Publicado em 4 de abril de 2024 às 11:21
Margot é uma atriz idosa que toma para si a responsabilidade de cuidar do marido, outrora um escritor renomado, que agora sofre com Alzheimer. O casal passa a maior parte do dia a dia dentro de casa por causa da doença de Antônio, tendo vez ou outra a visita dos dois filhos. Essa é a premissa de "Domingo à Noite", novo filme protagonizado por Marieta Severo e Zé Carlos Machado.>
Por coincidência, a trama se assemelha um tanto com a realidade vivida por Marieta enquanto ela gravava o filme, no final de 2021. A atriz havia montado uma UTI em casa para o marido, o diretor teatral Aderbal Freire Filho, que teve um acidente vascular cerebral em 2020. Ele morreu em agosto passado.>
"Isso mexeu comigo de diversas formas, mas eu vi que era um golpe mágico da vida para me fazer viver paralelos na ficção", diz a atriz, num café em São Paulo. "Meu manancial, como atriz, são minhas memórias, histórias, emoções e vivências. Gravar o filme poderia me ajudar. A arte desempenha uma função restauradora.">
Saber que Marieta estaria no filme fez Zé Carlos Machado querer aceitar o convite para interpretar Antônio, o homem com Alzheimer. O curioso é que o ator também viu sua vida espelhada na história do seu personagem antes de dizer "sim" à produção, Zé Carlos tentava se recuperar de um caso crítico de Covid-19.>
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"Eu via a sombra, a grande sombra, se aproximar de mim. E ela é muito linda. Ela é maternal, sedutora, feminina e acolhedora. Eu falava para a sombra ainda tenho uma missão aqui, não vai me levar agora. Sinto que fui ouvido. É maluco? É maluco", diz o ator.>
Para fazer o homem que perdeu a memória, Zé Carlos diz ter pesquisado a fundo o Alzheimer. Viu documentários, conversou com médicos, trocou figurinha com conhecidos que conviveram com a doença, e assistiu a "Meu Pai", filme com o qual Anthony Hopkins levou o Oscar por interpretar um idoso com demência.>
Baseado numa peça de teatro, o filme americano também se passa quase todo em uma única locação, a casa do personagem de Hopkins, o que torna inevitável a relação com "Domingo à Noite".>
No desenrolar do longa, a Margot de Marieta descobre que também tem Alzheimer. Com isso, ela não consegue decorar as falas da cena final do filme que estava gravando, o que a faz duvidar da sua validade como atriz e também se vai conseguir seguir cuidando do marido.>
Foi inevitável traçar um paralelo com seu próprio envelhecimento, afirma Severo, que tem 77 anos. "Lido com a velhice tendo todos os cuidados, temores e alegrias de se estar viva. Claro que sempre existe aquela pergunta ai meu Deus, o que será que vai acontecer daqui a seis meses? Mas sempre tive uma relação muito positiva com a vida. De muita força, de me atracar nela. Então continuo atracada.">
Zé Carlos, por sua vez, diz estar se sentindo mais limitado aos 73. "Muita gente da minha geração está ficando doente. Já há um bom tempo eu vivencio esse universo da perda e da morte. Essa coisa que aconteceu comigo na Covid está ligada a uma percepção de que a morte não é uma coisa terrível. A gente tem que aceitar. Se resistir, fica mais difícil o combate.">
"Domingo à Noite" estreia num momento de retomada lenta do cinema brasileiro. Desde janeiro, três filmes ultrapassaram a marca de 1 milhão de espectadores, tirando o setor de um marasmo de cinco anos. No começo do ano o presidente Lula sancionou a cota de tela, que obriga exibidores a dedicarem parte da sua programação aos longas nacionais.>
"A gente está tentando. Por quatro anos destruíram nossos mecanismos, tudo o que havia de estrutura no cinema brasileiro. Agora a gente tem que ter paciência, pois ainda há pessoas dentro desses órgãos que são ligadas ao medo do pensamento livre e da criação", diz Marieta, em crítica ao governo de Jair Bolsonaro.>
Ela está satisfeita com a condução do novo ministério da Cultura sob as mãos da cantora Margareth Menezes. "Não é normal um presidente que fala em matar opositores e que seja homofóbico. Ficamos livre dessa coisa. É importante ir para um terreno de normalidade e democracia, com todas as críticas que se possa fazer A sensação era que a gente estava num terreno de destruição. Agora vamos reconstruir juntos.">
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