Publicado em 4 de novembro de 2020 às 11:22
Donald Trump, magnata do ramo imobiliário, não conseguiu construir o muro na fronteira dos EUA com o México como prometeu. No entanto, seus quatro anos de governo ergueram uma barreira legal invisível, formada por políticas restritivas a imigrantes legais, ilegais, requerentes de asilo e refugiados, afetando até os que já vivem no país. >
Trump transformou o sistema de imigração. Relatório do Migration Policy Institute aponta que a mudança ocorreu de maneira abrangente e em pequenos detalhes técnicos em todo o portfólio de imigração. Segundo o instituto, elas deverão perdurar por muito tempo e ficarão como grande emaranhado de regras que um eventual sucessor terá dificuldade de desfazer.>
O relatório, assinado pelas especialistas Sarah Pierce e Jessica Bolter, destaca que foram mais de 400 mudanças na política migratória feitas sem passar pelo Congresso. Elas explicam que, por serem frutos de decretos e ordens presidenciais, um eventual sucessor ou o próprio Trump, em um segundo mandato, poderia, em teoria, desfazer muitas delas. "No entanto, o ritmo acelerado para realizar mais de 400 mudanças pode ter garantido a longevidade delas.">
No site da Casa Branca, o governo defende a construção do muro e outras medidas para proteger o trabalhador americano. "Os EUA devem adotar um sistema de imigração que atenda ao interesse nacional. Para restaurar o estado de direito e proteger a fronteira, Trump está empenhado em construir um muro e garantir a remoção rápida das entradas ilegais".>
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Para o professor e fundador do Centro de Comunicação e Marketing Hispânico da Florida State University, Felipe Korzenny, as medidas de Trump moldaram a política migratória para ser nacionalista e excludente, em um esforço para agradar à sua base, e não para proteger empregos dos americanos. >
"Em sua tentativa de agradar àqueles que são isolacionistas e etnocêntricos (racistas) como ele, Trump tentou difamar qualquer um que não se parecesse com aqueles de herança europeia branca. O muro era apenas um símbolo de exclusão, independentemente de sua logística ilógica, especialmente em tempos de tecnologia avançada", afirmou Korzenny.>
O relatório do Migration Policy Institute destaca que o governo Trump reduziu consideravelmente as entradas ilegais na fronteira sul dos EUA e renovou esforços para fiscalizar internamente os imigrantes em situação irregular, dentro do que ficou conhecido como a "política de tolerância zero".>
Em 2018, enquanto milhares de famílias da América Central cruzavam a fronteira sul dos EUA em busca de asilo, o Departamento de Justiça ordenou a prisão de qualquer pessoa que entrasse sem autorização. Isso forçou a separação de centenas de famílias e a remoção de crianças, em alguns casos de colo, de seus pais. Mais de 5 mil crianças, incluindo brasileiras, foram separadas e hoje pelo menos 545 continuam em centros de detenções sem que suas famílias tenham sido localizadas. >
Após apresentar grande número de opções para lidar com o aumento das chegadas na fronteira com o México, em 2019, o Departamento de Segurança Interna instituiu uma combinação de políticas interligadas que limitaram o asilo na fronteira e, em conjunto com o aumento da fiscalização no México - após ameaças de tarifar seus produtos -, reduziram as entradas ilegais nos EUA.>
As políticas bloquearam o acesso ou elegibilidade para a grande maioria dos requerentes de asilo nos EUA. E, embora as apreensões na fronteira sul, em 2019, tenham atingido o nível anual mais alto em 12 anos, a partir de junho daquele ano as apreensões caíram drasticamente. Neste ano, a pandemia deu ao governo a oportunidade de fechar ainda mais a fronteira.>
Além dos latinos, cidadãos de países de maioria muçulmana foram afetados pela política. Trump conseguiu autorização da Suprema Corte para aprovar seu veto aos muçulmanos com severas restrições à entrada de residentes de 13 países. Embora a Casa Branca tenha usado como argumento a falta de segurança nesses países, a medida reduziu o programa de refugiados, que caiu de 110 mil admissões no governo anterior para 15 mil. >
As medidas, segundo Korzenny, têm funcionado como mensagem aos seguidores de Trump, por acreditar que elas ajudam o país. "Mas, em grande parte, eles desconhecem a importância do trabalho e das contribuições que os imigrantes trazem para os EUA.">
Em paralelo, Trump trabalhou para reduzir a migração legal. Segundo o New York Times, o governo ameaçou demitir 70% dos funcionários dos Serviços de Cidadania e Imigração, culpando a pandemia, mas o verdadeiro problema seriam as políticas restritivas e atrasos nos pedidos de visto, que reduziram a receita das taxas de processamento que financiam a agência. >
Os pedidos de residência permanente também diminuíram desde que o governo anunciou, em agosto de 2019, que rejeitaria pedidos de vistos temporários e de residência para quem tenha rendimento abaixo de certos níveis ou receba auxílios públicos. Entre os beneficiados pelo green card antes da medida, 69% tinham pelo menos uma dessas características, segundo o Migration Policy Institute.>
Para especialistas, a promessa de Trump de reduzir a imigração foi alcançada, ainda que seu emblemático muro não tenha passado de 5 km construídos. Desde o início, sua ideia de fazer o México pagar pela obra pouco convenceu os americanos, com exceção de seus seguidores. >
O México praticamente ignorou a alegação, e mesmo Trump parece ter abandonado a ideia. O projeto que custaria US$ 21,5 bilhões ficou ainda mais distante após os democratas retomarem a maioria na Câmara, em 2018, e se posicionarem contra. No fim daquele ano, a oposição rejeitou liberar US$ 5 bilhões do orçamento para o muro. A saída encontrada por Trump, ainda questionada legalmente, foi redirecionar dinheiro da Defesa e de outros fundos para a obra.>
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