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Entregador é chamado de lixo e é alvo de racismo em São Paulo

Entregador é chamado de lixo e é alvo de racismo em São Paulo

Matheus Pires Barbosa, de 19 anos, ouviu ofensas de cliente quando fazia entrega dentro de condomínio em Valinhos

Publicado em 7 de agosto de 2020 às 22:41

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Entregador de aplicativo sofreu ofensas racistas de cliente em condomínio de São Paulo
Entregador de aplicativo sofreu ofensas racistas de cliente em condomínio de São Paulo. (Reprodução)

Quando Matheus Pires Barbosa, de 19 anos, falou para os outros colegas entregadores do aplicativo de entregas o endereço da próxima encomenda que faria, em um condomínio de Valinhos (SP), no dia 31 de julho, ouviu: ?Boa sorte?.

O cliente que receberia o pedido era conhecido por alguns deles por exigir que caminhassem até a porta da casa com a entrega, enquanto a maioria das pessoas costumava esperar junto ao portão da residência. Matheus resolveu então comentar com o cliente, em tom de brincadeira, a impressão que ele havia deixado nos outros trabalhadores.

Um vídeo registrado por uma testemunha, da discussão aberta entre eles a partir disso, viralizou nas redes sociais nesta sexta-feira (7), com o homem chamando o entregador de lixo e inferindo que ele teria inveja da pele branca. O caso foi registrado como injúria racial na delegacia de Valinhos ainda no dia 31 de julho.

"As partes foram ouvidas e a vítima orientada quanto ao prazo de seis meses para representação criminal contra o autor", afirmou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. O entregador tem seis meses para representar criminalmente contra o agressor. A pena máxima prevista para o crime de injúria é de três anos e, ao contrário do racismo, ele pode ter fiança.

No boletim de ocorrência, Pires diz que o homem começou a ofendê-lo, depois dos comentários, dizendo coisas como: "preto, favelado, pobre, olha seu tênis furado".

Durante o depoimento que prestou às autoridades, o agressor confirmou o uso dos termos favelado e pobre, mas negou ter feito ofensa com relação à cor do entregador. O registro da ocorrência, porém, afirma que ele voltou a repetir as ofensas diante dos policiais.

CLIENTE MAL FALADO

A discussão começou, segundo o cliente, porque o entregador afirmou que ele seria mal falado entre os motoboys. Ele alega ainda que o entregador teria investido contra ele. No vídeo de um minuto e meio, o homem declara ao entregador: ?Aqui não vai acontecer nada. Com você, lá para a frente, não sei, morou? Você sabe o que vai acontecer no futuro? Desempregado?Você trabalha de motoboy, filho".

Ele chama Matheus de lixo, semianalfabeto, diz que ele tem inveja das famílias que vivem no condomínio e aponta para o próprio braço, dizendo que o jovem teria inveja também da sua pele branca. O entregador questiona o que sua profissão tem a ver e oferece seu telefone para que o homem veja no aplicativo quanto ele recebe com seu trabalho.

?Eu tenho uma vida fora daqui?, diz Matheus. ?Eu posso ter a mesma coisa que o senhor. O senhor conseguiu por quê? Por que o seu pai te deu ou por que você trabalhou??.

Outro homem que também aparece nas imagens pergunta por que eles vão seguir a discussão e Matheus responde que está esperando a viatura da Guarda Civil Municipal, para que o homem não volte a fazer aquilo com outras pessoas.

"TODO DIA É UM CASO ASSIM"

O vídeo foi publicado nas redes sociais pela mãe de Matheus, Maria Pires, 43, nesta quinta. Criada por uma mulher negra, ela diz que o filho, que teve o nome inspirado na Bíblia, nunca tinha passado por isso.

?Não é por dinheiro, não é por nada. É por justiça. Isso tem que parar de acontecer, porque é todo dia um caso assim. Para mim é a pior coisa do mundo ver meu filho passar por uma situação daquelas, porque a maneira que eu criei meu filho e fui criada, eu aprendi a ter respeito pelo ser humano, não importa classe social ou cor da pele?, afirmou à reportagem.

Em nota, o IFood diz que baseado nos termos do aplicativo, descadastrou o agressor como usuário e que irá oferecer apoio jurídico e psicológico a Matheus. A plataforma também diz que recomenda que haja registro de boletim de ocorrência em casos como este e que se faça contato com a empresa enviando uma cópia.

"Racismo é crime. O IFood condena qualquer forma de preconceito ou discriminação e por isso presta solidariedade e apoio ao entregador Matheus, vítima do crime racial praticado por um consumidor?, diz o texto.

BOLSONARO REPUDIA ATITUDE

O presidente da República, Jair Bolsonaro, também comentou o ocorrido. "Independentemente das circunstâncias que levaram ao ocorrido, atitudes como esta devem ser totalmente repudiadas", escreveu, em uma rede social. "A miscigenação é uma marca do Brasil. Ninguém é melhor do que ninguém por conta de sua cor, crença, classe social ou opção sexual".

?Em coletiva, na tarde desta sexta, o delegado titular de Valinhos, Luís Henrique Apocalypse Jóia, disse que constou no boletim de ocorrência que o pai do agressor teria exibido um documento apontando que o filho sofre de esquizofrenia.

"Assim que houver a representação por parte da vítima, e nós iniciarmos [inquérito], vamos checar se tem ou não esse documento", explicou o delegado, que não estava de plantão no dia do registro. Ele afirmou ainda que o agressor não tem antecedentes criminais.

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Até a publicação deste texto, a reportagem não conseguiu contato com o homem que aparece no vídeo ofendendo o entregador.

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