Publicado em 24 de abril de 2023 às 15:17
BRASÍLIA - Cobrado por parlamentares e pressionado pela falta de uma base sólida, o governo do presidente Lula busca acelerar o repasse de verbas adicionais a cada deputado como uma forma de melhorar o clima no Congresso e aprovar medidas de interesse do Palácio do Planalto.>
A negociação em torno da liberação desse tipo de verba ocorre sobretudo na Câmara e se dá agora também sob a provável criação de uma CPI para investigar os ataques golpistas de 8 de janeiro — o governo busca ter a maioria de deputados e senadores na comissão, além de indicar presidente e relator.>
Líderes de três partidos ligados ao presidente Arthur Lira (PP-AL) ouvidos pela reportagem relatam que os valores negociados no Parlamento variam conforme o tempo de casa do deputado, em uma faixa que vai de R$ 3,5 milhões para os novos e de R$ 5 milhões a R$ 7 milhões para congressistas antigos.>
Isso corresponderia, segundo líderes, a pelo menos metade do montante que os deputados poderão indicar neste ano nesse tipo de rubrica, denominada RP2, do orçamento de ministérios.>
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Esses valores se somariam ao dinheiro de emendas individuais, de bancada e de comissões a que os parlamentares têm direito. Os deputados indicariam os recursos a serem aplicados em projetos de seus interesses.>
As verbas de agora se inserem em um acordo feito no Congresso no ano passado segundo o qual parlamentares novos e antigos teriam acesso a determinado montante para indicar a ações ministeriais em suas bases.>
No final do ano passado, após a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de banir as emendas de relator, que tinham a rubrica RP9, sob argumento de que eram inconstitucionais, Congresso e governo Lula costuraram um acordo segundo o qual parte dos recursos viraria emendas individuais e R$ 9,8 bilhões iriam para ministérios para serem usados para atender pedidos de parlamentares.>
Segundo deputados, o ministro Waldez Góes (Integração e Desenvolvimento Regional) teria procurado parlamentares nas últimas semanas para falar sobre a liberação das emendas. Nas conversas que manteve com parte da bancada da União Brasil, ele indicou que esta era uma forma de fidelizar os deputados do partido e prometeu agilidade nos recursos. A reportagem procurou o ministro para questioná-lo sobre as conversas, mas não obteve retorno.>
Integrantes do governo que participam das conversas com o Congresso negam que estejam negociando valores específicos que cada parlamentar poderá indicar a cada programa e que não estão atrelando isso à formação da base.>
Admitem, contudo, ter pedido a ministérios com mais verbas (como Integração Nacional e Saúde) para acelerarem o cadastro dos programas para que parlamentares e prefeitos registrem projetos e o repasse ocorra.>
Articuladores políticos do governo afirmam que há uma orientação clara aos ministros para que recebam os parlamentares e ouçam propostas.>
Eles alegam, porém, que as verbas de RP2 não seriam uma nova emenda e que a indicação do dinheiro a ser feita pelos parlamentares ocorrerá nos moldes em que acontecia antes de ser criada a emenda de relator.>
Isto é, os deputados teoricamente apresentam um projeto a determinado programa, geralmente por meio de ofício, e o ministério decide se aceita ou não a indicação da verba de acordo com critérios técnicos.>
Dessa forma, também não existe um valor específico que possa ser indicado pelo deputado ou senador, já que a liberação do dinheiro dependeria de critérios técnicos. Na prática, porém, deputados contam com a liberação do dinheiro para azeitar a base.>
O ministro Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais), por exemplo, tem sido pressionado desde o início do ano por líderes partidários a acelerar a execução das verbas.>
Até a semana passada, haviam sido liberados cerca de R$ 4,5 milhões de restos a pagar referentes a verbas que estavam na rubrica das antigas emendas de relator.>
Embora o titular da pasta que trata da negociação política busque em conversas com aliados desatrelar a liberação desse dinheiro extra à formação de uma base, os próprios parlamentares já avisaram ao governo que, sem isso, será difícil fidelizá-los.>
A distribuição dos recursos tem provocado atritos entre a articulação política do governo e a cúpula do Congresso.>
Segundo parlamentares, o Planalto insiste em ser visto como o "padrinho" das verbas junto aos deputados, para diminuir a intermediação de Lira, do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e de líderes partidários.>
A intenção é tentar imprimir uma mudança em relação a como os repasses eram feitos durante a era das emendas de relator, quando as verbas eram distribuídas por Lira e Pacheco a seus aliados.>
Na Câmara, porém, os próprios líderes partidários estão definindo como será a alocação dessas verbas. Inclusive, há líderes que já passaram a enviar planilhas aos deputados das bancadas para que eles saibam a quanto terão direito de indicar em cada ministério e articulem para enviarem projetos às pastas.>
A pressão pela liberação de verbas não é recente. Em entrevista à Folha de S.Paulo em março, o líder da União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA), já havia cobrado que o governo destravasse a liberação de emendas.>
"Houve o acordo para o RP2 continuar a ser executado conforme indicação do Congresso, mas nos programas que o governo fosse apontando. Quanto mais ágil ele for e conseguir fazer rodar isso, mais ele vai ter uma vinculação de base.">
Segundo relatos feitos à reportagem, nas últimas semanas integrantes do governo passaram a ser pressionados para acelerar a liberação da verba.>
A iniciativa ocorre em um contexto em que a frágil base de sustentação do Executivo petista começará finalmente a ser testada no Congresso, depois de quase três meses de votações que exigiram pouco esforço de articulação dos aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).>
Esse cenário mudou recentemente, em meio à constatação do governo de que vai precisar intensificar o esforço para aprovar o arcabouço fiscal que vai substituir o teto de gastos e pelo risco de derrota em algumas medidas provisórias com a volta das comissões mistas.>
Além disso, a demissão do general Gonçalves Dias do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) turvou mais ainda o ambiente político e fez com que o próprio governo passasse a defender a CPI para investigar os ataques golpistas de 8 de janeiro.>
Por outro lado, isso vai exigir que aliados blindem ministros e outras autoridades do Planalto durante as oitivas que serão realizadas, exigindo novamente forte atuação da base.>
Depois de acertar o novo mecanismo de distribuição de recursos ao Congresso via ministérios, o Planalto quer uma forma de divulgação dos agentes públicos beneficiados pela distribuição desses recursos.>
Não está claro como isso será feito, mas a ideia é que ao menos os ministérios possam disponibilizar ofícios com o nome de deputados que apadrinharam determinada verba.>
Com isso, qualquer desgaste cairia na conta dos responsáveis por apadrinhar as verbas — que podem ser prefeitos, deputados ou senadores. O pano de fundo para as preocupações é o histórico de denúncias de irregularidades e de falta de transparência envolvendo as emendas de relator.>
Ainda sob o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) transformou-se num dos principais instrumentos para escoar a verba recorde dessas emendas.>
Lula tem repetido a aliados não querer enfrentar outro escândalo como o do mensalão — principal caso de corrupção do primeiro mandato do petista e até hoje fonte de desgaste para o partido.>
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