Publicado em 11 de março de 2020 às 19:51
A procuradora da República Karen Louise Kahn, do Ministério Público Federal em São Paulo, disse que o Grupo Bellini, condenado esta semana pela Justiça Federal por fraudes à Lei Rouanet, fazia "simulacros de projetos culturais". Segundo Karen, "dezenas de apresentações culturais, produto dos projetos aprovados pelo Ministério da Cultura, eram manipuladas pela organização criminosa".>
A procuradora afirma que o grupo constituía "verdadeiros simulacros de projetos culturais, com um público forjado e um cenário precário que pudessem, minimamente, transmitir ao Estado a aparência de regularidade na execução de tais projetos".>
"Isto, quando o próprio projeto cultural aprovado pelo MinC não era, desde logo, substituído diretamente pelo evento corporativo em benefício exclusivo dos supostos patrocinadores e de seus clientes", anotou Karen Louise Kahn, autora da denúncia do Ministério Público Federal que levou à condenação dos envolvidos.>
Na última segunda, 9, a Justiça Federal em São Paulo condenou 12 envolvidos em desvios de recursos públicos para a promoção de atividades culturais a penas que, somadas, passam de 145 anos de prisão.>
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Eles foram alvo da Operação Boca Livre, deflagrada em junho de 2016.>
Os principais réus integram o núcleo familiar que estava à frente do Grupo Bellini Cultural, conjunto de empresas que, segundo a Procuradoria, coordenou as fraudes com quantias captadas por meio da Lei Rouanet (Lei n. 8.313/91).>
Esta é a primeira sentença condenatória no âmbito da Boca Livre. Outras 27 ações penais já foram ajuizadas contra integrantes do Grupo Bellini e representantes das empresas patrocinadoras envolvidas. "Não há, segundo as investigações, evidências de que artistas e servidores públicos responsáveis pela aprovação dos projetos tivessem conhecimento das fraudes, por isso eles não respondem pelos crimes apurados", informa a Procuradoria.>
O número da ação que levou à condenação dos 12 envolvidos é 0001071-40.2016.4.03.6181. Os réus poderão recorrer em liberdade. A tramitação do processo pode ser consultada aqui.>
A Procuradoria estima que, 'além de privar a população de espetáculos e projetos culturais que seriam financiadas com esses recursos', as irregularidades tenham causado prejuízo superior a R$ 21 milhões aos cofres públicos.>
As penas correspondem aos delitos de estelionato contra a União e organização criminosa.>
O empresário Antonio Carlos Bellini Amorim, 'responsável pela articulação dos ilícitos denunciados', foi condenado a mais de 19 anos de prisão.>
À mulher dele, Tania Regina Guertas, foi atribuída pena de 13 anos e 3 meses de reclusão.>
A sentença da 3.ª Vara Criminal Federal de São Paulo também aplica sanções a dois filhos de Bellini - Felipe Vaz Amorim (17 anos e 4 meses de prisão) e Bruno Vaz Amorim (10 anos de prisão).>
As fraudes que levaram à condenação dos réus foram praticadas entre 2011 e 2016, mas há evidências de que o esquema já estava em curso desde o ano 2000, destaca o Ministério Público Federal.>
A Operação Boca Livre mostra que o Grupo Bellini Cultural especializou-se na realização de projetos culturais para clientes privados com financiamento por meio da lei de incentivo fiscal.>
O montante captado de patrocinadores, que deveria se destinar a apresentações artísticas e outras programações culturais à população, acabava sendo usado para a promoção de interesses corporativos.>
O abatimento no imposto de renda das companhias que contratavam os serviços dos réus - benefício previsto na Lei Rouanet em troca do patrocínio projetos culturais - 'revertia-se na verdade em vantagens ilícitas para essas empresas, como a produção de livros comemorativos e shows particulares com artistas de destaque'.>
Além de Bellini, da mulher e dos filhos, oito pessoas ligadas ao grupo foram condenadas, com penas que variam de 4 a 13 anos de prisão. "Elas eram responsáveis pela parte operacional do esquema e figuravam como sócias de uma série de empresas criadas com o objetivo de omitir o nome Bellini das propostas culturais apresentadas para a captação de recursos.">
A atuação dessas empresas associadas à organização criminosa tornou-se mais intensa a partir de 2013, assinala a Procuradoria.>
"Naquele ano, o núcleo decidiu mudar sua estratégia para driblar a fiscalização do Ministério da Cultura, que já vinha restringindo a aprovação de projetos do grupo desde o surgimento das primeiras denúncias de irregularidades, em 2011", pontua a Assessoria de Comunicação da Procuradoria.>
Segundo o Ministério Público Federal, enquanto buscava camuflar a origem das propostas que submetia à aprovação do Ministério da Cultura, o Grupo Bellini mudou também a forma de execução dos projetos. De 2014 em diante, as realizações passaram a incluir 'contrapartidas sociais' - eventos gratuitos direcionados ao segmento social alvo do projeto e que, embora devessem ser o objeto principal dos contratos, 'eram promovidos de maneira precária, somente para constar da prestação de contas'.>
Em abril de 2016, por exemplo, os réus organizaram um show de comédia para 700 funcionários e colaboradores de um grande escritório de advocacia em uma casa de espetáculos em São Paulo com recursos que, segundo o projeto aprovado, deveriam financiar apresentações musicais de orquestra e cantores consagrados abertas ao público geral.>
Para justificar o uso da Lei Rouanet, o Grupo Bellini realizou, no mesmo dia pela manhã, uma apresentação simples de piano no local, sem a presença dos artistas previstos, para uma plateia de apenas 300 pessoas, levadas ao teatro de ônibus.>
"Restou comprovado pelas provas existentes nos autos que o Grupo Bellini e seus colaboradores tinham um sistema estruturado cujo principal escopo era a aprovação de projetos culturais por meio de pessoas jurídicas e físicas junto ao Ministério da Cultura para, posteriormente, utilizar as verbas captadas para a realização dos projetos em benefício exclusivo das próprias empresas patrocinadoras, que por sua vez deduziam tais valores do quanto devido a título de Imposto de Renda Pessoa Jurídica", diz trecho da sentença.>
Uma porcentagem do volume de dinheiro captado destinava-se aos próprios integrantes do Grupo Bellini e das empresas associadas, na forma de salários, comissões e pagamentos pelos serviços prestados.>
"Notas fiscais falsas também eram utilizadas para maquiar o destino das quantias, como ocorreu em 2016 no casamento de Felipe Vaz Amorim, pouco antes da deflagração da Operação Boca Livre", relata a Procuradoria, em referência a um filho de Bellini. "O empresário utilizou recursos do esquema para a contratação de uma atração musical da festa, mas o dinheiro foi registrado no balanço contábil como pagamento de serviços de secretariado e cenografia em projetos culturais.">
A reportagem buscou contato com a defesa do Grupo Bellini Cultural, mas sem sucesso. O espaço se mantém aberto à manifestação.>
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