Publicado em 27 de outubro de 2024 às 12:14
"O Google essencialmente nos fez desaparecer da internet.">
Dias de lançamento são igualmente emocionantes e aterrorizantes para muitos fundadores de empresas que vão estrear no mercado. >
Mas provavelmente esse dia nunca será pior do que o vivenciado por Shivaun Raff e seu marido, Adam.>
Era junho de 2006 e o casal estava prestes a lançar o Foundem, um site pioneiro de comparação de preços. No projeto, eles sacrificaram empregos bem pagos e construíram a plataforma do zero.>
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Eles não sabiam na época, mas aquele dia — e os dias que se seguiram — marcariam o começo do fim da empresa.>
Isso porque o Foundem foi atingido por uma penalidade de pesquisa do Google, provocada por um dos filtros automáticos de spam do mecanismo de pesquisa. >
Isso empurrou o site para baixo nas listas de resultados de pesquisa para consultas relevantes com esse mercado, como "comparação de preços" e "comparação de compras".>
Isso significava que o site do casal, que cobrava uma taxa quando os clientes clicavam em listas de produtos de outros sites, sofreu para ganhar algum dinheiro.>
"Estávamos monitorando nossas páginas e como elas estavam sendo classificadas [no sistema do Google]. Então vimos todas elas despencarem quase imediatamente", diz Adam.>
Embora o dia do lançamento do Foundem não tenha saído como planejado, ele seria o gatilho de outra coisa: uma batalha jurídica de 15 anos que culminou em uma multa recorde de 2,4 bilhões de euros (R$ 14,7 bi, na cotação atual) para o Google, que foi condenado por ter abusado de seu domínio de mercado.>
O processo é visto como um dos momentos mais marcantes na regulamentação global das grandes empresas de tecnologia.>
O Google passou sete anos resistindo à condenação, expedida em junho de 2017. Porém, em setembro deste ano, o Tribunal de Justiça Europeu rejeitou todos os recursos da companhia.>
Em entrevista ao programa The Bottom Line, da BBC Radio 4, Shivaun e Adam explicaram que, a princípio, eles pensaram que o início vacilante do site tinha sido simplesmente um erro.>
"No começo, pensamos que isso seria um dano colateral", diz Shivaun, de 55 anos.>
"Nós apenas presumimos que tínhamos que escalar a plataforma para o lugar certo e essa penalização seria anulada.">
"Se o tráfego para o seu site for negado, você não tem um negócio", acrescenta Adam, de 58 anos.>
O casal enviou ao Google inúmeras solicitações para que a restrição automática fosse suspensa, mas, cerca de dois anos depois, nada havia mudado e eles relatam que não receberam nenhuma resposta.>
Enquanto isso, o site aparecia normalmente em outros mecanismos de busca. No entanto, isso realmente não importava, de acordo com Shivaun, já que "todo mundo usa o Google".>
O casal descobriria mais tarde que o site deles não era o único a ter sido colocado em desvantagem pelo Google — quando a gigante da tecnologia foi considerada culpada e multada em 2017, havia cerca de outras 20 queixas, que incluíam Kelkoo, Trivago e Yelp.>
Adam, que construiu uma carreira em na área da computação, diz que teve o "momento eureka" para criar a Foundem enquanto fumava um cigarro do lado de fora do escritório de seu antigo empregador.>
Na época, os sites de comparação de preços davam os primeiros passos, e cada um focava apenas num produto específico. >
Mas o Foundem era diferente, porque permitia que os clientes comparassem uma grande variedade de produtos — de roupas a passagens aéreas.>
"Ninguém mais chegou perto dessa ideia", sorri Shivaun, que foi consultora de software para várias grandes marcas globais.>
Durante o julgamento realizado em 2017, a Comissão Europeia concluiu que o Google havia promovido ilegalmente seu próprio serviço de comparação de compras nos resultados de pesquisa, enquanto rebaixava as plataformas criadas por concorrentes.>
Dez anos antes disso, porém — quando o Foundem foi lançado — Adam diz que não tinha motivos para supor que o Google estava sendo deliberadamente anticompetitivo em relação às compras online. >
"Eles não eram realmente competidores sérios nesse setor", avalia ele.>
No final de 2008, o casal começou a suspeitar de um jogo sujo.>
Faltavam três semanas para o Natal e a dupla recebeu uma mensagem que avisava que o site havia ficado lento e não carregava adequadamente. >
Eles pensaram que se tratava de um ataque cibernético, "mas na verdade era só que todo mundo tinha começado a visitar o Foundem", lembra Adam.>
À época, o programa The Gadget Show, do Channel 5, um dos canais da televisão britânica, tinha acabado de nomear o Foundem como o melhor site de comparação de preços do Reino Unido.>
"E isso foi muito importante", explica Shivaun, "porque então entramos em contato com o Google e dissemos, olha, certamente [esse bloqueio] não está beneficiando seus usuários e torna impossível para eles nos encontrarem".>
"Não fomos ignorados, mas recebemos uma resposta do Google no estilo 'saia daqui, vá procurar o que fazer'.">
"Nesse momento decidimos que precisávamos lutar", diz Adam.>
O casal foi à imprensa, com sucesso limitado, e levou a reclamação aos órgãos reguladores de Reino Unido, Estados Unidos e Bruxelas, na Bélgica.>
Foi neste último local — onde fica a Comissão Europeia (CE) — que o caso finalmente decolou, com o lançamento de uma investigação antitruste a partir de novembro de 2010. >
"Uma das coisas que eles nos disseram foi que, se esse era um problema sistêmico, por que éramos as primeiras pessoas que chegavam até lá", lembra Shivaun. >
"Dissemos que não tínhamos 100% de certeza, mas suspeitávamos que as pessoas estavam com medo, porque todas as empresas na internet dependem essencialmente do Google para a força vital que vem do tráfego.">
O casal estava em um quarto de hotel em Bruxelas, a apenas algumas centenas de metros do prédio da Comissão Europeia, quando a comissária de concorrência Margarethe Vestager finalmente anunciou o veredicto que eles e outros sites de compras esperavam.>
Mas não houve estouro de rolhas de champanhe. O foco deles então se voltou para garantir que a comissão colocasse a decisão em prática.>
"Acho que foi uma pena para o Google o que eles fizeram conosco", diz Shivaun. >
"Nós fomos criados sob a ilusão de que podemos fazer a diferença, e realmente não gostamos de valentões.">
Nem mesmo a derrota final do Google no caso no mês passado significou o fim do processo para o casal.>
Eles acreditam que a conduta do Google continua anticompetitiva e a Comissão Europeia segue investigando o caso. >
Em março deste ano, sob a nova Lei de Mercados Digitais, a comissão abriu uma investigação sobre a empresa controladora do Google, a Alphabet, para verificar se ela continua a dar preferência a seus próprios produtos e serviços nos resultados de pesquisa.>
Um porta-voz do Google afirmou: "O julgamento do Tribunal Europeu de Justiça [em 2024] se refere apenas à forma como mostramos os resultados dos produtos de 2008 a 2017.">
"As mudanças que fizemos em 2017 para cumprir com a decisão da Comissão Europeia funcionaram com sucesso por mais de sete anos, gerando bilhões de cliques para mais de 800 serviços de comparação de compras.">
"Por esse motivo, continuamos a contestar fortemente as alegações feitas pela Foundem e o faremos quando o caso for considerado pelos tribunais.">
O casal que criou a Foundem também busca uma ação de danos civis contra o Google, que deve começar a ser julgada no primeiro semestre de 2026. >
Mas quando, ou se, uma vitória final se concretizar, provavelmente ela virá com um gosto amargo — eles foram forçados a fechar a Foundem em 2016.>
A longa luta contra o Google também tem sido exaustiva para eles. >
"Acho que se soubéssemos que levaria tantos anos, talvez não tivéssemos feito a mesma escolha", admite Adam.>
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