> >
Pó preto: maioria das estações não mede poeira na Grande Vitória desde 2021

Pó preto: maioria das estações não mede poeira na Grande Vitória desde 2021

Dados disponíveis no site do Iema até março deste ano mostram que a eficiência dos equipamentos de monitoramento caiu nos últimos cinco anos

Publicado em 14 de novembro de 2023 às 07:43- Atualizado há 6 meses

Ícone - Tempo de Leitura 7min de leitura
Estação de monitoramento do ar na Enseada do Suá, em Vitória
Estação de monitoramento do ar na Enseada do Suá, em Vitória. (Carlos Alberto Silva)

Quem mora na Grande Vitória convive há décadas com a poeira que, além de sujar as casas, piora a qualidade do ar e afeta a saúde da população. Porém o monitoramento das pequenas partículas que ficam no ar e formam a poluição populamente conhecida como pó preto não é feito de forma adequada há mais de dois anos. 

A Gazeta reuniu e analisou os dados de todas as estações de monitoramento da qualidade do ar na Região Metropolitana, entre 2018 e março de 2023, disponíveis no site do Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema). Esses índices referem-se ao material particulado — a parte do pó preto que fica em suspensão e, por isso, pode ser respirada ou inalada. Os dados mostram que a eficiência dos aparelhos em monitorar essa poeira caiu nos últimos cinco anos.

Já o chamado material sedimentável, parte do pó preto que é maior e mais pesada, é medido por outra rede de monitoramento. Nesta reportagem, os dados analisados dizem respeito apenas ao pó preto em suspensão. 

As nove estações que deveriam captar e medir o material particulado no ar são de responsabilidade do governo do Espírito Santo, por meio do Iema. Já o financiamento é feito pelas empresas Vale e ArcelorMittal Tubarão, em convênio firmado com o poder público.

Em relatório sobre a situação operacional da rede, o órgão ambiental destacou que os equipamentos estavam defasados, necessitando de atualização, o que levou à paralisação do monitoramento de alguns poluentes. A atualização e modernização da rede de monitoramento da qualidade do ar, ainda segundo o relatório, é uma das exigências para que as empresas obtenham suas licenças ambientais de funcionamento. 

Em algumas estações, como a de Jardim Camburi, não são feitas medições válidas de poeira desde 2020. O bairro fica ao lado do Complexo Portuário de Tubarão. As atividades industriais e portuárias são algumas das principais emissoras de poluentes do ar, segundo o relatório do Iema de 2022. Em outras até ocorreram medições nos últimos anos, mas em quantidades mais baixas do que o necessário para que seja possível fazer uma comparação válida entre períodos.  

Como o próprio Iema explica, se uma estação de monitoramento só tem dados válidos de medição em metade dos meses de um ano, a média anual da concentração de poluentes calculada pode não ser representativa da qualidade do ar daquela região. Esse problema pode ser mais grave se os dados que deixaram de ser coletados forem em períodos críticos ou de condições meteorológicas desfavoráveis.

Eficiência das medições chegou a zero

Cada estação de monitoramento da qualidade do ar da Grande Vitória faz mais de 8 mil análises por ano. A Gazeta calculou a eficiência delas medindo quantas dessas análises tinham resultados válidos.  Em 2018, por exemplo, quase todas as estações mostraram ter mais de 90% de eficiência, ou seja, nove em cada dez análises feitas traziam algum resultado válido. Essa capacidade de operação, porém, caiu drasticamente nos anos seguintes, chegando em 2023 a zero.

Nos três primeiros meses deste ano, não foi feita nenhuma medição válida em nenhuma das nove estações de monitoramento.  

Ainda que haja medição correta da quantidade de poeira, atualmente não é possível saber a origem do material: de indústrias, transportes ou da construção civil. 

Em 2022, só a estação do Ibes, em Vila Velha, teve medições suficientes para ter um resultado representativo. 

Poeira causa danos à saúde

Os equipamentos do sistema de monitoramento da qualidade do ar medem dois "tipos" de poeira, chamada oficialmente de material particulado (MP): as partículas inaláveis (MP10) e as partículas respiráveis (MP2,5). 

Os números na sigla se referem ao tamanho da partícula. Quanto menor, mais profundamente ela chega no sistema respiratório dos indivíduos. Estudos, alguns feitos na Grande Vitória, indicam que os efeitos do material particulado sobre a saúde incluem câncer respiratório, arteriosclerose, inflamação de pulmão, agravamento de sintomas de asma e aumento de internações hospitalares.

Em 2021, a Organização Mundial de Saúde (OMS) atualizou as recomendações de valores máximos de poluentes. No caso do MP10, é recomendado que chegue a no máximo 15µg/m3 (microgramas por metro cúbico) em média no ano. 

Em 2022, na estação de medição do Ibes, em Vila Velha — a única que teve eficiência superior a 50% naquele ano —, a média anual foi de 20µg/m3. Não há medições suficientes para analisar as demais estações. 

Já no caso da MP2,5, partícula mais perigosa por ser ainda menor, não é possível analisar os dados de 2022 porque não foi feita nenhuma medição. 

A justificativa do governo estadual

O Iema, em nota enviada para A Gazeta, admitiu que houve queda no monitoramento e disse que foram enfrentadas dificuldades na manutenção dos equipamentos.

"Alguns equipamentos deixaram de ter suporte dos fabricantes para peças de reposição, o que levou a uma redução gradativa de equipamentos disponíveis na rede e, consequentemente, redução gradual da disponibilidade de dados."

Contudo, afirmou que, desde 2022, iniciou a modernização da rede, com a reforma física das estações e instalação de novos e mais modernos equipamentos. Os novos aparelhos foram instalados entre os meses de junho e setembro de 2023. "Assim, houve um aumento significativo de dados disponíveis a partir de agosto de 2023", afirma o órgão. No entanto, esses dados recentes não estão disponíveis no site do instituto.

O Iema destaca ainda que atualmente a disponibilidade de dados é próxima a 90% e a expectativa é que seja ampliada até o fim do ano.

Após a publicação da reportagem, o Iema enviou nova nota, em que afirma que, "ao contrário do que informa a matéria, os dados de monitoramento dos novos equipamentos de PM10 e PM2,5 estão disponíveis no site até a data de 31 de outubro de 2023". No entanto, as informações somente foram atualizadas no site do órgão um dia após A Gazeta entrar em contato com o Iema, no dia 7 deste mês, apontando os fatos encontrados na avaliação dos dados e solicitando uma fonte para esclarecimentos. 

No dia 7, quando os dados foram baixados e analisados, não havia informações disponíveis sobre o monitoramento de abril a outubro deste ano. 

O Iema também faz uma distinção do tipo de poeira que poderia ser chamada como pó preto, entre material particulado e sedimentável. "O Iema ressalta que PM10 e PM2,5 e Partículas Sedimentáveis (no caso a poeira, popularmente conhecida como pó preto) se tratam de parâmetros diferentes com metodologias de medições diferentes. A informação da forma que foi veiculada misturou os dados dos parâmetros com uma análise que não condiz com a realidade. O "pó preto" é medido pela rede manual de monitoramento, e não pelos equipamentos de PM10 ou PM2,5". 

Para especialistas ouvidos pela reportagem, no entanto tanto o material particulado quanto o sedimentável podem ser chamados de pó preto. “O pó preto é um nome que existe aqui no Espírito Santo, não é um conceito científico. A diferença entre material particulado e sedimentável é o tamanho. A partícula de poeira pode maior ou menor. Quando é maior, ela ganha o nome de partícula sedimentável, porque se deposita no chão", afirma a engenheira civil Elisa Valentim Goulart, professora doutora do Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e membro do Núcleo de Estudos em Qualidade do Ar. 

Licença ambiental

A rede de monitoramento da qualidade do ar da Grande Vitória existe desde 2000. Ela é uma das condicionantes das Licenças de Instalação da Usina VII da Vale e do Alto Forno II da ArcelorMittal Tubarão. A operação e o monitoramento em si são feitos pelo Iema. 

Em 2021, foi renovado o convênio entre o Estado e as duas empresas para o financiamento do monitoramento da qualidade do ar. Como a rede já era antiga, o documento previu que as empresas fariam o investimento para atualizar os equipamentos e manter a rede funcionando. Na época, era esperado um investimento de R$ 10,8 milhões da Arcelor e R$ 9,3 milhões da Vale.

O que dizem as empresas

Demandada por A Gazeta, a Vale confirmou a assinatura da renovação do convênio em 2021. Disse também que, pelo convênio já assinado, "disponibiliza aproximadamente R$ 9,5 milhões para que o próprio Iema realize a operação e a manutenção da rede de monitoramento da Grande Vitória". 

Acrescentou ainda que "segue investindo continuamente em seus controles ambientais visando ao compromisso assumido com a sociedade capixaba". 

A ArcelorMittal Tubarão também afirmou que todas as contrapartidas previstas no convênio firmado com o órgão, objetivando a modernização da rede, têm sido cumpridas integralmente pela empresa.

"Ressalta, ainda, que este convênio firmado entre as partes é de grande importância para o Estado e a sociedade capixaba, pois permitirá melhorar o monitoramento da qualidade do ar, aumentando a disponibilidade de dados e informações para esse controle", disse a empresa em nota. 

Errata Atualização
14 de novembro de 2023 às 15:11

As informações desta matéria foram atualizadas com nova nota enviada pelo Iema e com o posicionamento de especialistas a respeito da diferença entre material particulado e poeira sedimentável. Eles afirmam que o termo "pó preto" é genérico, e não tem definição científica, e pode se referir tanto às partículas em suspensão quanto àquelas que caem no chão. 

Este vídeo pode te interessar

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais