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É mestre em Economia pela Ufes e diretor de Administração e Finanças do Bandes

A desindustrialização do Brasil e a necessidade de uma política industrial

Política industrial dificilmente mostrará resultados promissores se não for coordenada com a política macroeconômica, sobretudo se esta se guiar por instrumentos recorrentes que mantêm as taxas de juros reais elevadas e a moeda sobrevalorizada

  • Sávio Bertochi Caçador É mestre em Economia pela Ufes e diretor de Administração e Finanças do Bandes
Publicado em 26/12/2022 às 14h00

A indústria, compreendida aqui como atividade econômica que surgiu na 1ª Revolução Industrial, no fim do século XVIII e início do século XIX, na Inglaterra, tem por finalidade transformar matéria-prima em produtos comercializáveis, empregando basicamente trabalho, máquinas e energia.

Tanto do ponto de vista histórico como do ponto de vista do desenvolvimento econômico, a indústria é elemento fundamental para qualquer nação: não existe país desenvolvido que não tenha uma indústria forte! Como disse certa vez o grande economista húngaro e professor da Universidade de Cambridge, Nicholas Kaldor, “talvez não seja suficientemente compreendido que o tipo de crescimento econômico que envolve o uso de tecnologia moderna e que resulta em alto nível de renda per capita é inconcebível sem o desenvolvimento de uma moderna indústria manufatureira”.

No Brasil, a sua industrialização começou tardiamente nos anos 1930. Apesar de haver algumas iniciativas isoladas anteriormente, foi entre as décadas de 1930 e 1960 que ocorreu forte avanço do setor industrial no país. Esse avanço teve determinadas características que permitiram chamá-lo de industrialização por substituição de importações, cuja principal característica foi uma industrialização fechada (produção para mercado interno e dependente de medidas protecionistas), que respondia a desequilíbrios externos (que provocavam crises cambiais) e foi realizada por partes (a pauta de importações ditava a sequência dos setores objeto dos investimentos industriais).

As estatísticas mostram que a indústria brasileira começou a perder força a partir dos anos 1980 num processo conhecido por desindustrialização. Os estudiosos sobre o assunto conceituam desindustrialização como sendo uma situação na qual tanto o emprego industrial como o valor adicionado da indústria se reduzem como proporção do emprego total e do PIB, respectivamente. Em 1985 a indústria de transformação representava 25% do PIB nacional, desde então foi perdendo substância e em 2020 chegou a 11% do PIB, patamar inferior aos 13,5% registrados em 1947 quando o IBGE iniciou a apuração das Contas Nacionais.

Trabalhador
Crédito: Pixabay

A desindustrialização é um processo que ocorre “naturalmente” em muitas economias desenvolvidas conforme suas populações enriquecem e começam a gastar mais em serviços do que bens de consumo, os quais já adquiriram. Além disso, como a produtividade do trabalho cresce mais rapidamente na indústria do que nos serviços, a participação do emprego industrial tende a iniciar seu processo de declínio antes da queda da participação da indústria no valor adicionado.

Os fatores externos que induzem a desindustrialização estão relacionados ao grau de integração comercial e produtiva das economias, ou seja, com o estágio alcançado pelo assim clamado processo de "globalização". Nesse contexto, os diferentes países podem se especializar na produção de manufaturados (o caso da China e da Alemanha) ou na produção de serviços (Estados Unidos e Reino Unido).

O principal problema da desindustrialização é a consequência que ela traz para o desenvolvimento econômico dos países. Muitos economistas argumentam que a indústria é o motor do crescimento de longo prazo das economias capitalistas, uma vez que: (i) os efeitos de encadeamento para a frente e para trás na cadeia produtiva são mais fortes na indústria do que nos demais setores da economia; (ii) a indústria é caracterizada pela presença de economias estáticas e dinâmicas de escala, de tal forma que a produtividade na indústria é uma função crescente da produção industrial; (iii) a maior parte da mudança tecnológica ocorre na indústria e boa parte do progresso tecnológico que ocorre no resto da economia é difundido a partir do setor manufatureiro; (iv) o valor das importações de manufaturas é maior do que o valor das importações de commodities e produtos primários, logo, a industrialização é tida como necessária para aliviar a restrição de balanço de pagamentos ao crescimento de longo prazo.

Nesse contexto, a desindustrialização é um fenômeno que tem impacto negativo sobre o potencial de crescimento de longo prazo, pois reduz a geração de retornos crescentes, diminui o ritmo de progresso técnico e aumenta a restrição externa ao crescimento.

Para conter a desindustrialização o Brasil precisa de uma política industrial (entendia como um conjunto de ações que envolve setor público e setor privado para formar uma visão estratégica para o crescimento do setor industrial de um país) assertiva e efetiva que possua os seguintes objetivos: (i) reindustrialização; (ii) promoção da inovação e criação de vantagens comparativas dinâmicas; (iii) geração de empregos qualificados e formalização do trabalho; (iv) redução das desigualdades sociais e regionais; (v) modernização produtiva via incorporação de tecnologias digitais; (vi) substituição de tecnologias poluidoras por tecnologias mais sustentáveis e de baixa emissão de CO2. Além disso, cada um desses objetivos deve possuir indicadores, metas e prazos para cumprimento.

Para ser bem-sucedida, a política industrial deve ser concebida de forma articulada com as demais políticas públicas. Vale, porém, uma advertência: a política industrial dificilmente mostrará resultados promissores se não for coordenada com a política macroeconômica, sobretudo se esta se guiar por instrumentos recorrentes que mantêm as taxas de juros reais elevadas e a moeda sobrevalorizada por longos períodos de tempo.

Uma indústria forte é condição relevante para o Brasil retomar sua trajetória de desenvolvimento sustentável, gerando renda e criando empregos de qualidade. Para isso se faz necessário uma política industrial clara, coerente, contínua e com metas a serem atingidas.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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