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É advogado e doutor em Direito

A Terceira Ponte e um velho problema no Código de Trânsito Brasileiro

​A “nova Terceira Ponte” nos traz um debate tão necessário quanto urgente, pois há 26 anos o tema dos “corredores de motos” necessita de um tratamento legal, jurisprudencial e doutrinário mais adequado no Brasil

  • Luiz Henrique Antunes Alochio É advogado e doutor em Direito
Publicado em 28/09/2023 às 17h43

​Há pouco tempo, a Ponte Deputado Darcy Castello de Mendonça, popularmente conhecida como Terceira Ponte, que liga Vitória e Vila Velha, tinha duas faixas de rolamento, que, recentemente, foram transformadas em três pistas.

Como diz um antigo chiste para quando alguém quer fazer caber algo maior do que o espaço disponível, “botaram o Rio de Janeiro dentro de Cachoeiro de Itapemirim”.

​Brincadeiras à parte, o certo é que a largura de cada pista de tráfego foi estreitada. A largura “desejável” de uma faixa de trânsito é algo em torno de 3,5 metros. A nova composição da Terceira Ponte tem uma das faixas com 3,10 metros (destinada a ônibus, motos, viaturas e ambulâncias) e as duas outras com 2,80 metros de largura.

A dúvida é: c​om faixas tão estreitas, como ficam os “corredores” para passagem de motos entre os carros? Sim, os “corredores”, essa mania de motocicletas trafegando entre os automóveis.

Essa questão merece até uma volta no tempo, para uma compreensão do que, na ciência do Direito, significa “ter um direito” ou “ter um privilégio legal”.

​A redação original aprovada no Congresso Nacional para o Projeto de Lei que originou o Código de Trânsito Brasileiro continha um artigo 56 que previa expressamente: “É proibida ao condutor de motocicletas, motonetas e ciclomotores a passagem entre veículos de filas adjacentes ou entre a calçada e veículos de fila adjacente a ela."

Esse artigo recebeu veto total do presidente da República na época, justificando que, com essa proibição, a lei estaria restringindo a utilização desses tipos de veículos. O veto foi, possivelmente, para agradar a uma indústria que perderia muito, se o trânsito fosse mais rígido para motos.

Em 2020, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei 3264/2019, que, no processo legislativo, recebeu uma proposta de emenda que inseria um art. 56-A, aprovado com uma redação que, de fato, tinha natureza efetivamente regulamentadora de um privilégio legal. Trazia regras razoavelmente seguras ou, pelo menos, mais seguras que o verdadeiro vácuo normativo que hoje vemos no Brasil. ​Ocorre que o artigo 56-A também foi objeto de veto.

Nova configuração de pistas da Terceira Ponte
Pistas na Terceira Ponte. Crédito: Vitor Jubini

​Mais uma vez um erro. Confundem um vácuo regulador com “liberdade” de exercer um “direito”, quando se está diante de um “privilégio legal”. Como privilégio, sem regulação efetiva, não cabe ser exercido.

​A pergunta que não quer calar e que ninguém fez nesses 26 anos de Código de Trânsito: qual é o efeito prático daquele veto inicial ao Código de Trânsito? Juridicamente, nenhum. O fato de não existir uma proibição expressa não significa que haja uma permissão. Pilotar um veículo não é um direito. Logo, não se aplica o velho ditado: “O que não é proibido é permitido”.

​Dirigir um veículo, tecnicamente, é um dos chamados “privilégios legais”. Um “privilégio” é aquilo que só posso fazer “autorizado” e “nos limites das regras de permissão legal”. Não existir uma “proibição expressa” não significa que exista uma “permissão expressa”. E, como “privilégio”, meus limites de permissão não poderiam ser estendidos ou ficticiamente interpretados. Caso contrário, teríamos os chamados “privilégios odiosos”, com a extensão até o infinito de privilégios para certas categorias.

​A “nova Terceira Ponte” nos traz, portanto, um debate tão necessário quanto urgente, pois há 26 anos esse tema dos “corredores de motos” necessita de um tratamento legal, jurisprudencial e doutrinário mais adequado no Brasil.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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