Publicado em 11 de junho de 2024 às 19:00
O primeiro episódio de "O Jogo que Mudou a História", série que chega ao Globoplay na quinta-feira (13), tem cenas tão fortes de violência e sexo que surge a dúvida: será que as pessoas mais sensíveis terão coragem de assistir? A resposta é uma incógnita para o criador e produtor José Junior, líder do AfroReggae e responsável pela narrativa.>
Segundo ele, o intuito é impactar pela verossimilhança: "Minhas referências foram as histórias que ouvi nos presídios e nas favelas nos últimos 30 anos", diz em entrevista à Folha de S.Paulo. "Sei de histórias que não estão no Google e por isso a trama vai impactar quem assistir.">
A trama aborda como o crime organizado surgiu no Rio de Janeiro na década de 1970 e esmiúça a rivalidade entre duas facções. Após um jogo de futebol na prisão, essa briga toma proporções estratosféricas. As consequências do embate acabam influenciando a rotina de favelas que antes conviviam em harmonia, mas que passam a ficar nas mãos de criminosos.>
O elenco tem nomes como Babu Santana, Jonathan Azevedo e Ravel Andrade, mas também atores ainda pouco conhecidos no mainstream, como Pedro Wagner, Fabrício Assis e Samuel Melo. Nos bastidores, egressos do crime trabalharam como motoristas.>
>
"Eu poderia escolher rostos famosos, mas eu trabalho com alma e verdade", destaca Junior. "E outra: minha prioridade é preto e favelado na tela, do contrário eu seria do 'BrancoReggae'." Confira abaixo os principais trechos da entrevista com José Junior.>
"O Rio tem mais de 1.000 áreas conflagradas, duas dezenas de grupos armados por território. E a série fala sobre a pedra fundamental de como surgiram essas facções no final da década de 1970. Abordamos o surgimento da primeira grande guerra entre duas delas, a Falange Vermelha e o Terceiro Comando, num embate que durou 25 anos e começou após uma partida de futebol em 1983.">
"Esse projeto traz conteúdo real com pouca liberdade poética. Uma narrativa que mostra o ponto de vista do preso, do bandido, do morador da favela, do agente penitenciário. Não li livro nenhum, não vi filme, minhas referências foram as histórias que ouvi nos presídios e nas favelas nos últimos 30 anos. Sei de histórias impactantes que não estão no Google e por isso a trama vai impactar quem assistir.">
"O Globoplay fez um aporte bastante grande para a série para que houvesse o máximo de verossimilhança nas situações. Fizemos reconstrução em 3D da parte externa do presídio de Cândido Mendes, em Ilha Grande, que já havia sido implodido.">
"Temos 12 protagonistas na série e 61% do elenco é preto. Gravamos em várias favelas reais, nada de estúdio. As filmagens aconteceram em Vigário Geral, Parada de Lucas, Dique, Parque Analândia, Rocinha e Complexo da Pedreira. Já a trilha sonora foi customizada. Tem muito samba, samba rock, funk, uma pegada preta e nordestina. O 'Jogo' é uma série de sotaques, há atores paraibanos, mineiros, pernambucanos, gente com pronúncia americana. Geralmente pedem para sufocar os sotaques, mas eu quis que eles aparecessem.">
"Por fazer série do Grupo Globo, eu poderia escolher rostos famosos, mas eu trabalho com alma e verdade. Quero ter esse legado de lançar rostos novos. O Pedro Wagner é, para mim, um dos dez atores mais fodas do Brasil. E se ninguém deu oportunidade a ele antes, desculpe, foda-se, eu dei e ele me entregou mais do que eu esperava. E outra: Minha prioridade é preto e favelado na tela, do contrário eu seria do 'BrancoReggae'. Ano que vem, por exemplo, lançarei 'Verônica', série de uma advogada negra feita pela Roberta Rodrigues.">
"O Matheus Nachtergaele faria personagens gêmeos e o perdemos, pois ele não conseguiu conciliar com outro trabalho. Mas foi ele quem me ajudou a escolher quem faria o personagem. Assim, chegamos no Jailson Silva [no papel de Belmiro, irmão do líder comunitário Amarildo, de Pedro Wagner]. Eu já crio o papel e sei quem o fará. Para o Jonathan Azevedo, por exemplo, eu cheguei oferecendo o papel do traficante carismático Gilsinho. Sabia que ele não queria mais fazer criminoso, mas ele chegou em mim e disse: 'Agora eu farei 'O' bandido'. Porque não é o estereótipo do bandido convencional, é humanizado com olhar diferenciado.">
"Todo mundo tem uma opinião e acha que sabe tudo sobre segurança pública no Rio, então o mais complexo foi direcionar esses 12 protagonistas de modo que eles conseguissem conduzir a trama fugindo dos clichês. Considero meu grande mérito realmente saber enxergar o ator certo para cada história.">
"Outro dado é que gravamos em dois presídios reais: um deles foi o Bangu 1, que continua ativo e em evidência, e o outro foi o Complexo Frei Caneca, já desativado. Havia uma tensão sentida pelos atores ao gravar no Frei Caneca devido à energia do local, que continua muito pesada.">
"Cadeia é um lugar escuro por natureza, eu não podia fazer cenas mais claras. Meus diretores de fotografia e de arte foram até Bangu ver de perto os ambientes, e o que queríamos era retratar a realidade.">
"A gente gravou em áreas tidas como violentas, mas, por incrível que pareça, não tinha tensão em favelas. Só sentimos carinho, respeito e afeto. Às vezes, temos impressão ruim das periferias. Mas um dado que considero é que o bairro de Copacabana, na zona sul carioca, tem mais homicídios do que em muitas comunidades. O 'Jogo' é minha quarta série e nunca tivemos uma única ocorrência dentro de favelas.">
"O AfroReggae faz mediação de conflitos há 31 anos e circula em qualquer lugar. Temos atores nessa série que moram até hoje em favelas. Ninguém tirou mais pessoas do narcotráfico e da milícia do que a ONG. Tiramos milhares de crianças da criminalidade, sem contar o projeto Segunda Chance, dirigido à volta ao trabalho dessas pessoas. Quase todos os motoristas que trabalharam nos bastidores de 'O Jogo que Mudou a História' eram egressos do crime.">
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta