Publicado em 26 de novembro de 2019 às 16:13
A análise de centenas de notas fiscais que integram a prestação de contas eleitorais dos 27 diretórios estaduais do PSL mostra que a campanha presidencial de Jair Bolsonaro em 2018 foi mais cara do que a declarada por ele à Justiça Eleitoral --além de ter sido financiada em parte por dinheiro público, o que ele sempre negou ter usado.>
Os documentos revelam que ao menos R$ 420 mil --parte dos quais, dinheiro público do fundo eleitoral-- foram usados para a confecção de 10,8 milhões de santinhos, adesivos, panfletos e outros materiais para a campanha de Bolsonaro, isoladamente ou em conjunto com outros candidatos do PSL.>
O número pode ser maior, já que em algumas situações as notas fiscais listam o material eleitoral produzido sem especificar quais candidatos foram beneficiados.>
Esses R$ 420 mil equivalem a 17% de tudo o que Bolsonaro declarou à Justiça como gasto de sua campanha, R$ 2,46 milhões.>
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Apesar de entregarem as notas fiscais à Justiça, os diretórios estaduais do PSL, nesses casos, não vincularam o gasto diretamente à campanha de Bolsonaro --nem o presidente declarou, em sua prestação de contas, o recebimento dos santinhos.>
O material deveria estar registrado na prestação de contas do presidente como doação recebida do respectivo PSL estadual, com o valor estimável em dinheiro, conforme determina a resolução 23.553/2017, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que disciplinou a prestação de contas dos candidatos e partidos na eleição de 2018.>
Ao proceder de forma diversa, o gasto eleitoral que beneficiou o presidente aparece na prestação de contas eleitoral apenas como gasto do PSL com determinada gráfica. E a campanha de Bolsonaro aparenta custo menor do que na realidade teve.>
Por ter sido eleito presidente em 2018, Bolsonaro já teve as contas de campanha analisadas pelo TSE, ainda em dezembro do ano passado. O tribunal as aprovou com ressalvas --houve determinação de devolução de R$ 8.200 ao erário devido a doações recebidas de fontes vedadas ou não identificadas.>
Essa análise não pode ser reaberta, o que não impede eventual verificação de pontos específicos.>
No sistema de prestações de contas eleitorais do TSE, não é possível identificar a exata fatia de dinheiro público embutida nesses R$ 420 mil, mas pelo menos os gastos dos diretórios de Minas Gerais --comandando à época pelo hoje ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio-- e do Paraná são totalmente oriundos do fundão eleitoral, que em 2018 destinou R$ 1,7 bilhão aos candidatos.>
Os outros diretórios que produziram material eleitoral para Bolsonaro sem vincular diretamente a ele --e sem que o presidente registrasse a doação recebida em sua própria prestação-- são Rio Grande do Norte, Amazonas e Rio de Janeiro.>
O Rio de Janeiro, reduto político dos Bolsonaros, foi o responsável pela maior fatia, R$ 356 mil.>
As notas fiscais mostram que três gráficas produziram para o PSL do Rio 9,8 milhões de santinhos, panfletos, adesivos e outros materiais que pediam votos conjuntamente para Bolsonaro, seu filho Flávio, eleito senador, e outros candidatos do PSL.>
A prestação de contas da campanha do presidente não registra o recebimento dessas doações --os únicos diretórios dos quais Bolsonaro declara ter recebido material de campanha foram os de São Paulo e da Bahia.>
Em São Paulo, a Gráfica Arte Visão Van Gogh cobrou R$ 10 mil para produzir 2.222 adesivos para a campanha de Bolsonaro e de seu filho Eduardo, candidato eleito à Câmara dos Deputados.>
Nesse caso, a campanha de Bolsonaro declarou ter recebido do diretório paulista do PSL doação estimada em R$ 5.000 relativa à produção de metade desses adesivos. A campanha de Eduardo Bolsonaro declarou ter recebido doação estimada em R$ 5.000 relativa à outra metade.>
A resolução de 2017 do TSE estabelece que cabe a quem arcou com o gasto comprovar a produção dos materiais, mas frisa que isso "não afasta a obrigatoriedade de serem registrados na prestação de contas dos doadores e na de seus beneficiários os valores das operações".>
Procurados, nem o Palácio do Planalto nem os cinco diretórios estaduais do PSL quiseram se manifestar. >
Jair Bolsonaro e o PSL entraram nos últimos meses em uma crise, alastrada na esteira das denúncias sobre o esquema revelado pelo jornal Folha de S.Paulo de candidaturas de laranjas nas eleições de 2018. >
Diante do racha com a ala ligada ao presidente nacional da sigla, o deputado federal Luciano Bivar (PE), Bolsonaro anunciou neste mês sua saída do PSL. Na última quinta-feira (21), o presidente oficializou a criação de um novo partido, batizado de Aliança pelo Brasil.>
A reportagem consultou três especialistas na área eleitoral e os Tribunais Regionais Eleitorais dos cinco estados citados neste texto, apresentando um caso hipotético similar ao do PSL.>
"A ausência de declaração dos valores recebidos como doação estimável em dinheiro consubstancia irregularidade grave. No que tange ao partido, também ele deveria ter declarado a realização da doação estimável em dinheiro", afirmou o advogado eleitoral Rafael Araripe Carneiros, o único que concordou em ter a sua posição publicada.>
"Irregularidade como essa pode impactar no julgamento das contas de campanha, podendo levar até a desaprovação das contas, com a exigência de devolução dos valores irregularmente recebidos", completou.>
Em relação aos TREs, só o de Minas Gerais respondeu às perguntas, afirmando, no caso hipotético, que os gastos efetuados por partidos em benefício de candidato constituem doações estimáveis em dinheiro e que "tanto o partido quanto o candidato devem registrar nas respectivas prestações de contas as doações estimáveis efetuadas e recebidas".>
Caso não o façam, "há omissão de doação realizada pelo partido aos candidatos e há omissão de doação estimada recebida pelos candidatos". Não houve resposta dos demais tribunais.>
Reportagens da Folha de S.Paulo mostraram, antes mesmo do resultado da eleição, que a campanha de Bolsonaro havia omitido uma série de informações na prestação de contas parcial que todos os candidatos têm que apresentar na primeira quinzena de setembro.>
Além da prestação das contas de seus gastos eleitorais, os partidos são obrigados anualmente a apresentar declarações de seus gastos ordinários, ou seja, aqueles não diretamente vinculados a disputas eleitorais.>
Nesse segundo caso, reportagem do site Vortex mostrou que o PSL bancou, sem declarar à Justiça Eleitoral como despesas de campanha, pelo menos R$ 915 mil de gastos com Bolsonaro na corrida presidencial.>
Esse dinheiro, de acordo com a reportagem, foi repassado a cinco empresas que relataram ter trabalhado para a campanha dele.>
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