Publicado em 2 de junho de 2024 às 14:12
BRASÍLIA - As Forças Armadas vão permitir – pela primeira vez na história-- que mulheres participem do alistamento militar para ingresso na carreira de soldado.>
A decisão foi tomada pelo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, em conversa com os comandantes militares. A previsão é que as mulheres entrem nas fileiras das Forças em 2026.>
"Nesse assunto, o Brasil deve muito. E não é para fazer serviço de enfermagem e escritório, é para a mulher entrar na infantaria. Queremos mulheres armadas até os dentes", disse Múcio.>
Atualmente as mulheres já são autorizadas a entrar nas Forças Armadas por outros meios, como nas escolas que preparam oficiais. A participação feminina, porém, é limitada – só a Marinha libera atuação delas em áreas mais combatentes, a de fuzileiros navais.>
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O alistamento feminino será voluntário e, pelos planos da Defesa, deve ser permitido às mulheres que completarem 18 anos em 2025. O modelo é semelhante ao serviço militar masculino, mas no caso delas sem a obrigatoriedade de se apresentarem às Forças.>
Apesar do acerto entre todos os chefes militares, há divergências sobre a quantidade de vagas que devem ser reservadas às mulheres – desacerto que será levado para decisão de Múcio.>
O ministro da Defesa havia determinado que as vagas reservadas às mulheres crescessem gradativamente até alcançar 20% das 85 mil pessoas que entram no serviço militar anualmente.>
As vagas são, em maioria, destinadas ao Exército (75 mil), acompanhado da Aeronáutica (7.000) e da Marinha (3.000).>
O Alto Comando do Exército discutiu a proposta de inclusão das mulheres no alistamento militar em sua última reunião, entre os dias 13 e 17 de maio. Os 16 generais da cúpula da Força participaram do encontro.>
Segundo relatos, na ocasião foi apresentado o resultado de estudos do Estado-Maior do Exército. Eles sugerem que sejam abertas de 1.000 a 2.000 vagas para as mulheres em 2025, com prioridade para áreas em que haja presença feminina, como hospitais, escolas e bases administrativas.>
O plano interno é aumentar gradativamente as vagas até chegar a 5.000 – número menor que o apresentado por Múcio, já que os 20% representam 15 mil vagas no Exército.>
A justificativa interna é que não é possível saber quantas mulheres vão buscar o alistamento militar. É preciso também ajustar as instalações para a chegada das mulheres, com separação de dormitórios e adaptação de banheiros.>
Os dados ainda não foram apresentados ao ministro. "Acho 1.000 pouco. Vou pedir uma programação, para ver em quantos anos chegará aos 20%", disse Múcio.>
O serviço militar tem duração de 12 meses prorrogáveis até o limite de 96 meses. O jovem ingressa como soldado e, com o tempo máximo permitido, pode deixar a Força como 3º sargento.>
A professora Adriana Marques, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), avalia que a inclusão de mulheres no serviço militar, via alistamento, não é a abordagem correta para se "buscar equidade de gênero nas Forças Armadas".>
"Nós só vamos conseguir assegurar equidade de gênero nas Forças Armadas quando as mulheres puderem ingressar nas armas de combate. Isso que eles estão fazendo é uma demagogia", afirma.>
Adriana é crítica ao Serviço Militar Obrigatório porque ele não forma soldados profissionais. As pessoas alistadas ficam, geralmente, um ano em unidades militares e não cumprem funções relacionadas à defesa nacional, como limpeza de quartéis.>
"Esse padrão do serviço militar obrigatório, que elas ficam um ano, [...] elas não vão formar uma carreira.">
A PGR (Procuradoria-Geral da República) entrou com três ações no STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo que sejam consideradas inconstitucionais as barreiras impostas pelas Forças Armadas para a participação feminina.>
A Procuradoria pede que as mulheres possam entrar em todas as funções (no jargão militar chamadas de armas) sem restrições de vagas e com livre concorrência.>
O governo Lula (PT) se posicionou contra o fim das restrições. Em um dos documentos que embasaram a posição do Executivo, o Exército disse que a inclusão de mulheres em determinadas funções pode comprometer o desempenho militar numa situação de combate por causa da "fisiologia feminina".>
"É necessário reconhecer que a fisiologia feminina, refletida na execução de tarefas específicas na zona de combate, pode comprometer o desempenho militar em operações de combate, dependendo do ambiente operacional", diz trecho do documento do Exército.>
A Marinha foi a primeira das Forças a abrir suas fileiras para as mulheres, em 1980. As primeiras inscrições femininas para o curso de fuzileiros navais, porém, só ocorreram no último ano.>
As mulheres ocupam 8.420 dos cerca de 75 mil cargos ativos na Marinha – total de 11%, segundo dados do início do ano.>
Na Aeronáutica, as mulheres representam pouco mais de 20% do efetivo (14.118 mulheres num total de 67.605 militares) e são impedidas de entrar na infantaria --arma responsável pelo combate a pé.>
O Exército permite a entrada de mulheres em seus quadros desde 1992. A participação feminina, porém, avançou pouco: elas representam somente 6% do efetivo da Força Terrestre – 13.017 num universo de mais de 212 mil militares ativos.>
As mulheres não podem entrar nas armas consideradas mais combatentes do Exército: cavalaria, infantaria, artilharia e engenharia.>
Os militares que ingressam nessas funções são os responsáveis por ocupar a linha de frente em batalhas, conduzindo armas e blindados para o confronto, ou apoiar as ações com canhões e construções de pontes improvisadas.>
José Múcio conta que o plano de inclusão de mulheres amadureceu durante este ano, enquanto as Forças eram alvos das ações no STF. O ministro também visitou diversos países e conheceu a realidade da participação feminina em exércitos estrangeiros.>
"No Chile, há um quantitativo bem elevado de mulheres", disse o ministro. Múcio visitou o país em abril e conversou com a ministra da Defesa chilena, Maya Fernández Allende – neta de Salvador Allende, presidente do Chile deposto e assassinado antes da ditadura militar de Augusto Pinochet.>
O ministro também conheceu a realidade de Portugal. Em entrevista à Folha de S.Paulo, a ex-ministra da Defesa portuguesa Helena Carreiras disse que as Forças Armadas devem eliminar restrições às mulheres para não se tornarem "monolíticas".>
"Organizações que não aceitam a diversidade, que são monolíticas, são instituições que vão definhar, que não vão entender e enfrentar os desafios da complexidade de tarefas que têm pela frente.">
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