Publicado em 26 de junho de 2020 às 08:54
A decisão do Ministério da Saúde de alterar a divulgação e retirar dados do total acumulado de casos e mortes pela Covid-19 de plataformas nas últimas semanas foi "inútil" e só serviu para enfraquecer a pasta, afirmou nesta quinta-feira (25) o ex-ministro da Saúde, Nelson Teich. >
Teich participou da série de lives Ao Vivo em Casa, feita pela Folha de S. Paulo durante a pandemia.>
Em entrevista, ele afirmou que não há como esconder os dados.>
"A discussão de botar dado acumulado e não botar, aquilo é inacreditavelmente inútil", disse. "Quando o ministério toma aquela atitude, traz uma percepção muito ruim. Não tem como esconder os dados, porque não eram do ministério, eram de Estados e municípios", afirmou.>
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Para ele, porém, o maior problema causado pela decisão foi de "imagem e não de informação", já que outros meios se organizaram para fornecer os dados em pouco tempo.>
"Não teve 24h de quebra, e não fez a menor diferença. Qual foi a maior diferença que isso fez: a credibilidade do ministério. O grande problema foi de imagem, e não de informação", disse.>
A situação, diz, levou as pessoas a questionarem a legitimidade da liderança e coordenação da gestão da pandemia.>
"E a liderança e coordenação não pode ser questionada, porque é do ministério. Quando enfraquece [essa liderança], é ruim para todo mundo. E foi um erro, porque enfraqueceu", disse.>
Questionado, ele negou que tenha sofrido pressão semelhante para mudança na divulgação dos dados enquanto esteve no cargo, o qual deixou em 15 de maio.>
Na gestão de Teich, porém, a pasta reduziu a divulgação de dados negativos e passou a dar maior ênfase no total de recuperados. Também retirou dados que apontavam cenários de atenção, alerta e emergência conforme níveis de incidência de casos nos Estados, os quais até então eram de divulgação diária.>
Nelson Teich
Ex-ministro da Saúde"Essa questão dos Estados poderia realmente ter sido mantida. Mas nunca houve uma intenção de esconder nada", afirmou, ao ser questionado.>
Segundo ele, a ideia era passar uma explicação melhor "que não só a evolução numérica".>
O ex-ministro disse ainda ter decidido deixar o cargo para evitar novos atritos com o presidente Jair Bolsonaro, que naquele momento pressionava pela ampliação da oferta de cloroquina para pacientes com casos leves da Covid-19, mesmo sem evidências de eficácia.>
"Eu tinha uma forma [de lidar], ele tinha outra, e como ele foi eleito, então saio eu. Não teve briga, discussão, foi uma conversa.">
Para ele, porém, o Conselho Federal de Medicina (CFM) deveria rever sua posição sobre a possibilidade de que médicos prescrevam o medicamento, indicado originalmente para malária, também para casos de Covid-19 fora de estudos clínicos.>
"O CFM tem que se posicionar e rever a conduta dele, porque acaba validando isso", afirmou.>
Ele lembra que uma das poucas drogas que teve resultados mais positivos em estudos iniciais até agora foi o remdesivir. "E o problema é que aparentemente a hidroxicloroquina diminui a atuação do remdesivir. Quando você tem essas situações e o CFM autoriza, para o leigo fica difícil, que pensa: por que o ministro está certo? Tem tanta coisa que fala contra.">
Além da falta de comprovação científica, a oferta leva a um desperdício de recursos, aponta. "Quando uso remédios que não tem comprovação, gasto em uma coisa e não em outra", disse. "E em uma situação em que gasto muito dinheiro, não posso gastar mal.">
No encontro, Teich poupou críticas ao presidente, mas afirmou concordar que ações feitas por ele que contrariam recomendações de isolamento social e uso de máscaras passam uma "imagem ruim".>
"Quanto mais igual é a mensagem, melhor ela é", disse ele, que completou: "Mas nunca vi ninguém falar que estava fazendo alguma coisa por causa do presidente.">
Para ele, outros fatores precisam ser considerados. "Será que a pessoa tem problema de dinheiro e precisa sair, de depressão grave e precisa sair?">
"Quando você acha que as pessoas estão saindo porque o presidente não está usando máscara, não nego que não é o ideal, mas minha preocupação é: será que isso é capaz de mudar o comportamento tanto assim ou tem alguma coisa acontecendo na sociedade?", afirmou ele, que diz ter iniciado enquetes para saber a avaliação das pessoas.>
Questionado, ele negou que fosse tutelado no cargo pelo então secretário-executivo, Eduardo Pazuello [hoje ministro interino], situação apontada por secretários de saúde. "Ele nunca teve mais poder do que eu.">
"Se ele não tivesse sido indicado pelo presidente e eu tivesse não tivesse aceitado, e fosse uma coisa imposta, ou ficava ele ou ficava eu. Eu não ficaria", disse. "Ele nunca foi ministro comigo. Nunca dividi o poder e importância do cargo com ele.">
O ex-ministro evitou comentar sobre a entrada maciça de militares no ministério sem experiência em saúde. "Não vou julgar. Na época em que eu estava as pessoas me davam suporte na área em que estavam [na secretaria-executiva], mas não era uma área técnica, que ficou preservada", disse.>
Ainda segundo Teich, não é possível saber por quanto tempo vamos conviver com o novo coronavírus e gestores precisam saber como lidar com incertezas.>
A epidemia, porém, deixa a mensagem de que o sistema de saúde precisa ser reestruturado.>
"A Covid mostrou as fragilidades do sistema, e uma delas é a necessidade de informação", afirma. "Não dá para esperar o tempo passar para estruturar o que deve ser feito. Se existe um problema de falta de liderança e coordenação, isso não vem de hoje.">
Ainda segundo Teich, o governo pode ter fechado tarde as fronteiras para impedir a disseminação do vírus.>
"O primeiro caso [de Covid] foi na quarta-feira de Cinzas. Se pegar os dados de mortalidade, tudo sugere que a mortalidade começou a aumentar em março. Provavelmente devemos ter tido uma influência grande do Carnaval e de talvez ter fechado tarde a fronteira", disse. "Não estou dizendo que é o caso, mas ali começamos a desenhar a evolução da Covid no Brasil.">
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