Publicado em 15 de setembro de 2020 às 11:32
O simples ato de usar uma máscara para se proteger pode também levar à produção de anticorpos contra o Sars-CoV-2 no seu corpo.>
Essa é a hipótese levantada por pesquisadores da Universidade da Califórnia e publicada como nota na revista científica The New England Journal of Medicin, uma das mais prestigiadas da área, na semana passada.>
A ideia, segundo defendem os autores, é que as máscaras amplamente usadas pela população diminuem em muito, mas não impedem totalmente, a passagem das gotículas de saliva ou partículas aerossóis que podem transmitir o vírus.>
Com isso, uma fração pequena de partículas virais passaria pelo equipamento e seria transmitida a outras pessoas, mas com carga viral mais baixa. Essa baixa carga viral não levaria a formas mais severas da Covid-19, mas seria o suficiente para induzir uma resposta imune no organismo.>
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O fenômeno já é conhecido da medicina e foi o precursor das vacinas: a variolação, processo de imunização utilizando material retirado de um paciente -à época, raspagem de uma vesícula de varíola- e inoculando-o em outro para garantir a resposta imune, mas sem provocar infecção.>
Os cientistas argumentam que o uso de máscaras em toda a população elevaria a taxa de assintomáticos, uma vez que as pessoas conseguem se proteger parcialmente de uma quantidade elevada do vírus -alguns estudos apontam que a quantidade de vírus inoculado pode estar relacionada ao grau de severidade da doença.>
Além disso, estudos comprovaram a eficácia do uso de máscaras tanto para prevenção por pessoas não contaminadas quanto no bloqueio da transmissão por pessoas infectadas com o vírus.>
Para Raquel Stucchi, professora da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, a teoria levantada pelos cientistas é muito interessante e reforça a importância do uso de máscaras por todo mundo e em todos os lugares, principalmente no momento de retomada às atividades.>
"Supondo que hoje eu esteja contaminada, mas não sei, porque não tenho sintomas ou só vou desenvolver os sintomas em alguns dias, a máscara vai conseguir conter uma parcela razoável do Sars-CoV-2 para não transmitir ao outro, mas ainda assim suficiente para gerar uma resposta imune.">
As máscaras mais eficazes para bloquear a transmissão são as cirúrgicas. As máscaras caseiras com duas camadas de tecido, no entanto, conseguem limitar a transmissão das partículas a uma distância menor quando uma pessoa espirra ou tosse.>
"Qualquer máscara é melhor do que nenhuma máscara. As máscaras cirúrgicas devem ser reservadas aos profissionais de saúde para não faltar, mas a máscara caseira pode me proteger e ainda proteger os outros", diz Stucchi.>
Ainda é incerto por quanto tempo dura a imunidade para o Sars-CoV-2, mas a resposta imune gerada pelos linfócitos T parece ser mais permanente do que aquela produzida por anticorpos. Estudos das principais vacinas em testes contra a Covid-19 mostraram boas respostas imunes tanto de anticorpos quanto de células T.>
Raquel Stucchi
Professora da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de InfectologiaOs pesquisadores concluem ainda que para testar a hipótese de uma estratégia de proteção global pelo uso de máscaras é necessário um estudo sobre taxa de assintomáticos diante do uso ou não das máscaras.>
Dados mais robustos sobre essa resposta imune, no entanto, como quantidade de células T em assintomáticos, são necessários para saber a real proteção das máscaras, afirmam os autores.>
Esses estudos, no entanto, encontrariam dificuldades no Brasil, onde a quantidade de testes na população ainda é baixa, o que dificulta identificar casos assintomáticos.>
Exames para detecção de células T também ainda não se encontram amplamente disponíveis.>
Em relação à teoria de variolação, seria essencial também conhecer o grau de infecção das cepas em circulação do vírus nas populações combinando o uso de máscaras e pessoas sintomáticas e assintomáticas.>
Da mesma forma, seria necessário comprovar a diminuição da taxa de contágio em populações com índice elevado de assintomáticos. Tais hipóteses, no entanto, são difíceis de serem testadas.>
Os autores citam um caso de um cruzeiro na Argentina no qual todos os tripulantes eram obrigados a portar máscaras N95. Após um surto de Covid-19 a bordo, viu-se que 81% dos infectados eram assintomáticos --uma taxa consideravelmente elevada se compararmos à estimativa de que eles são 20% na população.>
Não há nenhum estudo feito no Brasil até o momento que busque entender taxas de assintomáticos e uso de máscaras. Segundo pesquisa do Datafolha, nove em cada dez (92%) brasileiros declararam sempre utilizar máscara ao sair de casa. Outros 5% dizem usar de vez em quando, 1% utilizar raramente e 2% declararam não usar nunca o equipamento de proteção.>
Stucchi acredita que no país, devido ao fato de que cada município ou estado determina a obrigatoriedade ou não do uso de máscaras, é possível que uma parcela cada vez maior da população adquira algum tipo de imunidade por algum tempo, com uma quantidade menor de pessoas correndo o risco de adoecer.>
"Como os próprios autores falaram, não dá para afirmar, teríamos que fazer um estudo científico, mas é uma boa reflexão", finaliza.>
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