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É sociólogo, especialista em policiamento e pesquisador da greve de 2017

A greve da PM de 2017 ainda não acabou

Enquanto os parafusos da valorização profissional não forem apertados, conjugados com o controle civil e político das polícias, todos os anos viveremos, senão uma greve, o seu uso como ameaça para lucrar com o medo

  • Herbert Bachett É sociólogo, especialista em policiamento e pesquisador da greve de 2017
Publicado em 17/12/2021 às 02h02

Não é de hoje que a segurança pública é tema central e crucial na política e no cotidiano capixaba. Em um olhar sobre a história recente, é nítido que a crise no setor se tornou um empreendedorismo político que gera lucros recorrentes a atores específicos: às autoridades políticas – governadores, senadores, deputados, vereadores e afins –, que apresentam e se utilizam de soluções parcas e pouco duradouras para prover dividendos políticos próprios; assim como os líderes de setores dos profissionais da área, que mobilizam e se utilizam das crises para abrir janelas de oportunidade, aferindo lucros que, salvo raras exceções, servem muito mais para alavancar interesses privatistas, corporativistas e carreiras eleitoreiras do que, realmente, superar os problemas crônicos do setor.

Lembremos que Paulo Hartung foi eleito governador, ainda no início do século, prometendo uma nova era para a governança da segurança do Estado – projeto que encontrou ressonância e apoio até mesmo entre especialistas de renome. Ironicamente, se na época a crise na segurança deu fôlego e força para Hartung em 2002, um novo ciclo de crise – com os mesmos problemas crônicos – decretou o fim de sua segunda passagem no governo, dessa vez em primeiro mandato.

A famosa “greve da polícia” de 2017 representou um novo paradigma na segurança pública do Estado. A crise atual repete os mesmos sintomas e efeitos das passadas: por um lado, pela pauperização crônica dos profissionais das instituições policiais (ambas), principalmente os praças, cabos e soldados; e por outro, pelo descontrole histórico político-institucional de seus quadros, especialmente do próprio governador e seu governo, comandante geral da corporação.

A inabilidade negociada acabou permitindo a dominação corporativista sobre os agentes, recursos e estruturas policiais, o que no fim significa uma polícia que, na melhor das hipóteses, se autogoverna – não porque quer, mas porque o “rojão” político é pesado demais para segurar, principalmente no contexto atual. Quem sofre as consequências é a população, que tem sua segurança transformada em mercadoria política, manipulada e disputada.

Com Renato Casagrande, ex-aliado de Hartung, não é diferente. Em sua segunda passagem pelo Palácio Anchieta, sua verdadeira posse se deu quando sancionou a anistia geral dos “grevistas”. Antes disso, não tinha, realmente, o governo do Estado na mão, porque quem não governa os seus meios de força, no caso as polícias, não governa nada – uma jogada cômoda, afinal, não faria muito sentido comprar a briga que queimou Hartung e lhe abriu espaço amplo na disputa de 2018, tendo que lidar com a ingovernabilidade sem ainda nem mesmo governar.

Teve que “se acertar” com os interesses que realmente governam a Polícia Militar, e o fará até o fim de seu governo se quiser o mínimo de governabilidade. E assim será com o próximo, e o próximo, enquanto não se apertar os parafusos e se mexer os pauzinhos da valorização profissional conjugado com o controle civil e político das polícias – que para tal não é necessária a desmilitarização, “ciclo completo”, ou outra solução grandiosa: os mecanismos existem, falta política. Até lá, todos os anos viveremos, senão uma greve, o seu uso como ameaça para lucrar com o medo e a vida do capixaba.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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