Autor(a) Convidado(a)
É jornalista e escritora

Violência doméstica infantil deixa feridas abertas na sociedade

Em todo o país, o primeiro semestre de 2022 registrou um aumento de 125% nos casos de violações dos direitos das crianças em relação ao primeiro semestre do ano anterior

  • Isa Colli É jornalista e escritora
Publicado em 29/09/2022 às 10h00

Estes dias ando focada em pesquisas para um novo livro infantil que vai abordar a violência contra crianças. O desafio é buscar uma linguagem lúdica para falar aos pequenos de um tema tão pesado e doloroso. O difícil é chamar a atenção de quem está sendo vítima. Muitas vezes essas crianças não percebem que a pessoa que está mais próxima é o seu algoz. E é para esse público que eu vou escrever: aos que têm feridas abertas, que sofrem assédio, maus-tratos ou qualquer tipo de violência que rouba a chance de viver uma infância com pureza e alegria. Para além da covardia, a violência contra crianças é crime.

Este ano foi sancionada a Lei 14.344/22, que estabelece medidas protetivas específicas para crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica e familiar e considera crime hediondo o assassinato de menores de 14 anos. Enquanto ainda tramitava no Congresso Nacional, o texto foi batizado de Lei Henry Borel, em referência ao menino de 4 anos morto em 2021 por hemorragia interna após espancamentos no apartamento em que morava com a mãe, Monique Medeiros, e o padrasto, o ex-vereador Dr. Jairinho, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. O laudo identificou 23 lesões pelo corpo do menino. Segundo a polícia, Jairinho torturava o garoto, e a mãe sabia. Os dois estão presos.

A violência cotidiana que levou à morte de Henry, infelizmente, faz parte da realidade de muitas crianças e adolescentes no Brasil. Alguns casos chegam à fatalidade, outros não. Muitas vezes, pessoas que convivem com as vítimas percebem o assédio, mas se calam, ou por medo, ou por achar que não devem se meter na vida familiar alheia. Denunciar é uma decisão difícil, mas é um ato de coragem que pode ajudar a salvar vidas.

Em todo o país, o primeiro semestre de 2022 registrou um aumento de 125% nos casos de violações dos direitos das crianças em relação ao primeiro semestre do ano anterior, de acordo com o Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH). Foram computadas 98.035 violações em 2021, contra 221.079 neste ano, de acordo com a plataforma federal.

Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, também divulgado recentemente, após o estupro, maus-tratos é o tipo de crime contra crianças e adolescentes com maior número de registros em boletins de ocorrência. O estudo traçou um perfil dessas vítimas e alguns dados impressionam: o crime tem o seu pico entre crianças de 6 anos; 62% dos crimes acontecem entre crianças de 0 a 9 anos; nas idades entre 0 e 9 anos, a maior parte das vítimas são meninos; já entre 10 e 17 anos, a situação se inverte, e as meninas sofrem mais com esse tipo de violência; 81% dos crimes aconteceram nas casas das vítimas.

Segundo especialistas, esse cenário de violência tem sido reforçado pelo aumento da extrema pobreza no país, agravado pela pandemia da Covid-19. A volta ao convívio social e à escola após longo período de confinamento também pode ter colaborado para que as vítimas encontrassem amparo de profissionais da educação, amigos ou outros familiares para denunciar agressões, fazendo com que mais casos fossem notificados pelos órgãos responsáveis.

Não há outro caminho possível: é preciso romper com a situação de violência denunciando o agressor, por mais penoso que seja para o denunciante. Só assim será possível proteger a vítima.

Mesmo quem não está diretamente ligado ao ambiente que gera o assédio, deve comunicar às autoridades competentes ao perceber que uma criança está sofrendo violência, maus-tratos ou omissão de algum tipo. Há canais de denúncia anônimos, como o Disque 100, que é gratuito, ou órgãos especializados, como Conselho Tutelar, Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente e Delegacia de Defesa da Criança e do Adolescente. Estar atento a este problema é dever de todos nós.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Educação Henry Borel Violência Crianças Infância

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.