Publicado em 31 de janeiro de 2020 às 12:16
"Preto e dinheiro são palavras rivais?", é o que a empresária Lorenna Vieira, 21, se perguntou após, segundo ela, ser "humilhada e esculachada por minha conta receber um bom dinheiro". Queria sacar R$ 1.500. >
Ela tem uma marca de cosméticos (preferência para cabelos cacheados, como os dela), a Use Bad Gall. E faz sucesso com ela, até por ser influenciadora digital: são 300 mil seguidores no Instagram e outros 125 mil no Twitter.>
Nesta quinta (30), a Miss Beleza Negra 2016 foi a uma agência do Itaú na Penha para resolver "meus negócios de conta". >
Saiu de lá direto para a 22ª Delegacia de Polícia, no mesmo bairro da zona norte carioca, onde mora com seu namorado, o DJ Rennan da Penha.>
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Ela diz que funcionários do Itaú a enrolaram até o banco fechar, pois haviam acionado as autoridades, desconfiados de uma possível fraude. Teriam estranhado a movimentação em sua conta.>
Lorenna contou em suas redes sociais que, na delegacia, "ficaram fazendo perguntas tipo 'você é o que do Rennan, você já visitou [na cadeia]', tipo assim, então me conhece, né?".>
Seu namorado, coqueluche da cena funkeira do Brasil, passou sete meses encarcerado em 2019, condenado em segunda instância (após ser inocentado na primeira) por associação para o tráfico de drogas. >
Foi solto em novembro, beneficiado pela mesma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que contemplou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva --a de que um condenado só pode ser preso após o esgotamento de todos os recursos.>
A detenção do jovem, acompanhada de acusações de racismo e criminalização do funk, mobilizou a campanha #DJNãoÉBandido. >
Agora é Lorenna que protagoniza um episódio que, para ela, escancara "a porra do preconceito, não tem outra explicação".>
A empresária afirma que os três policiais que a escoltaram, todos eles brancos, agiram com "o maior deboche, maior desrespeito, maior preconceito". >
Ela diz que vai encerrar sua conta no Itaú e "processar quem tiver que processar", a instituição, a Polícia Civil ou ambos. >
Lorenna conta que, quando os policiais chegaram para levá-la, "não tinha mais ninguém no banco, e fiquei lá esperando e não estava entendendo o porquê da demora". >
Até perceber que haviam chamado a polícia. "Me tiraram de lá, aquela vergonha toda, isso tudo que vocês já sabem o que é." Segundo Lorenna, justificaram a suspeita assim: falaram que não era ela na identidade (o cabelo, na foto, estava liso, e hoje ela o deixa no crespo natural) e que a quantia que estava entrando em sua conta não era normal, logo, não lhe deixaram sacá-la. "Prenderam meu dinheiro, quase me prenderam.">
No mesmo dia, ela foi a um espaço que abrigará uma nova loja de sua marca. Diz que conheceu a lojista de um estabelecimento vizinho que ficou surpresa por ser ela a dona do negócio. "A gente é preto, é humilde, mas é empresário, sim, é empreendedor também.">
Rennan da Penha também comentou o caso no Instagram. "Meu bagulho é meu trabalho, não gosto nem de ficar criando polêmica, mas o que aconteceu hoje com minha mulher, no Itaú, não foi maneiro, não.">
O funkeiro questionou o que motivou a suspeita. "Fraude por quê? Ela trabalha, vende o xampu dela.">
Estereótipos do que esperar de um negro, diz, também o assombram. Se não é bandido, no imaginário popular, só pode ser boleiro. Como a vez em que entrou numa agência do mesmo Itaú, e o segurança perguntou se era jogador de futebol. "Fico assim, pasmo, mano. Não posso conquistar nada? Que loucura é essa, mano?">
Também incomoda quando ele e Lorenna estão no avião e recebem olhares tortos. "Dois jovens negros viajando não é normal pra eles." >
Em nota enviada por sua assessoria de imprensa, o Itaú se desculpa e diz que vem tentando entrar em contato com Lorenna "para resolver a situação".>
Segundo o banco, "o procedimento adotado na agência é padrão em casos de suspeita de fraude, e não tem qualquer relação com questões de raça ou gênero". O Itaú Unibanco, continua o texto, "acredita que toda forma de discriminação racial deve ser combatida.">
O objetivo, de acordo com a instituição, "era proteger os recursos de Lorenna de possível fraude, uma vez que já havia um bloqueio preventivo de sua conta corrente e era difícil identificá-la com o documento apresentado no caixa". >
Na noite desta quinta, após o caso provocar comoção na internet, Lorenna disse que uma representante do Itaú lhe telefonou. Ela não gostou do que ouviu.>
"Procedimento padrão? Dizer que está resolvendo meu problema, me fazer esperar até depois do horário de fechar o banco. Não me informar o que estava acontecendo, mentir pra me prender lá, não deixar eu sair. [...] O jeito era simplesmente chamar a Polícia Civil para eu ser retirada dali como uma criminosa, humilhada???? Ah, não, agora, sim, fiquei puta!">
Procurada pela reportagem, a Polícia Civil ainda não respondeu sobre o caso.>
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