Publicado em 6 de outubro de 2021 às 14:23
O blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), tratou uma funcionária do gabinete do ministro Ricardo Lewandowski como informante, mostram mensagens coletadas pela Polícia Federal.>
O material obtido por meio de quebra de sigilo telefônico consta de relatório da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da PF, ao qual a Folha de S.Paulo teve acesso. >
Allan é investigado em dois inquéritos no STF -um para apurar disseminação de fake news e outro para identificar quem financia essas ações e os atos antidemocráticos. >
O documento traz diálogos entre o blogueiro e Tatiana Garcia Bressan, 45. Ela estagiou no gabinete de Lewandowski de 19 de julho de 2017 a 20 de janeiro de 2019, antes da abertura dos inquéritos contra Allan, em março daquele ano. >
>
As conversas começaram em 23 de outubro de 2018 e vão até 31 de março de 2020. A bolsa paga pelo STF aos estagiários de direito no período era de R$ 1.207 por mês. >
Na primeira conversa, Tatiana entra em contato com Allan, demonstrando interesse em trabalhar na equipe da deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), e diz que está no gabinete de Lewandowski. >
Nos diálogos (transcritos pela Folha na reportagem de forma literal, incluindo eventuais erros de digitação e ortografia), a estagiária relata ter dificuldade em trabalhar com o ministro, mas diz que está "lá para aprender". >
A informação, segundo o relatório da PF, "naturalmente desperta o interesse de Allan", que pede a colaboração de Tatiana. >
"Fique como nossa informante lá", diz o blogueiro, cerca de duas horas depois do início da conversa. A estagiária responde prontamente: "Será uma honra. Estou lá kkk". >
Em seguida, Allan pergunta o que de mais espantoso Tatiana vê no gabinete. Ela então diz: "O que vi de mais espantoso é que realmente eles decidem o que querem e como querem. Algumas decisões são modificadas porque alguém importante liga pro ministro". >
Procurada pela Folha de S.Paulo, Tatiana afirmou por mensagem que nunca atuou como informante de Allan. Disse que apenas tinha ligação com o blogueiro pois ambos foram alunos do escritor Olavo de Carvalho. Allan não respondeu aos contatos da reportagem. >
Nos diálogos com Allan, a estagiária cita como exemplo a decisão do ministro Luiz Fux que proibiu a Folha de realizar uma entrevista com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que se encontrava preso, às vésperas da eleição de 2018. Ela diz que foi um "corre-corre danado". >
Fux reverteu uma liminar (decisão provisória) que havia sido concedida por Lewandowski. >
A estagiária afirma que "vê" que o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, "tem trânsito com quase todos os ministros". >
"Quando ele liga, o Lewandowski o atende prontamente. Dizem por lá q o pedido de suspensão de liminar feito pelo partido NOVO foi combinado a pedido do Fux e Toffoli. Vc sabe que o Villas Boas botou um general pra trabalhar junto com o Toffoli na presidência, né?", diz a estagiária, intercalando os dois assuntos. >
A estagiária também diz que a "piada" do dia anterior na corte era que "estavam todos esperando o soldado e o cabo para fechar o STF", em referência a uma fala do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em julho de 2018, em resposta sobre uma possível ação do Exército se o presidente Jair Bolsonaro fosse impedido de assumir o posto por alguma decisão do Supremo. >
"Difícil ouvir rsrs", diz a estagiária, ao que Allan indaga: "Acha que isso tem mudado lá dentro?". E ela responde: "Sim. Todos atentos: 'Agora temos um general na presidência'! kkk Inclusive Toffoli [ministro Dias Toffoli, então presidente do STF] nem fala mais em ditadura de 64. Fala em 'movimento de 64'". >
Tatiana acrescenta que Lewandowski estava viajando e chegava naquela data, e o blogueiro reage: "Vixe. Medo. kkkk". A estagiária diz: "Quando vc vier aqui em BSB me liga por favor! Pra gente se ver, ir almoçar!". >
A estagiária afirma ainda que Lewandowski iria soltar Lula. >
"Tem uma coisa Allan, mas acho q vc ja sabe... tenho pra mim q quem soltará o Lula será o Lewandowski porque com a última decisão nos autos da reclamação q a defesa ajuizou em nome do próprio lula, pedindo q ele pudesse conceder entrevista p/ quem quisesse)..... como esse decisão foi a primeira envolvendo a execução da pena do lula, tornou o Lewa prevento para futuras decisões envolvendo a execução da pena dele", escreve. >
Na verdade, o ex-presidente Lula acabou solto apenas em novembro de 2019, quando o plenário STF proibiu a prisão imediatamente após a condenação em segunda instância. >
A estagiária diz a Allan, nas primeiras conversas, que tem uma página em uma rede social em que usa outro nome (@visittabb), após ter sido proibida por seu chefe no STF de fazer postagens. No perfil, há diversas publicações em favor de Bolsonaro e ataques contra a corte e ministros. >
"Não estou atuando no meu perfil do twitter pq meu chefe disse que não posso falar de política a não ser estando fora do STF, então estou nesse perfil aqui - @visittabb lá no twitter pq não aguento! Kkkkk", diz. >
No dia 17 de novembro de 2019, quando já não era mais estagiária, Tatiana divulga no perfil uma foto de protesto em favor de Bolsonaro, e acrescenta: "FORAAAAAA GILMAR", em referência ao ministro Gilmar Mendes. >
O perfil já havia publicado diversas postagens convocando para o ato, que teria uma pauta única: "impeachment de Gilmar Mendes". >
No dia 1º de dezembro de 2019, Tatiana volta a fazer contato com Allan e diz que uma assessora de Lewandowski estava inaugurando um instituto jurídico. >
Acrescenta que ela foi assessora especial no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). "O intuito? Eu não faço ideia", completa. Ao que Allan dos Santos responde: "Ficarei de olho". E completa: "Vamos marcar algo com a trupe toda junta". "kkk vamos sim!", responde Tatiana. >
Em uma postagem referente aos protestos do 7 de Setembro deste ano, o perfil republicou uma foto de um homem segurando um cartaz em inglês com os dizeres: "Os verdadeiros ditadores estão no Supremo Tribunal Federal". >
Alguns dias antes, outra postagem critica o STF o descreve como "O único tribunal do mundo que entende de: medicina, economia, vacina, eleições, etc... Só não entende de justiça". >
À Folha Tatiana, além de negar ter sido informante de Allan, disse que entrou em contato o blogueiro porque queria um emprego -com a deputada federal Bia Kicis. A estagiária afirmou que não foi contratada. Procurada, a assessoria do gabinete da deputada Bia Kicis afirmou não conhecer Tatiana. >
"Eu era estagiária e não tinha acesso a relatórios finais de decisões, mas a gente houve [sic] coisas nos bastidores e não sei como falei com ele pq [sic] não tenho o print [das conversas]", disse, por mensagem. >
"Se falei coisas foram coisas q [sic] vi acontecendo no âmbito geral do STF pq [sic] eu era só uma estagiária", afirmou. Ela não comentou as postagens no perfil alternativo. >
A Folha enviou questionamentos a Allan dos Santos, por meio de sua secretária. Não houve resposta até a publicação desta reportagem. >
Fundador do Terça Livre, site investigado por disseminar fake news, o blogueiro ganhou notoriedade durante as eleições presidenciais de 2018 por apoiar o então candidato Jair Bolsonaro, com acesso a integrantes da campanha e à família do atual presidente. >
Um dos motivos que levaram Allan a ser investigado pelo STF foram os seus ataques recorrentes à corte. O blogueiro participou de protestos com bandeiras antidemocráticas em Brasília e chegou a defender o uso das Forças Armadas contra os ministros. >
Allan deixou o país em julho do ano passado para viver nos Estados Unidos, após oferta de ajuda do deputado federal Eduardo Bolsonaro, como mostrou a Folha na sexta-feira (1º). >
Em nota, o gabinete do ministro Lewandowski afirmou que todas as decisões proferidas por ele "têm fundamentação constitucional e a eventual modificação delas ocorre por meio de recursos cabíveis, apresentados nos autos e julgados individual ou coletivamente (plenário ou turmas)". >
"Como de praxe no STF, o ministro Lewandowski atende os telefonemas institucionais, principalmente vindos de autoridades da República. Na época mencionada, o general Villas Bôas era comandante do Exército Brasileiro", disse o gabinete. >
Além disso, afirmou que Tatiana estagiou no gabinete entre 19 de julho de 2017 e 20 de janeiro de 2019, quando requereu o seu desligamento. >
A seleção de estagiários para o STF, segundo a nota, "ocorre sob supervisão da Secretaria de Recursos Humanos do Tribunal, por meio de oferta de vagas na plataforma do CIEE". >
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta