Autor(a) Convidado(a)

Acordo suprapartidário: Lula ainda quer ser o dono da bola

Os 70% que avaliam mal o governo Bolsonaro não têm agenda unificada e congregam diversas vertentes ideológicas.  Pela postura de Lula, parece não estão dispostos a abrir mão daquilo que os separa em prol daquilo que os uniria

  • Rodrigo Augusto Prando
Publicado em 04/06/2020 às 10h00
Atualizado em 04/06/2020 às 10h00
Ex-presidente Lula durante entrevista, em abril de 2020
Ex-presidente Lula durante entrevista, em abril de 2020. Crédito: Ricardo Stuckert

Nos últimos dias, manifestos suprapartidários ganharam as páginas de jornais e das redes sociais. Tais manifestos, em sua essência, buscam contrapor-se ao governo de Jair Bolsonaro, especialmente em defesa das instituições e do constante ataque à democracia por parte do bolsonarismo. Lula, contudo, não aceitou participar e fez críticas às iniciativas.

O líder petista afirmou que leu os textos e que têm "pouca coisa do interesse da classe trabalhadora" e, ainda, que "não se fala em classe trabalhadora e nos direitos perdidos". E arremata: "Eu não tenho mais idade para ser Maria vai com as outras. O PT já tem história neste país, já tem administração exemplar neste país. Eu, sinceramente, não tenho condições de assinar determinados documentos com determinadas pessoas".

Ainda segundo Lula, que se recusa a conversar e agir junto a outros ex-presidentes, Fernando Henrique Cardoso e  Michel Temer não são democratas. Um dos manifestos, o #JUNTOS, afirma: "Somos a maioria e exigimos que nossos representantes e lideranças políticas exerçam com afinco e dignidade seu papel diante da devastadora crise sanitária, política e econômica que atravessa o país" (www.movimentoestamosjuntos.org).

Entre vários signatários, destaco apenas alguns nomes: André Singer, Boris Fausto, Caetano Veloso, Celso Lafer, Cristovam Buarque, Dom Odílio Sherer, Fernando Haddad, Fernando Henrique Cardoso, Flávio Dino, Lobão, Luciano Huck, Luiza Erundina, Manuela d'Ávila e Marcelo Freixo, entre outros. Nesses nomes, percebe-se a pluralidade ideológica, mas, mesmo assim, não são nomes que, na ótica de Lula, merecem estar junto ao dele.

Lula - e parte do PT - buscam agir hegemonicamente, seja sobre a esquerda, seja sobre os demais partidos. Em seu livro "Miséria da política: crônicas do lulopetismo e outros escritos", Fernando Henrique Cardoso assevera que o "[...] PT tem vocação de hegemonia. Não vê a política como um jogo de diversidade no qual as maiorias se compõem para fins específicos, mas sem a pretensão de absorver a vida política nacional sob um comando centralizado" (p. 188).

Quando, corretamente, à luz dos números apresenta-se que, nas pesquisas, há 70% que consideram o governo Bolsonaro regular, ruim ou péssimo e apenas 30% que o consideram bom e ótimo, deixa-se de entender algo assaz importante que é a unidade. Os 30% de bolsonaristas, até o momento, mostram-se coesos e resilientes, dispostos, ao que parece, a seguir com o presidente por qualquer caminho que ele escolha. Já os 70% congregam colorações político-partidárias e ideológicas à esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita, direta e até liberais e conservadores fora dos partidos que se distanciam das teses bolsonaristas.

E, nos 70%, a agenda ainda não foi unificada e nem uma visão estratégica estabelecida. Será que tucanos (FHC, em particular) que foram, segundo a narrativa petista, atacados por deixarem ao país uma "herança maldita"; será que Marina Silva, duramente atacada em 2014 pela campanha de Dilma; será que Ciro Gomes, isolado por Lula em 2108, será que esses atores estariam dispostos a abrir mão daquilo que os separa em prol daquilo que os uniria numa disputa com Bolsonaro?

Pela própria postura de Lula, creio ser muito difícil e, com isso, a água continua rumando para o moinho bolsonarista. Interesses políticos pessoais e partidários - legítimos, vale ressaltar - cederiam espaço para uma tão propalada "frente ampla" como se deu, historicamente, durante a campanha pelas "Diretas Já"? A movimentação e uma reação mais contundente ao governo nas ruas e nas redes parece ter se iniciado, ainda que os atores políticos institucionais (deputados e senadores, principalmente) estejam distantes.

O governo Lula e o PT trouxeram avanços à sociedade brasileira: diminuição da miséria, aumento da classe média, do consumo de várias camadas sociais; mas, também, são responsáveis pelo mensalão e pelo desastre do governo Dilma. Governos, todos, independente de qual partido ou coalizão, devem ser avaliados pelo seus resultados, reconhecendo acertos e erros. Lula, até aqui, assume a lógica do dono da bola. Vai para o jogo, quer escolher os times e, se o placar não lhe é favorável, leva a bola para casa.

A Gazeta integra o

Saiba mais

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.