Publicado em 17 de julho de 2020 às 19:26
Foi com trocas de presentes e cotoveladas o primeiro encontro presencial desde fevereiro entre os líderes dos 27 Estados-membros da União Europeia, em Bruxelas, nesta sexta (17).>
Nascidos no mesmo dia, os aniversariantes Angela Merkel, chanceler alemã, e António Costa, premiê português, completaram 66 e 59 anos de idade em meio à quinta tentativa de chegar a um consenso entre os líderes do bloco sobre como reconstruir a economia da UE após a crise do coronavírus.>
As cotoveladas foram concretas, a etiqueta pós-pandemia trocou apertos de mão por toques de cotovelo, mas também simbólicas. A decisão do Conselho tem que ser por unanimidade, e os 27 líderes, com realidades e contextos diversos, têm várias arestas a aparar.>
Há pelo menos quatro pontos críticos nessa conversa: 1) quanto dinheiro do bloco será repassado a fundo perdido aos países mais atingidos; 2) que controle o bloco terá sobre como cada país usará os recursos; 3) se serão restringidos os repasses a países em que a democracia é considerada sob ameaça; e 4) qual será a contribuição dos países mais ricos no orçamento dos próximos sete anos (o chamado MFF).>
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Na última vez em que se encontraram para discutir o orçamento, em fevereiro (quando o coronavírus mal chegara à Europa), os países mais ricos, principalmente Holanda, Dinamarca, Áustria e Suécia, com apoio de Finlândia e Alemanha, defendiam um aperto no orçamento plurianual (que supera 1 trilhão de euros, ou R$ 6 trilhões), enquanto um bloco de 17 menos ricos, liderados por Portugal, se recusavam a aceitar cortes em repasses.>
A pandemia transformou as reuniões mensais em videoconferências (o que, segundo os líderes, dificulta as negociações) e trouxe mais complexidade às decisões: agora não se trata mais de dividir o dinheiro de sempre, mas de construir um plano comum de reconstrução no médio e longo prazo, com um esquema adicional de 750 bilhões de euros (mais de R$ 4 trilhões).>
A oportunidade de se reencontrar pessoalmente,e conchavar em pequenos grupos e conversas a dois, era aguardada com ansiedade pelos líderes e por seus principais negociadores, que encontraram em Bruxelas um ambiente bem diferente do usual.>
A passagem dos líderes pela passarela vermelha em forma de ferradura na entrada do prédio, que antes da pandemia era um momento de aglomeração de jornalistas à caça de declarações, foi solitária e silenciosa.>
Por causa do coronavírus, os mais de mil correspondentes estrangeiros na cidade foram proibidos de acompanhar o conselho.>
Cada um dos chefes de governo entrou no saguão de máscara, retirada para dar uma declaração a uma única câmera --momento no qual todos eles desrespeitaram as recomendações médicas, segurando o tecido pela área exposta e apertando a máscara na palma da mão.>
Na sala de reuniões, milimetricamente desinfetada e com circulação de ar especial, encontraram tubos de álcool em gel e pacotes selados de fones de ouvido (para ouvir os intérpretes).>
Nem sempre à vontade para encostar os cotovelos, alguns líderes preferiram acenos discretos com a cabeça. Já os premiês do bloco nacionalista de direita Visegrad (Hungria, Polônia, República Tcheca e Eslováquia) fizeram questão de postar nas redes sociais fotos em que apertam as mãos e posam para fotos sem máscaras.>
Antes do início do encontro, Merkel ganhou do premiê búlgaro, Boyko Borissov, um frasco de prata com óleo de rosas, e, de Emmanuel Macron, vinho branco da Borgonha.>
Ela deu a Costa uma cópia fac-símile de um mapa do século 17 de Goa - ex-colônia portuguesa na Índia, de onde vieram os ancestrais paternos do premiê de Portugal - e o catálogo de uma exposição do Museu Histórico da Alemanha sobre navegadores lusitanos.>
Do colega, ganhou uma tradução para o alemão do livro "Ensaio sobre a Cegueira", do escritor português José Saramago, Nobel de literatura em 1998. O aniversariante português distribuiu também lembrancinhas aos outros 25 colegas: máscaras personalizadas, acondicionadas em caixas feitas de cortiça portuguesa.>
Na véspera, Costa havia ganhando um quadro de Macron, com quem jantou.>
O premiê da Holanda, Mark Rutte, principal porta-voz dos que querem que a ajuda se dê como empréstimos e não como subvenções a fundo perdido, afirmou a um repórter holandês que também trouxera presentes a Merkel e Costa, mas não deu detalhes. Garantiu apenas que não eram "stroopwafels", biscoitos típicos de seu país.>
Parabéns aos aniversariantes fizeram parte do discurso de abertura da reunião pelo presidente do Conselho, Charles Michel. O belga também cumprimentou a primeira-ministra da Dinamarca, Mette Frederiksen, não pelo aniversário, mas pelo casamento: adiado três vezes durante a pandemia, ele aconteceu finalmente na última quarta (15).>
Os 27 líderes fizeram duas rodadas de "monólogos" pela manhã, almoçaram pratos frios de peixe --salmão, cavala e bacalhau-- e às 17h interromperam a reunião mais ampla para conversas livres, que atrasaram em uma hora o jantar, marcado para as 20h (horário local, 15h no Brasil).>
Não havia previsão para o término dos trabalhos, e o site do Conselho já anunciava um novo encontro neste sábado (18).>
A União Europeia precisa definir seu próximo orçamento plurianual (MFF), que financia a administração do bloco e seus programas de desenvolvimento conjunto, e o programa de reconstrução da economia após a crise de coronavírus.>
Nos dois casos, é preciso aprovação por unanimidade do Conselho Europeu, que reúne os líderes dos 27 Estados membros do bloco. Esta é a quinta reunião em que eles tentam chegar a um acordo. Das quatro primeiras, só a de fevereiro foi presencial.>
O MFF, que valerá para o período de 2021 a 2027, precisa ser aprovado até dezembro pelo Conselho, pelo Parlamento Europeu e pelos parlamentos dos Estados membros.>
A Comissão Europeia e a presidente do Conselho da UE, Angela Merkel, defendem que o Conselho chegue a um acordo ainda em julho, para viabilizar os programas de retomada econômica.>
A Comissão Europeia, com o apoio da Alemanha e da França, propôs elevar o teto do MFF, criando uma espécie de "reserva de segurança" que seria usada como garantia para tomar empréstimos no mercado financeiro.>
Esses recursos formariam o fundo de recuperação, que financiaria principalmente os países mais afetados pela pandemia.>
Há quatro pontos mais controvertidos: doações X empréstimos - a proposta da comissão é que dois terços do fundo de reconstrução sejam repassados a fundo perdido, para investimentos em energia renovável, eficiência energética, digitalização e outros setores prioritários na estratégia de longo prazo europeia. A Holanda já declarou que não concorda com essas subvenções e aceita apenas a concessão de empréstimos. Ainda que ela seja convencida, há discordância sobre a parcela que seria destinada a créditos e qual será a fundo perdido. >
Controle sobre o destino do dinheiro - países principalmente do norte europeu querem que haja condições estritas para o dinheiro repassado pelo fundo de reconstrução, porque temem que ele seja usado indevidamente. Alguns países do sul, como Itália e Espanha, que estão entre os mais atingidos pelo coronavírus, querem mais flexibilidade para o uso das verbas Estado de Direito - parte dos membros quer que o pacote de ajuda sirva como forma de pressão sobre países que têm desrespeitado regras democráticas da União Europeia, como a Hungria, a Polônia e a República Tcheca. >
O premiê da Hungria, Viktor Orbán, já afirmou que impedirá a aprovação do MFF se houver menção a esse assunto na proposta a contribuição dos mais ricos - os recursos para o orçamento vêm de contribuições dos Estados-membros, de cerca de 1% de seu PIB, e antes da pandemia os chamados frugais (Holanda, Áustria, Dinamarca e Suécia), países que contribuem mais do que recebem do bloco, queriam reduzir sua participação. Com a nova proposta de elevar o teto, há maior preocupação em ter que assegurar recursos que serão repassados a governos que segundo eles, não controlam direito suas contas.>
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