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É advogada e presidente da OAB de Cariacica

Limitar acesso de advogados a presídios é limitar o direito de defesa do cidadão

Cercear nossa atuação significa cercear o direito de todos os cidadãos, retirando-nos a função constitucional de fiscalização e defesa dos direitos humanos

  • Kelly Andrade É advogada e presidente da OAB de Cariacica
Publicado em 21/10/2023 às 10h00

Uma portaria em vigor da Secretaria Estadual de Justiça (Sejus), que administra os presídios do Espírito Santo, limita o atendimento jurídico dos advogados a detentos somente a dias úteis, no período das 7h às 20h. A medida é um claro ataque à nossa honra e dignidade profissional. Cercear nossa atuação significa cercear o direito de todos os cidadãos, retirando-nos a função constitucional de fiscalização e defesa dos direitos humanos, essencial ao Sistema de Freios e Contrapesos.

A portaria, de maio deste ano, viola as prerrogativas profissionais dos advogados, mas, afinal, o que são essas prerrogativas?

O advogado exerce um papel de serviço público e de função social ao atuar na defesa do cidadão. As prerrogativas profissionais dos advogados são garantias de que estes, enquanto representantes de legítimos interesses de seus clientes, poderão atuar na defesa de quem lhes confiou a representação, com a autonomia e independência necessárias, e em situação de igualdade do advogado perante às autoridades, que representa a força coercitiva do Estado. Sem direitos e garantias especiais para defender seus clientes, não haveria um mínimo equilíbrio de forças.

A Lei da Advocacia determina que são direitos do advogado “comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares”. Assim, o advogado pode atender seus clientes no presídio em qualquer horário, mesmo fora do “expediente”.

A portaria, portanto, fere de morte uma lei federal. Em Mato Grosso, uma portaria que também limitava o trabalho dos advogados, foi considerada ilegal em uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ela estabelecia, por exemplo, que a entrevista entre o detento e o advogado devia ser feita com prévio agendamento. Na decisão, a ministra Eliana Calmon sustentou que “a lei assegura o direito do preso de entrevista pessoal com o advogado (art.41, IX, da Lei 7.210/84)” e destacou que “qualquer tipo de restrição a esses direitos somente pode ser estabelecido por lei”.

Até mesmo nos ásperos tempos da ditadura militar, o STF, ao julgar um habeas corpus registrou que “o acesso do advogado ao preso é consubstancial à ampla defesa garantida na Constituição, não podendo sofrer restrição outra que aquela imposta, razoavelmente, por disposição expressa de lei.”

Na contramão desse direito, além de limitar dia e horário, a portaria restabelecida determina que defensores que não têm uma procuração do cliente poderão realizar apenas três visitas por preso. Portanto, a portaria mitiga e limita o exercício da advocacia, que por força de lei, é pleno.

Não bastasse isso, a medida da Sejus também coloca toda a classe de advogados sob suspeita. Cabe ao Estado, sim, investigar e punir os profissionais que estão praticando crimes no exercício de suas funções, mas não se pode generalizar. A portaria em questão não só insinua a criminalização da advocacia, ela o faz!

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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