Publicado em 6 de outubro de 2024 às 12:00
Sam Mendes não é estranho às grandes franquias de cinema. Foi ele, afinal, quem dirigiu o que muitos consideram o melhor capítulo da saga de James Bond, "007: Operação Skyfall". Mesmo assim, o cineasta britânico não viu problema em tirar sarro desse ecossistema hollywoodiano movido mais por demandas de mercado do que por ambição artística.>
É o que ele faz sem pudores em "A Franquia", nova série da HBO. Na verdade, a ideia surgiu justamente numa conversa com o cocriador Armando Iannucci, em que lhe confidenciou algumas histórias cômicas dos bastidores de "Skyfall" e "007 Contra Spectre".>
Elas mais tarde serviriam de base para a trama que acompanha o dia a dia caótico no set de filmagem de um longa de super-herói. Ideia e roteiro são assinados ainda por Jon Brown, que virou joia da coroa depois de escrever "Succession" e cuidou de armar, em paralelo, uma disputa por poder no alto escalão do estúdio fictício Maximum.>
Realidade e fantasia se misturam enquanto frases absurdas saem da boca dos personagens que caminham pelo enorme estúdio da Warner Bros. Discovery no Reino Unido, o Leavesden. "É provável que, ao mesmo tempo em que estávamos gravando essa sátira, algum filme de herói estivesse sendo gravado ao lado", diz o ator Darren Goldstein, para quem o projeto é ácido, mas não cruel.>
>
A Warner Bros. Discovery, afinal, é dona da HBO e também da DC Studios, responsável por franquias como "Batman", "Mulher-Maravilha" e "Super-Homem", reencarnadas num ritmo exaustivo, algo que se reflete na nova série. "Parece que demos muito conteúdo aos fãs e eles se engasgaram", diz seu personagem num dos primeiros episódios, no que soa como um mea-culpa metalinguístico.>
Tudo em "A Franquia" parece ter sido milimetricamente calculado para espelhar a realidade não só da DC, mas em especial da concorrente Marvel. Controlada pela Disney, ela precisou pôr o pé no freio depois de duas décadas lançando filme atrás de filme e perceber que o público já não está mais tão disposto a pagar o ingresso para a enésima aparição de seu herói favorito nas telas.>
"Tivemos a ideia para a série há anos, quando os filmes de super-heróis estavam no auge, mas tudo ficou mais interessante quando as coisas começaram a mudar", diz Brown. "Virou uma história sobre a queda de um império, sobre uma nova geração que chega a uma corrida do ouro que praticamente acabou.">
"A Franquia" é centrado no personagem de Himesh Patel, primeiro assistente de direção do novo filme do super-herói Tecto. Como num "The Office", ele precisa lidar com situações e colegas de trabalho que beiram o nonsense, deixando para o espectador a tarefa de decidir o que é exagero e o que tem pé na realidade dos grandes estúdios americanos.>
O personagem se encarrega de massagear o ego de um protagonista bonitão e inseguro com seu talento, de amansar um coadjuvante veterano que não está feliz com os rumos da carreira, podar as ideias mirabolantes do diretor europeu e autoral equivocadamente contratado e manter tudo funcionando aos olhos dos executivos que visitam o set embora eles estejam mais interessados em vender bonequinhos.>
"É um sistema disfuncional e quebrado, mas você pode ver várias pessoas pondo seu coração e a sua alma naquele filme", diz Brown, sobre personagens vividos por nomes como Richard E. Grant, Daniel Brühl, Billy Magnussen e Katherine Waterston.>
Para o criador e diretor Sam Mendes, porém, não há crise na linha de produção de blockbusters de Hollywood, e sim uma transformação. Será uma crise quando as pessoas pararem de fato de ir ao cinema, diz. Ele acredita que, hoje, o espectador só impõe mais limites àquilo que quer ver numa telona.>
"A demanda hoje é por filmes que entreguem espetáculo, imersão, eventos, catarse e uma experiência sensorial, porque o resto você consegue ter numa tela grande na sua casa. É um cenário menos animador que há 20 anos? Para mim, é. Mas não para outras pessoas", diz Mendes, vencedor do Oscar por "Beleza Americana".>
"Alguns desses blockbusters poderiam ser melhores? Sim. Há uma maneira mais funcional de fazê-los? Sim. Mas ainda há a chance de termos algo como Pantera Negra e O Cavaleiro das Trevas para desafiar o modelo? Sim. Em resumo, se esse é o tipo de filme que queremos fazer, então vamos fazer bem, em vez de fazer qualquer porcaria.">
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta