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Quarentena vale mesmo a pena? E até quando deve durar?

A única forma de retomar atividade econômica é assumindo que alguns parâmetros são necessários para evitar novas ondas que ceifem as vidas de capixabas e estressem o sistema de saúde

  • Lauro Ferreira Pinto
Publicado em 23/04/2020 às 09h00
Atualizado em 23/04/2020 às 09h01
Vitória - ES - Coronavírus - Pedestre passa pela avenida Jerônimo Monteiro, Centro.
 Pedestre com máscara passa pela avenida Jerônimo Monteiro, Centro de Vitória. Crédito: Vitor Jubini

Uma crise econômica sem precedentes no horizonte próximo, o barril de petróleo a preço negativo (é mais barato entregar que estocar) e empresas se desmanchando constituem cenário natural para que as pessoas se perguntem se tanto esforço vale a pena, se não há exagero (apocalipse, no dizer de alguns) dos médicos, se o remédio (isolar) não vai matar mais que a doença.

O homem é gregário por natureza, as civilizações se formaram com interação e convívio social. Depois de algumas semanas de isolamento as pessoas se exasperam, têm dificuldade de manter o equilíbrio psíquico e transparece a enorme dificuldade de se manter a disciplina de distanciamento necessária.

Exceto nas cidades onde se atingiu a sobrecarga dos serviços de saúde, na maioria dos lugares onde a curva de transmissão foi achatada pelo isolamento social, não se veem mortes em profusão, que pareçam justificar, ao olhar comum, tanto esforço. Como o pico da doença não vem, muitos se perguntam se ele de fato virá ou se não é uma miragem... Nossa geração nunca viveu uma situação como essa. Somente os centenários que já tinham idade bastante para entender o que viveram na gripe espanhola em 1918 podiam nos dar algum relato que se assemelhasse aos tempos que hoje vivemos.

Entendo e defendo que existe uma falsa dicotomia entre economia ou saúde, abrir ou isolar. A Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, tem a humanidade inteira como suscetível. A melhor estimativa de mortalidade aponta para 1,38% dos casos sintomáticos e 0,66% de todos os casos. Caso 70% da população do Espírito Santo fosse infectada até o fim do inverno, estaríamos com uma projeção de 12 mil a 24 mil mortes. Alguém em sã consciência consegue imaginar as pessoas levando vida normal e consumindo, fazendo a economia girar, em um cenário desses?

Algumas pessoas dizem que mortes são inevitáveis e vão ocorrer... suponhamos que algumas pessoas achem possível levar a vida normal assim, como poderíamos lidar com o inevitável caos do sistema de saúde? Sim, porque estima-se que 2-4% das pessoas infectadas (ou 20% dos sintomáticos) necessitem hospitalização. Novamente, se 70% dos capixabas se infectarem rapidamente, uma conta simples mostra necessidade de 50 mil a 100 mil leitos. Como estes não existem, as pessoas morrerão nas ruas, nas casas, em vários lugares, porque o sistema estará sobrecarregado. Morrerão da doença e de falta de assistência. Morrerão sufocados, sem oxigênio, sem assistência. Novamente, alguém na posse plena de suas faculdades mentais consegue imaginar vida normal, shopping, cinema, escola, teatro, com esse cenário?

A VIDA MUDOU COM  A PANDEMIA

Entendo que o isolamento social não pode perdurar indefinidamente, e que a economia deve girar. Mas é essencial que todos entendam que a VIDA MUDOU! As condições não são as mesmas de antes do isolamento.

Entendo que a ÚNICA forma de retomar atividade econômica é assumindo que alguns parâmetros são necessários para evitar novas ondas que ceifem as vidas de capixabas e estressem o sistema de saúde, pelo menos enquanto não houver uma vacina e medicamentos eficazes que funcionem fora do crivo de disputa das redes sociais, mas de acordo com a boa ciência:

Primeiro, é necessário que os casos de Covid-19 estejam em franco declínio com testagem atual mostrando que transmissão foi reduzida. Segundo, é essencial adaptar-se ao novo “normal” com distanciamento de 1-2 metros entre todos e rigorosa higiene pessoal, com uso de máscaras caseiras. Terceiro, é necessário testagem ativa para identificar os quadros gripais respiratórios causados pelo novo coronavírus, isolar e colocar em quarentena imediata todos os contatos, bloqueando novos focos de transmissão.

Quarto, é essencial garantir leitos e respiradores em quantidade para tratamento de eventuais surtos localizados que possam surgir, dependendo da aderência às medidas de contenção. Quinto, é necessário garantir estoques de máscaras e equipamentos de proteção individual para os profissionais de saúde, que vêm se expondo e adoecendo na linha de frente.

Nesta pandemia, a atuação dos profissionais da saúde tem sido decisiva para que muitos dos pacientes internados pudessem retornar ao convívio de suas famílias. Todos têm honrado exemplarmente a profissão que abraçaram, exercendo-a nesta crise, em condições de estresse nunca vividas. Aqueles que propõem “liberdade” e afrouxamento geral no enfrentamento da pandemia deveriam ter a coragem de aceitar férias coletivas para os profissionais de saúde, muitos no limite da exaustão, e entregar as pessoas infectadas à própria sorte. Estaríamos de volta à idade da pedra...

O autor é professor da Emescam e doutor em Doenças Infecciosas (Ufes)

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