Publicado em 17 de janeiro de 2020 às 10:02
Uma ilha na Antártida, localizada na cratera de um dos vulcões mais ativos do continente, tem funcionado como laboratório sobre o impacto que o turismo pode trazer ao arquipélago das ilhas Shetland do Sul.>
Localizada a 152 km em linha reta da estação brasileira Comandante Ferraz, a ilha Deception tem uma área destinada a turistas, chamada de Whalers Bay, onde há águas termais vulcânicas. Cruzeiros de navio por lá chegam a custar cerca de US$ 25 mil.>
Pesquisadores dos projetos Bryoantar e Mycoantar, que estudam plantas e fungos, respectivamente, na Antártida, coletaram amostras do solo dessa região e compararam com outra, na mesma ilha, que é protegida e só acessada com licenças especiais.>
Onde há turismo liberado foi encontrado, por meio de sequenciamento genético dessas amostras, DNA de plantas como a Cannabis sativa, cebola e uva. No lado protegido, nada disso foi achado.>
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"Não quer dizer que tenha o pé dessas plantas, mas pode ser que elas tenham sido introduzidas lá por meio de pólen [trazido pelo vento] ou da comida, do cabelo ou do sapato de turistas", diz o botânico Paulo Câmara, professor da UnB (Universidade de Brasília) que pesquisa plantas na Antártida.>
Nessa técnica chamada de metagenômica, os pesquisadores coletam amostras do solo, da neve ou do ar.>
No laboratório da Estação Comandante Ferraz, elas passam por reações químicas que possibilitam a extração do DNA das células, seguido de sequenciamento genético. Por fim, são comparadas com material genético existente em bancos de dados.>
Com a mesma técnica, o microbiologista Luiz Rosa, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), também conseguiu identificar DNA de fungos introduzidos na ilha Deception, na parte liberada para o turismo.>
"Na área com turistas, detectamos fungos que causam doenças oportunistas em humanos porque resistem a várias temperaturas. Em Whalers Bay, elas variam de 100°C a 0°C. Esses fungos crescem nesse ambiente.">
Os que mais chamam atenção são algumas espécies do gênero Aspergillus, que podem infectar o homem. As manifestações clínicas incluem infecções subcutâneas, reações de hipersensibilidade (aspergilose alérgica) e doença pulmonar (aspergilose pulmonar), que pode afetar pessoas imunodeprimidas.>
"Nesse tipo de turismo de cruzeiros em Deception, há muitos idosos que ficam nas piscinas naturais como se fossem banheiras quentes. O frio afeta o sistema imune e as pessoas ficam mais suscetíveis a doenças que podem ser causadas por esses fungos oportunistas", explica Rosa.>
Segundo ele, foram encontrados Aspergillus que crescem a uma temperatura de 37°C, a temperatura corporal humana.>
"Esse é o primeiro requisito para falar que um fungo é patogênico de humanos. Você pode pensar que na Antártica é muito frio, mas o fungo está lá. Cresce a 5°C, a 10°C, a 25°C e a 37°C", afirma.>
Segundo o microbiologista, os turistas tanto podem trazer essas espécies de fungo como podem ser infectados por aquelas que já estão circulando na ilha, caso o sistema autoimune esteja comprometido.>
A partir desses achados, os pesquisadores vão monitorar o impacto ambiental na região. A Antártida é o lugar que mais aquece no planeta, então é possível que no futuro essas espécies invasoras tanto de fungos como de plantas se estabeleçam no continente, substituindo as nativas.>
"Precisamos saber se aquilo que está chegando foi introduzido pelo homem, se a pessoa foi lá e plantou um pé de jaca ou se a planta chegou naturalmente [pelo vento, por exemplo] e merece estar ali.">
Isso só é possível com esse tipo de monitoramento, a partir dessa assinatura molecular que vai dizer de onde a planta ou o fungo veio.>
Segundo Câmara, o trabalho também poderá servir de subsídio para futuras políticas públicas sobre o manejo de áreas de conservação, incluindo autorizar ou vetar o turismo nessas regiões antárticas.>
Hoje, existe uma associação que regula o turismo antártico, mas o controle é difícil. "Não existe nada que impeça um navio de trazer turistas, não tem como prender alguém que não tenha autorização", diz o pesquisador.>
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