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Autocuidado: afinal, você sabe cuidar de si mesma?

Autocuidado: afinal, você sabe cuidar de si mesma?

O conceito virou tendência. Mas não se engane: vivemos numa falsa Era de Autocuidado, resumido a apenas um ritual de skincare. Entenda o que significa realmente esse hábito tão importante

Publicado em 6 de março de 2020 às 17:30

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Data: 03/03/2020 - ES - Vitória - Karin Rossi, médica, ela gosta de fazer exercícios e passear com os cachorros - Editoria: Revista AG - Foto: Ricardo Medeiros - GZ. (Ricardo Medeiros)

Nunca se falou tanto em autocuidado. No Instagram, só com hashtag selfcare são mais de 24 milhões de postagens. Gente mostrando a cor do esmalte da semana, fazendo limpeza facial, usando uma máscara de argila... E basicamente para por aí. Só que cuidar de si vai muito além disso.

O que estamos vivendo, na verdade, é uma falsa Era do Autocuidado, uma onda que tem feito com que muitas mulheres resumam aquele tempinho que têm exclusivamente para elas mesmas a um único e simples ritual de beleza. Às vezes, nem isso.

Sim, porque no restante do dia não há mais espaço para nada. É muita demanda, muita coisa para se atualizar, trocentas mensagens de WhatsApp pra responder. Uma correria danada e, depois, uma sensação esquisita de que está sempre um passo atrás.

Bem-estar

Enquanto ela quer cuidar de tudo e de todos, vai deixando de olhar para ela mesma, de prestar atenção nas suas verdadeiras necessidades; e acaba descuidando de seu bem-estar físico e emocional. Está sempre exausta.

“Essa é uma condição que as mulheres têm se imposto. Elas deixaram de ser só mulheres do lar e passaram a trabalhar fora, mas, ainda assim, carregam essa cultura com elas e se impõem trabalhar fora de casa e cuidar do lar. Com isso, vão se colocando muitas obrigações. Essas obrigações se estendem muito”, analisa a psicóloga Milena Careta.

Se você se identificou com o que foi escrito até aqui, saiba que vai precisar mudar se quiser fazer algo realmente em termos de autocuidado. Estar no comando de tudo o tempo todo e se deixar em segundo plano só vai te levar ao adoecimento.

“Vejo muitas mulheres tentando gerir tudo ao mesmo tempo e sofrendo uma pressão psicológica muito grande. Elas próprias se pressionam até. E vão abrindo mão de cuidarem de si mesmas, de cuidados tanto estéticos quanto de saúde. Por exemplo, deixam de ir à manicure, de sair com amigas num dia de folga. Mas também protelam a ida ao médico para fazer exames preventivos”, comenta a psicóloga.

Ela montou a "agenda dos sonhos"

Duas vezes por semana, a nutricionista Roberta Larica acorda cedo e vai praticar canoa havaiana, um momento só para ela. (Arquivo pessoal)

Lá no começo da carreira, a nutricionista Roberta Larica, 37 anos, chegou a trabalhar 12 horas por dia, atendendo pacientes de meia em meia hora. Era o tempo de focar no trabalho mesmo. Mas toda essa dedicação tinha um preço.

“Eu ficava exausta no final do dia. Vivia correndo, um poço de estresse, vendo a vida passar na frente dos meus olhos, sempre com a sensação de estar falhando com alguém. Até que, três anos atrás, quando nasceu minha segunda filha, tive uma estafa. Vi que não podia mais abraçar o mundo. Não conseguia me doar mais como mãe, nem me doar mais às consultas, nem como esposa. Ainda tinha que malhar!”, conta Roberta.

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Eu ficava exausta no final do dia. Vivia correndo, um poço de estresse, vendo a vida passar na frente dos meus olhos, sempre com a sensação de estar falhando com alguém. Até que, três anos atrás, quando nasceu minha segunda filha, tive uma estafa. Vi que não podia mais abraçar o mundo. Não conseguia me doar mais como mãe, nem me doar mais às consultas, nem como esposa. Ainda tinha que malhar!

Roberta Larica
Nutricionista
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Como uma profissional que lida com a saúde das pessoas, ela viu que tinha que ser a primeira a dar exemplo. “Não estava conseguindo fazer o que pregava. Eu não podia ficar com a saúde debilitada. Falei ‘chega, vou ter que mudar’”.

Perfeccionista, decidiu montar uma espécie de “agenda dos sonhos”. “Fui colocando no papel. Precisava colocar coisas que desejava fazer com obrigações que já tinha. Queria tempo para tomar um café com minha mãe, por exemplo. Aí, determinei que só marco um compromisso por manhã. Assim, posso almoçar com calma, secar meu cabelo antes de ir para a clínica, brincar com meu cachorro. Pequenas coisas, sabe?”, relata ela.

O que era sonho foi virando rotina aos poucos. “Também passei a fazer pilates e ioga em casa, para diminuir o tempo de deslocamento, já que o trânsito me estressava. Tenho a segunda-feira só para estudar. E a tarde de sexta-feira livre para fazer o que quiser, como ficar em casa, passear… E passo mais tempo com minhas filhas”.

Até atividade física ela conseguiu incluir nessa agenda. “Fui colocando as coisas por demanda mesmo. A canoa havaiana entrou assim. Tinha uma dor crônica na lombar de passar muitas horas sentadas. Era estresse tensional. Fui ao ortopedista, que disse que eu não tinha nada na coluna. Nos primeiros dias em que fui remar, deu até tremedeira de ficar sem celular”, brinca a nutricionista.

Roberta viu que a onda era outra. Aprendeu que o autocuidado era importante. E entendeu, inclusive, a se cobrar menos. “Minha agenda me inspira a ser uma pessoa melhor. Espero cumprir uma parte dela. Ser melhor para mim e para as pessoas que estão ao redor. É um exercício diário. Claro que, às vezes, as tarefas me engolem, mas é um compromisso que tenho comigo mesma. São 15 anos de formada. É algo que fui conquistando. Hoje me cobro menos perfeccionismo e procuro viver mais o hoje”.

Planejamento e equilíbrio

Karin Kneipp Rossi, de 47 anos, também está tentando montar sua agenda dos sonhos, na medida do possível. Casada, mãe, médica ginecologista e mastologista, presidente da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Espírito Santo e professora universitária, ela se desdobra entre aulas, consultas e pequenas cirurgias e ainda estuda inglês e pratica triathlon.

Que horas então ela tira um tempo só pra ela? “Tenho uma rotina puxada sim. Mas me preocupo com autocuidado. A primeira pessoa que coloco na minha agenda sou eu mesma. As primeiras horas da manhã eu reservo só para mim. Acordo às 4h45 e faço alongamento e pilates na academia de casa com meu personal. Só aí vou trabalhar”.

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Tenho uma rotina puxada sim. Mas me preocupo com autocuidado. A primeira pessoa que coloco na minha agenda sou eu mesma.

Karin Kneipp
Médica ginecologista e mastologista
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Chegar a esse ponto foi uma conquista, claro. “São 25 anos de formada. É um momento diferente do de uma pessoa que está no início da carreira. Mas entrei na faculdade com 16 anos e tive minha filha com 18. Me casei com o pai da minha filha. Então, muito jovem aprendi a me planejar”, diz Karin.

E com esse planejamento, a médica segue equilibrando obrigações e pequenos cuidados. “Não estou mais competindo no triathlon, mas continuo nadando à noite, pedalando, pela manutenção da saúde. O esporte integra minha família. Meu marido pedala comigo. Minha filha também é triatleta. Além disso, gosto de ir à praia, ler um bom livro, ir ao cinema. Também gosto de plantas, fico podando minhas orquídeas. Ou vou simplesmente passear com meus cachorros. Isso me dá paz, me desliga”, relata.

Com uma vida dedicada à saúde feminina, ela comprovou, na prática, quão prejudicial pode ser se colocar em segundo plano. “Existem várias formas de tirar o peso das costas. Lido com mulheres todos os dias e percebo nitidamente como elas vão acumulando insatisfações ao longo dos anos e gerando doenças nelas mesmas. É só olharmos para as estatísticas de câncer de mama, que mostram como vem aumentando o número de casos em mulheres mais jovens. Isso está relacionado com o estresse, com a insônia, a obesidade, com a depressão, ou seja, com o estilo de vida delas”, afirma Karin.

Qualidade de vida

Data: 03/03/2020 - ES - Vitória - Helena Marroquim, empresária. Mesmo com a rotina apertada consegue um tempo só pra ela - Editoria: Revista AG - Foto: Vitor Jubini - GZ. (Vitor Jubini)

A empresária Helena Marroquim da Luz, 39 anos, parece também ter encontrado seu equilíbrio. Casada há 10 anos, mãe da Alice, de 6 anos, e das gêmeas Bruna e Elisa, de 4 anos, ela administra dois negócios diferentes, como um hotel da família que existe há 20 anos na cidade de Olinda (PE) e uma franquia de roupas com unidades em Vitória e Vila Velha.

“Trabalhei por 13 anos em uma multinacional na área portuária da Serra. Ficava cerca de 10 horas por dia no trabalho. Quando as gêmeas fizeram um ano de idade, optei por sair e começar a atuar no hotel da família. Trabalho meio período remotamente do escritório em Vitória e uma vez por mês passo uma semana lá. Com essa carga horária menor e maior flexibilidade ganhei imensamente em qualidade de vida, tanto com a família como comigo mesma”, conta ela.

Quando não está trabalhando, não está com o marido e não está com as crianças correndo em volta dela, está se cuidando. “O melhor tempo para ficar comigo mesmo é bem cedo, quando todos estão dormindo. Acordo às 5 horas, como uma fruta ou tomo um pré-treino líquido e vou para academia. Volto para casa renovada, tomo meu café da manhã sem pressa, reflito, me atualizo com as notícias e organizo meu dia até que as crianças começam a acordar, por volta de 7h30”, descreve a empresária.

Tudo é marcadinho no relógio. Mas dá certo. “Fico por conta das meninas, brincando, fazendo os cuidados básicos com elas, e as deixo na escola às 11h, quando, de novo, tiro um tempo para cuidar de mim. Aí tomo um banho demorado, uso meus produtos para corpo e cabelo e separo o que vou precisar para meu dia no escritório, como material, comidinhas etc”, conta ela, que também deixa um tempo reservado para o marido e para as amigas...

E se nada der certo, tudo bem também. “Levo em consideração que rotina com criança nem sempre é garantida. Então, se um ou outro dia não der certo, tá ok! Vida que segue!”, diz Helena.

Roberta, Karin e Helena batalharam para conseguir brechas em suas rotinas diárias para o autocuidado. Nem todo mundo consegue fazer academia ou praticar seu esporte favorito, ter um horário fixo para uma drenagem ou ir à manicure semanalmente. Adaptando para a realidade de cada uma, dá para pensar em pequenos mimos, como ter o prazer de fazer uma refeição saborosa sem pressa ou tomar um banho demorado sem uma criança gritando seu nome. Quem sabe se dar de presente ver o pôr-do-sol na praia de vez em quando ou algumas horinhas de sossego no final de semana para ler aquele livro que está abandonado na estante.

Glamour

“Muitas mulheres passam mais tempo conectadas às redes sociais do que cuidando de si”, observa Roberta Larica. Karin concorda: “Não é preciso de muito, nem ter dinheiro. Mas dá para buscar glamour em tudo, tornar precioso cada momento. O segredo é olhar para si mesma”.

Pode ser necessário pedir ajuda, como lembra a psicóloga Milena Careta. “Vale falar com o marido, fazer acordos, numa comunicação clara. A mulher não pode se sobrecarregar com as funções. Se for possível, terceirize algumas delas. Não vai faltar afeto, cuidado, carinho”.

E seja lá o que escolher para si, que seja feito com prazer. “Muitas mulheres incluem um cuidado na rotina, por exemplo um cuidado estético, porque há uma exigência, uma cobrança social. Isso é muito comum em determinados grupos. Mas se vira obrigação, se não é prazeroso, isso deixa de ser um cuidado. Já viu como tem mulher que cobra da outra se ela não está com a unha feita? As mulheres precisam ter mais empatia. Porque essa pressão é adoecedora!

A cabeleireira Diná Fernandes, 28 anos, percebeu que estava adoecendo e que só ela poderia fazer algo por ela mesma para reverter isso. “Eu estava em um período de estresse intenso, angustiada e emotiva. Parecia que todos ao meu redor estavam da mesma forma”.

A cabeleireira Diná Fernandes buscou na meditação sua forma de autocuidado. (Klenzer Moraes)

Trabalhando 12 horas por dia e com um filho de 6 anos de idade, ela precisava encontrar espaço para se cuidar. “Vi uma pessoa que convive comigo fazendo meditação, e ela me convidou a meditar também. Fiz e tive uma sensação muito boa, imediatamente. Parecia que estava cuidando do meu coração. Passei a pesquisar na internet os benefícios de praticar sozinha a meditação guiada”.

É de noite, quando chega do trabalho, que Diná se senta numa posição confortável em casa e, em silêncio, se conecta consigo mesma, com seus pensamentos e seus sentimentos mais íntimos. “Tem dois meses que comecei a meditar. Já me sinto um ser humano melhor. Sinto que achei o remédio para uma dor que me acompanhava por onde eu ia. Hoje estou aprendendo a canalizar a energia que eu recebo e o que propago”.

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Tem dois meses que comecei a meditar. Já me sinto um ser humano melhor. Sinto que achei o remédio para uma dor que me acompanhava por onde eu ia. Hoje estou aprendendo a canalizar a energia que eu recebo e o que propago

Diná Fernandes
Cabeleireira
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Cuide-se de verdade

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    Não é preciso de muita coisa para ter seu momento de autocuidado. Tome um banho mais demorado e seque seu cabelo com calma. Coe seu próprio café. Faça uma refeição saudável sem pressa. Vá ver um pôr-do-sol de vez em quando. Faça uma caminhada logo cedo. Tire um tempo para brincar com seus cachorros. Tudo isso não custa dinheiro e é prazeroso à beça

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    Está comprovado que a meditação ativa áreas no cérebro responsáveis por emoções positivas, ajudando no relaxamento, por exemplo, no foco. Tente estar em contato com seus pensamentos, em silêncio

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    Mulheres foram ensinadas a cuidar dos outros: filhos, marido, amigos, parentes... Mas é importante colocar limites nisso em nome do seu tempo pessoal. Dizer “não” aos outros

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    Entenda que não é possível dar conta de tudo. Divida as tarefas de casa e o cuidado com os filhos. Faça acordos com o marido, estipule dias e horários só para você, para fazer o que você quiser, sozinha

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    Às vezes, o que falta é planejamento. Priorize suas tarefas e inclua momentos só seus em meio às obrigações diárias Deixe a culpa de lado: não se cobre tanto. Você não será perfeita em todos os papéis sempre. Não se compare com outras mulheres. Deixe a vida mais leve

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