Publicado em 24 de abril de 2023 às 11:21
- Atualizado há 3 anos
A Polícia Federal vai ouvir na próxima quarta-feira (26) o ex-presidente Jair Bolsonaro como parte da investigação sobre quem foram os mentores intelectuais das invasões de 8 de janeiro ao Supremo Tribunal Federal, Congresso Nacional e Palácio do Planalto. >
O inquérito tramita no STF e o relator, ministro Alexandre de Moraes, havia determinado no dia 14 de abril, que a PF agendasse o depoimento em até dez dias. >
Os policiais devem questionar Bolsonaro sobre mensagens postadas nas redes sociais em que ele questiona o resultado da eleição e sobre o fato de não ter determinado, quando ainda presidente, a retirada dos acampamentos bolsonaristas em frente aos quartéis. >
Mas, para que as investigações resultem numa denúncia contra o ex-presidente, os investigadores terão que encontrar evidências de que os atos de Bolsonaro resultaram nas invasões aos prédios públicos. >
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Bolsonaro tem negado envolvimento no 8/1 de janeiro. Enquanto ainda estava nos EUA, disse, sem apresentar provas, que “pessoas de esquerda” programaram as invasões. >
"As manifestações da direita ao longo de 4 anos foram pacíficas e não temos nada a temer. Jamais o nosso pessoal faria o que foi feito agora no dia 8 [de Janeiro]. Cada vez mais nós temos certeza que foram pessoas da esquerda que programaram aquilo tudo", disse o ex-presidente à emissora NBC. >
A BBC News Brasil ouviu criminalistas para entender que crimes podem ser considerados nessa investigação, quais as possibilidades de o inquérito terminar em acusação penal contra o ex-presidente, e que condutas de Bolsonaro que devem ser investigadas. >
Segundo os professores de processo penal Juliana Bertholdi e Gustavo Badaró, se os investigadores encontrarem provas do envolvimento de Bolsonaro com os atos de 8/1, ele poderá ser enquadrado em algum (ou alguns) desses três crimes: o do Art. 286 do Código Penal, e os dos artigos 359-L e 359-M, que punem quem atenta contra o Estado Democrático de Direito. >
O Art. 286 do Código Penal prevê pena de detenção de três a seis meses ou multa a quem incita publicamente a prática de crime. >
Já o Art. 359-L pune com reclusão de 4 a 8 anos quem: "Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais.">
E o Art. 359-M pune com reclusão de 4 a 12 anos quem: "Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído". Ou seja, pune quem tenta dar um golpe de Estado. >
Até agora, 100 pessoas que participaram dos acampamentos e invasões foram denunciadas. Muitas delas foram enquadradas nos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado, além de associação criminosa armada e danos ao patrimônio público. >
“Em relação ao Bolsonaro, obviamente ele não invadiu nenhum estabelecimento, nem permaneceu acampado em nenhum quartel. E não se tem notícia de que ele tenha financiado, num sentido material do termo, as invasões”, diz o professor de Processo Penal da Universidade de São Paulo Gustavo Badaró.>
“Mas o que se coloca é se ele, fora da Presidência da República ou no final do mandato, incitou ou instigou a população na prática desses atos.”>
Segundo Juliana Bertholdi, professora de Processo Penal da PUC-PR, durante o depoimento, a Polícia Federal vai tentar esclarecer até que ponto as condutas de Bolsonaro e outros integrantes de seu governo contribuíram para as invasões do 8 de janeiro. >
“Nós estamos tentando entender como toda essa articulação para os atos do dia 8/1 aconteceu. Existem diferentes formas do articulador participar dessa organização. Ele pode ser um financiador, ele pode ser um mentor intelectual ou alguém que participou desse planejamento”, explica. >
“No depoimento, a força policial vai tentar recolher o máximo de informações possíveis sobre aquele fato que aconteceu e, a partir dessas informações, tentar tipificar ou não as condutas. Vai decidir se aquela pessoa deve ser indiciada ou não.”>
Ao pedir que Bolsonaro fosse investigado no inquérito que apura quem foram os autores intelectuais das invasões, a Procuradoria-Geral da República citou uma postagem do ex-presidente nas redes sociais feita no dia 10 de janeiro, dois dias após os atos. >
A publicação, que rapidamente viralizou antes de ser apagada da conta de Bolsonaro, diz: “Lula não foi eleito pelo povo. Ele foi escolhido e eleito pelo TSE e o STF”. >
Na representação feita ao Supremo, o subprocurador-geral da República, Carlos Frederico Santos, sugere que Bolsonaro fez incitação pública à prática de crimes contra o Estado de Direito ao questionar o resultado eleitoral. >
Para ele, ainda que a postagem tenha sido feita após os episódios de violência e vandalismo do dia 8 de janeiro, as condutas do ex-presidente devem ser investigadas no inquérito sobre a autoria intelectual dos ataques. >
“Não se nega a existência de conexão probatória entre os fatos contidos na representação e o objeto deste inquérito, mais amplo em extensão. Por tal motivo, justifica-se a apuração global dos atos praticados antes e depois de 8 de janeiro de 2023 pelo representado”, escreveu. >
Para o professor da USP Gustavo Badaró, essa postagem tem relevância por ter sido feita pouco após as invasões. >
Mas a Polícia Federal deverá avaliar também outras condutas do ex-presidente, como o fato de ele não ter desmobilizado as manifestações de bolsonaristas em frente aos quartéis antes de deixar a Presidência. >
“As pessoas protestando pedindo abertamente a prática de um ato ilegal ficaram lá nos acampamentos pelo tempo que quiseram. Foram mobilizadas numa área de segurança que era uma área pertencente ao quartel”, lembra Badaró. >
“Acho que o ponto principal da investigação vai ser esse: o fato de Bolsonaro, que é ex-militar, não ter agido para desmobilizar os acampamentos quando era presidente e, portanto, superior hierárquico do ministro da Defesa e de todas as forças.”>
Outras condutas que, segundo os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, podem ser investigadas incluem os vários momentos em que Bolsonaro questionou o sistema eleitoral, em postagens, entrevistas e lives e em que defendeu os protestos nos acampamentos, antes da invasão. >
Também deve ser levado em consideração pela PF o fato de o governo do ex-presidente ter pressionado para que o Exército pudesse auditar as eleições. >
Mas, os criminalistas destacam que não será fácil estabelecer uma relação de causalidade entre as falas e omissões de Bolsonaro e os atos de 8 de janeiro. >
Juliana Bertholdi explica que, para o ex-presidente ser enquadrado como mentor intelectual dos crimes de golpe de Estado e atentado violento ao Estado de Direito, é preciso ficar claro que ele tinha a intenção de induzir seus eleitores a invadir os Três Poderes. >
“A gente tem que demonstrar que a pessoa tinha a intenção de, com aquele comportamento, atingir aquele resultado danoso. Então, a gente entra num espaço de subjetividade e complexidade bastante significativo”, disse à BBC News Brasil. >
Para a criminalista, Bolsonaro foi cauteloso em suas manifestações, conseguindo se comunicar com seus apoiadores mais radicais sem incitá-los de maneira direta a cometer crimes. >
“A forma como ele construiu o discurso foi seguramente muito pensada, porque em nenhum momento ele afirma o que ele parece querer afirmar. Ele sempre se utiliza de subterfúgios na hora de fazer as afirmações”, diz. >
Gustavo Badaró também destaca que será um desafio estabelecer um nexo causal entre as falas de Bolsonaro e as invasões. Por isso, segundo ele, a PF deverá construir uma narrativa que agregue diferentes condutas e falas como evidência do possível envolvimento do ex-presidente com os atos de 8/1. >
“A gente não tem um ato decisivo que a gente possa falar que claramente foi crime. A questão é verificar se, pelo conjunto da obra, os pequenos atos, sinalizações e omissões têm, do ponto de vista jurídico, relevância causal para o 8 de janeiro”. >
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