, segundo os amigos. Sua vontade quando jovem, no entanto, era se tornar policial.>
Conseguiu seu objetivo em 2013, após disputar na Justiça sua entrada na PM. O setor de pesquisa social da corporação havia recomendado sua não aprovação no concurso de 2010, devido à investigação por falsificação e outro registro de ocorrência em razão de uma briga de rua.>
De acordo com o amigo Guilherme, Silveira não falava sobre política durante a juventude. "Não o vejo nessa época como político, mas sempre mediando conflitos, 'vamos resolver de outro jeito'. O cara estava fazendo besteira na rua, ele chegava e dava ideia. Ele é lutador de artes marciais, o via sempre recuar, usar de argumentos", disse.>
Dependente químico, o amigo do deputado afirmou que Silveira foi um dos únicos a apoiá-lo durante as dificuldades ("Quando eu estava na clínica ele me mandou uma carta"). Nas redes sociais, o parlamentar tem o costume de xingar os outros de "maconheiros".>
Para Guilherme, Silveira tem um discurso punitivista em relação ao uso de drogas porque já viu muitos amigos se perdendo. "A gente sabe que o vício é uma doença, e o traficante o estopim. Ele viu muita coisa ruim na polícia, mães chorando porque tinham perdido filhos por causa do tráfico. Aquilo o pressionava", disse.>
O amigo também negou que o deputado seja homofóbico, afirmando que ele era muito próximo ao irmão, homossexual, que morreu há alguns anos devido a uma infecção.>
Guilherme vê a agressividade do deputado como um meio "de se blindar". "É uma capa dura para enfrentar essa corrupção. Um cara que cresceu sem o pai, só a mãe o criando. Sem estrutura familiar sólida, conseguiu vencer", afirmou.>
Carlos Eduardo de Paula, dono de uma empresa de segurança que recebe R$ 8.000 mensais da cota parlamentar de Silveira, de quem ficou amigo durante a faculdade de direito, também diz acreditar que o deputado veste uma máscara.>
"Pelo pouco que conheço, existe uma máscara aí. Ele defende o que acredita, mas num tom a mais. É o que o público quer ver, ouvir.">
A avaliação dos amigos vai ao encontro de um relato feito no Twitter pela deputada federal Áurea Carolina (PSOL), na manhã de sábado (20).>
Na publicação, a parlamentar afirma que Silveira disse a ela, certa vez, que se arrependia de uma cena de violência que havia protagonizado, que estava cansado da polarização política, e que tinha um irmão e amigos homossexuais.>
Questionado por que não mudava de posição, segundo a deputada, o parlamentar respondeu que o eleitorado "não o perdoaria".>
"Quando convém, fascistas amenizam o tom, escolhem bem as palavras, tentam se passar por cordiais e razoáveis. (...) É importante lembrar disso, porque o bolsonarismo é um projeto racional que sempre passa pela manipulação dos afetos", escreveu Áurea.>
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