> >
Como o ES aumentou o número de municípios desde 1900 e o que muda com pacto federativo

Como o ES aumentou o número de municípios desde 1900 e o que muda com pacto federativo

O Estado tinha 24 cidades e, hoje, tem 78. A configuração do mapa do Espírito Santo, no entanto, pode mudar em breve. Uma PEC, que tramita no Senado, quer a redução de 1.145 municípios no país. Veja a evolução do mapa do território capixaba até 2019

Publicado em 2 de dezembro de 2019 às 05:01

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Cachoeiro de Itapemirim, data não revelada. Na década de 1910, era o município mais populoso do Espírito Santo. (APES)

Vinte anos depois de sua última mudança, o mapa do Espírito Santo pode ficar diferente. A proposta de emenda constitucional (PEC) do pacto federativo pode fazer com que o município de Divino de São Lourenço, na região do Caparaó, volte a integrar alguma cidade vizinha. Com o objetivo de fundir municípios com menos de 5 mil habitantes e cuja arrecadação de seus próprios impostos não passem de 10% da receita total, a PEC trouxe de volta o debate sobre a redução do número de cidades.

A última mudança no mapa estadual foi em 1998, quando Governador Lindenberg se emancipou de Colatina, no Noroeste capixaba, dando origem à configuração atual do Espírito Santo, com 78 municípios. Mas nem sempre foi assim.

A OCUPAÇÃO DO ES E A CRIAÇÃO DE MUNICÍPIOS

Índios botocudos na margem do Rio Doce, em 1909, onde hoje é o município de Pancas. (Walter Garber/APES)

No início do século XX, o Estado contava com 24 municípios, tinha 209 mil habitantes e parte do seu território era de mata virgem, ocupado por povos indígenas. A maior parte da população se concentrava no Sul, principalmente em Cachoeiro de Itapemirim, cidade mais desenvolvida até que a própria Capital, graças aos anos dourados da cafeicultura, que durou até a década de 1960.

De acordo com o historiador e vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, Paulo Stuck, a região menos povoada do Estado era o Norte. Como a primeira ponte sobre o Rio Doce só foi construída em 1928, poucos povoados iam além da costa litorânea. A margem norte do afluente contava só com três municípios: LinharesSão Mateus e Conceição da Barra.

"Nessa época, nem mineiros, nem capixabas tinham interesse em ocupar a região do Contestado, que hoje é território de Ecoporanga, Barra de São Francisco e Água Doce do Norte. Anos mais tarde, Minas Gerais tentou anexar os territórios que iam até onde hoje é o município de Nova Venécia. Era o início dos conflitos na região. O Estado começou a mandar imigrantes para lá, com as primeiras colônias em Águia Branca e Colatina, a fim de ocupar o território e evitar que ele fosse anexado pelos mineiros", conta Stuck.

Com a chegada dos imigrantes e com o desbravamento da região, surgiram vilas que deram origem a novas cidades. No mapa político de 1950, com 34 municípios, o Norte já aparece com as cidades de Colatina e Barra de São Francisco. Também se emancipam municípios no Sul, como Castelo, Rio Novo do Sul e Muqui, que se separaram de Cachoeiro de Itapemirim, por conta da distância da sede administrativa.

FIM DOS CONFLITOS DO CONTESTADO

Cena do docudrama Cotaxés, de Adilson Vilaça, que retrata os conflitos da região do Contestado. (Reprodução)

No mapa de 1964, o Estado contava com 54 municípios. Em 1963, o então governador capixaba Francisco Lacerda de Aguiar, o Chiquinho, assina o “Acordo de Bananal” com o governador de Minas Gerais da época, José de Magalhães Pinto, colocando fim aos conflitos do Contestado.

"Isso deu origem a muitos municípios, que efetivaram seus territórios. É o caso de Nova Venécia, Mucurici, Montanha, Pinheiros e Ecoporanga. Foi o fim de um conflito armado. Havia tiroteios entre as polícias mineiras e capixabas, em meio às disputas locais. Em Ecoporanga ficou conhecido um movimento separatista que muitos comparam a Canudos, de Antônio Conselheiro. Um sujeito chamado Udelino de Matos, que tentou criar o Estado União de Jeová, mas que não durou muito tempo", explica o historiador.

OS FUNDOS CONSTITUCIONAIS E O BOOM DE MUNICÍPIOS

Encerramento das votações da nova carta constitucional, em 1988. (Senado Federal)

Com a criação da Constituição Federal de 1988 e a garantia de transferências da União para os municípios, um grande número de localidades começaram a se emancipar. No Estado, somente em 1988 foram criados nove municípios, entre eles Vargem Alta, Venda Nova do Imigrante e Santa Maria de Jetibá.

"Esse boom de municípios se deu muito por um interesse político de caciques locais, que transformaram distritos em municípios, com o objetivo de se tornarem prefeitos e vereadores. Muitos deles não são viáveis, têm arrecadação mínima e vivem, basicamente, de suprir os salários das pessoas que trabalham na administração municipal", afirma Paulo Stuck.

REDUZIR OU NÃO REDUZIR?

O debate sobre a quantidade de municípios no país não é algo exclusivo dos brasileiros. O processo de redução do número de cidades, com suas prefeituras e câmaras, também está em voga em Portugal, onde desde 2011 já se reduziu 1.168 freguesias, como os municípios são chamados por lá.

Desde o início de novembro, a PEC do pacto federativo já tramita no Senado brasileiro, sobre a relatoria do senador Marcio Bittar (MDB). O diretor da Secretaria Especial da Fazenda, Bruno Funchal, explica que a proposta é que, em 2023, com os dados do novo Censo Demográfico e da arrecadação municipal do período, se elabore uma lista de municípios que não atingirem o mínimo de 5 mil habitantes e 10% da receita oriunda de arrecadação própria, como o IPTU, ITBI e outras taxas municipais. Se a regra fosse colocada em prática hoje,  1.257 municípios estariam na berlinda.

Economista Bruno Funchal, diretor da Secretaria Especial de Fazenda, do Ministério da Economia. (Leonardo Duarte/Secom-ES)

"O Espírito Santo não sofrerá um grande impacto com a medida. Ela vale mais para os Estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que têm até 40% dos municípios dentro dessas condições. Existe município que abre a mão de arrecadação para viver das transferências constitucionais. Com a proposta sendo debatida, os gestores vão correr atrás de cobrar o IPTU e reduzir as despesas, o número de vereadores e de secretários. Nos municípios pequenos, com populações menores, de 1 mil habitantes, os moradores acabam recebendo, proporcionalmente, mais recursos federais e estaduais do que em municípios maiores, onde se contribui mais", argumenta.

Para os prefeitos, a proposta de redução de municípios é uma solução que não resolve a má distribuição dos recursos públicos. Presidente da Associação dos Municípios do Espírito Santo (Amunes) e prefeito de Viana, Gilson Daniel (Podemos) defende que o tema principal a ser discutido no pacto federativo é a repartição da arrecadação.

Este vídeo pode te interessar

"Os municípios estão mais próximos das pessoas, é onde elas vão procurar os serviços de educação, saúde e infraestrutura. No entanto, a maior parte dos recursos vai para a União. Os municípios menores levam estes serviços para populações que estão mais distantes das sedes administrativas. É claro que existem alguns distritos que não deveriam ser municípios, mas isto não é regra. Para mim, essa proposta (de redução de municípios) é um grande bode colocado na sala. O governo dá algo polêmico que pode ser negociado e até retirado do pacto federativo, sem discutir o que realmente importa", argumenta.

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais