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Entenda por que lulistas e bolsonaristas se unem contra a Lava Jato

Entenda por que lulistas e bolsonaristas se unem contra a Lava Jato

Para defender seus interesses próprios, apoiadores de Lula e do PT e defensores do presidente Jair Bolsonaro têm construído narrativas críticas em torno de um inimigo comum. A ambos interessa o fim da força-tarefa

Publicado em 31 de julho de 2020 às 15:44

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O então ministro da Justiça, Sergio Moro, no dia em que anunciou sua demissão do governo Bolsonaro
O então ministro da Justiça, Sergio Moro, no dia em que anunciou sua demissão do governo Bolsonaro. (Marcello Casal JrAgência Brasil)

Nas eleições de 2018, eles se enfrentaram nas urnas carregando discursos antagônicos. De um lado o PT, contestando as investigações promovidas pela Operação Lava Jato que levou à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De outro, a base de Jair Bolsonaro (sem partido), que enaltecia as ações da força-tarefa e fazia da política anticorrupção um projeto de governo.

Pouco tempo depois, no entanto, bolsonaristas e lulopetistas parecem ter encontrado um ponto de convergência, por mais contraditório que isso seja. Para defender interesses próprios, ambos se unem em críticas à Lava Jato e se colocam lado a lado com narrativas muito próximas contra um inimigo comum: o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro.

No pano de fundo desse movimento, o procurador-geral da República, Augusto Aras, se mostra um ator importante. Vieram dele algumas das declarações mais agressivas contra a força-tarefa, feitas na última terça-feira (28) em uma live com um grupo de advogados. 

Aras disse que a investigação é uma "caixa de segredos" e que é hora de "corrigir os rumos". Ele também tem sido o responsável por promover ações para tentar enfraquecer e centralizar as conduções de operações como esta em uma unidade do Ministério Público Federal (MPF).

A atitude de Aras, por si só, não poderia ser ignorada, já que ele é o atual procurador-geral da República. Esperava-se, neste sentido, que críticas a integrantes da instituição que faz parte não fossem trazidas assim, a público. Mas a forma como o PGR chegou ao cargo, sendo escolhido a dedo pelo presidente Bolsonaro, reforça as dúvidas sobre suas reais intenções. 

Aras não fazia parte da lista tríplice do MPF - os procuradores elegem três nomes -, mas foi indicado por Jair Bolsonaro para o cargo mesmo assim. Isso não é proibido, mas incomum e evidenciou uma relação de proximidade com o presidente.

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Aras tem mostrado um comportamento cada vez mais de aliado comprometido com os interesses do presidente. Esse compromisso do PGR com o enfraquecimento dessas frentes de investigações da Lava Janto, da tentativa de centralização dos dados, pode ser entendido como uma forma de filtrar e controlar investigações que podem chegar ao presidente e seus aliados

Michael Mohallem
Professor da FGV Direito-Rio 
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A Lava Jato é a maior iniciativa de combate à corrupção no país. Nos últimos anos, prendeu cerca de 300 pessoas, entre elas políticos importantes, donos de empreiteiras e executivos. A Operação foi por muito tempo criticada pelo PT, que acusava a força-tarefa de perseguir o partido. 

Políticos de diferentes siglas têm sido atingidos pela investigação, que recentemente teve como alvo grandes nomes do PSDB, como o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin e o senador José Serra. 

A abrangência das ações da força-tarefa tem assustado as siglas, na visão dos especialistas. Para o cientista político João Gualberto Vasconcellos muitas das críticas feitas à Lava Jato mostram um temor quanto a onde as investigações podem chegar. Por isso, a estes interessa o fim da Operação.

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A Lava Jato coloca em risco o establishment, todo o processo de corrupção que é endêmico e sistêmico. Hoje ela não assusta só o PT, mas outros partidos, e ela tem mostrado que vai atingir outros políticos

João Gualberto Vasconcelos
Cientista Político
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Talvez este seja um dos grandes medos de Bolsonaro: quem a investigação vai atingir. Principalmente agora, em um momento em que ele se aproxima do Centrão. Grande parte dos políticos investigados e presos pela Lava Jato faz parte deste grupo, conhecido por colocar em prática a velha política da troca de favores. Por causa disso, muitos são críticos da força-tarefa e veem Moro como inimigo.

O PP, por exemplo, foi um dos principais alvos da operação. E hoje é uma das siglas nas quais Bolsonaro aposta no Congresso.

Durante a campanha eleitoral e até mesmo no início do mandato, Jair Bolsonaro criticou a prática do toma-lá dá-cá e a forma como o Centrão atua. Disse que jamais faria parte dessa política. No entanto, o presidente mudou de posição e cada vez mais tem se aliado ao grupo e se distanciado do discurso de combate à corrupção para garantir apoio na Câmara. 

MORO, O INIMIGO E O CANDIDATO

Grande parte dos grupos que hoje são contra a Lava Jato têm um inimigo comum: Sergio Moro. Ele atuou como juiz por quatro anos com dedicação exclusiva à Lava Jato em Curitiba e foi o responsável por várias condenações. No caso de petistas, as críticas ao ex- juiz são antigas e se devem, sobretudo, à prisão do ex-presidente Lula.

Mas para bolsonaristas, nem sempre foi assim, pelo contrário. Moro foi  visto, por muito tempo, como um herói, associado ao suposto plano de combate à corrupção de Bolsonaro. Sua presença no Ministério da Justiça e Segurança Pública trouxe credibilidade ao governo, ao mesmo tempo que levantou ainda mais suspeitas sobre intenções político-eleitorais do então magistrado.

Conflitos entre o presidente o ex-juiz, que não conseguiu colocar seus planos em prática no ministério, começaram a dar sinais de uma possível ruptura, que foi consumada com a saída de Moro do governo. Sergio Moro não só saiu, como fez graves acusações contra Bolsonaro. Ele justificou seu pedido de demissão a tentativas do chefe do Executivo de interferir no trabalho da Polícia Federal, que conduzia investigações que envolviam os filhos do presidente.

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Com o rompimento, a política do governo passou a se voltar para dar uma freada na Lava Jato, com críticas. E quando se critica a Lava Jato, você tira um grande instrumento de recall do Moro. Falar que a investigação foi ilegal, que teve excessos, que tem segredos é uma forma de esvaziá-la. E é esse o movimento político que está sendo feito neste momento

Michael Mohallem
Professor da FGV Direito-Rio
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AMEAÇA AO PRESIDENTE

Essa tentativa de desidratar a força-tarefa é vista também como uma forma de manchar a imagem de Moro, que pode vir a ser uma ameaça política para o presidente.  Para Michael Mohallem, as críticas à Lava Jato e o impedimento do seu avanço enfraqueceriam a figura do ex-juiz numa futura candidatura à Presidência contra Bolsonaro. 

“Os bolsonaristas veem no avanço da Lava Jato o crescimento do sucesso do Moro. Hoje eles se mostram muito mais preocupados com o quanto os resultados da força-tarefa podem impactar a figura do ex-juiz em um cenário eleitoral. Moro é a grande figura da operação, um símbolo. O sucesso da Lava Jato o beneficia”, explicou.

Para João Gualberto Vasconcellos, não há dúvidas que a descredibilização dos integrantes da  Lava Jato, sejam eles procuradores ou o ex-juiz é o que aproxima as narrativas de bolsonaristas e lulopetistas. Na opinião dele, esse movimento pode ser fatal.

“É aquela máxima: inimigo do meu inimigo é meu amigo. Vejo uma aproximação dos inimigos da Lava Jato para desorganizá-la, mesmo que sejam de campos completamente opostos e até mesmo adversários políticos. Essa aliança será fatal para a operação”, comenta o cientista político João Gualberto Vasconcelos.

Apesar de apresentarem ideologias políticas diferentes e longe de se tornarem aliados, Prando pontua que o lulopetismo e o bolsonarismo se aproximam não apenas por causa de um ponto de crítica comum, mas pela forma como tratam seus adversários.

"A gente vê que mesmo sendo polos extremos na política, o lulopetismo e o bolsonarismo apresentam pontos em comum não só nesta posição contrária à força-tarefa e à figura do Moro, mas pela forma como eles veem a política como um campo de combate. Aqueles que não estão do lado deles são inimigos e o objetivo é reduzir a atuação destas pessoas para que eles saiam beneficiados", finaliza Rodrigo Prando.

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