Publicado em 27 de março de 2020 às 10:27
SÃO PAULO - Para o mercado financeiro, a afirmação do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de que há pressão da Bolsa de Valores em defesa de medidas menos rigorosas de enfrentamento ao coronavírus é uma jogada política e um recado ao governo de Jair Bolsonaro.>
Segundo gestores e analistas, Maia é um dos principais potenciais candidatos à Presidência nas eleições de 2022 e estaria se posicionando de acordo com a opinião pública. De acordo com pesquisa do Datafolha divulgada no domingo (22), a quarentena temporária, ou seja, o isolamento forçado em casa, tem apoio de 73% dos brasileiros, ante 24% que a rejeitam e 2% que se dizem indiferentes.>
"A fala de Maia é o discurso de todo político que está interessado com sua base de votos, independente se concorde ou não. E ele também tem que manter a popularidade para conseguir coordenar a Câmara. Se parte parte para a linha econômica, ele perde apoio dentro da casa", diz Luis Sales, analista da Guide Investimentos>
Já Bolsonaro e grupos de empresários defendem a volta às atividades para minimizar o impacto da Covid-19 na economia.>
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Bolsonaro e o coronavírus
Na noite de terça (24), Bolsonaro voltou a falar em "histeria" sobre a pandemia. O presidente defendeu que escolas e comércio sejam reabertos e que o isolamento seja imposto apenas a pessoas mais velhas ou que integrem o grupo de risco.>
A fala do presidente foi bastante criticada por especialistas, governadores, Judiciário, empresários e líderes do Congresso, como Maia e Davi Alcolumbre (DEM-AP).>
"Cada movimento em Brasília é muito bem pensado, essas falas sempre têm um lado político", diz Ilan Arbetman, da Ativa Investimentos. Segundo o analista, demais líderes, como governadores e prefeitos, também aproveitam o momento de crise para alavancar eventuais candidaturas nas próximas eleições.>
Na quarta (25), durante o fórum de governadores, que reuniu gestores de 26 estados, Maia voltou a abordar o confinamento.>
"Acho que a gente tem que sair desse enfrentamento sobre abrir ou não abrir, sair do isolamento ou não sair, porque isso nada mais é do que a pressão de milhares de pessoas que aplicaram seus recursos na Bolsa, acreditaram no sonho, na prosperidade da Bolsa a 150 mil pontos. Ela está a 70 mil por vários problemas. E a gente não pode deixar de cuidar das pessoas porque as pessoas estão perdendo dinheiro na Bolsa de Valores", disse o deputado.>
O Ibovespa, maior índice acionário da Bolsa de Valores, encerrou o pregão desta quinta-feira (26) cotado a 77.709 pontos. No início do ano, antes de o novo coronavírus se alastrar pelo mundo, agentes do mercado previam que ele poderia chegar a 150 mil pontos ao fim de 2020.>
"Faria Lima e Leblon adorariam que a rotina voltasse ao normal, mas não ao custo atual. É preferível retardar a volta aos trabalhos que iniciar um processo de retomada sem que os avanços necessários sejam feitos", afirma Arbetman.>
"Vejo a fala de Maia como politização e certo desconhecimento. Menos de 1% dos brasileiros investem na Bolsa, quem são essas milhares de pessoas que não querem que a Bolsa caia?", diz Rafael Panonko, analista-chefe da Toro Investimentos.>
Segundo o último levantamento da B3, operadora da Bolsa de Valores brasileira, 1,945 milhão de CPFs negociaram ações em fevereiro.>
"Sabemos que a única maneira de combater a doença no momento é o confinamento, e isso interfere na economia. O confinamento precisa existir, mas também precisamos de medidas econômicas claras e intensivas, especialmente se a paralisação durar por muito tempo, mas o governo federal não é salvador da pátria, outras esferas precisam agir também", afirma Panonko.>
Nas últimas semanas, o Ministério da Economia anunciou medidas para minimizar os efeitos do novo coronavírus, que têm impacto de R$ 147,3 bilhões. A pasta chefiada por Paulo Guedes argumenta que há pouco espaço para ampliar o valor, devido ao déficit fiscal do Brasil.>
No encontro de quarta, Maia também pediu aos governadores que elenquem projetos prioritários para análise do Legislativo que tenham impacto econômico de curto prazo no combate à pandemia do coronavírus e sugeriu que os governadores não entrem no debate sobre romper as medidas de isolamento social nos estados.>
"A fala do Maia sobre a Bolsa não reflete o que vemos no mercado. Quem pressiona o governo por medidas mais amenas são as pequenas e médias empresas, não grandes investidores e fundos. As empresas estão muito preocupadas com o que vai acontecer. Semana que vem já tem folha de pagamento", diz Ricardo Jacomassi, economista-chefe e sócio da TCP Partners.>
Para Álvaro Bandeira, economista-chefe da Modalmais, a pressão do mercado financeiro é por liquidez, ou seja, mais dinheiro à disposição, e flexibilidade junto a governo, BC (Banco Central) e CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que regula o mercado. Em meio à crise, BC e Tesouro Nacional têm agido para ampliar a liquidez e a CVM estendeu e flexibilizou prazos de entrega de documentos.>
"Essa visão do Maia é torta, pequena. Primeiro, é preciso cuidar das pessoas, para que elas tenham recursos mínimos para sobreviver, e dar assistência para que empresas não quebrem e o mercado financeiro não fique comprometido com inadimplência. Temos que preservar a vida e as empresas", diz Bandeira.>
Para Fabrizio Velloni, chefe da mesa de câmbio e sócio da Frente Corretora, o mercado vê essa politização do combate ao coronavírus com preocupação, "porque coloca em risco a aprovação da reforma tributária e administrativa. Falta articulação dentro do governo e com governadores".>
Velloni cita a dissonância do vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), que defende o isolamento social, com o discurso de Bolsonaro.>
"Maia não é ingênuo, foi um recado para o governo. O Guedes está muito escondido e não vejo, no curto prazo, um pacote de estímulo expressivo", diz o economista.>
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