> >
Racismo: revitimização e impunidade levam a subnotificação de casos no ES

Racismo: revitimização e impunidade levam a subnotificação de casos no ES

Espírito Santo teve 56 registros de boletins de ocorrência neste ano e 140 no ano passado referentes a injúria racial e racismo, mas especialistas alertam que o número de casos é bem maior

Publicado em 13 de julho de 2023 às 15:33

Ícone - Tempo de Leitura 3min de leitura
Sara Oliveira
Repórter / [email protected]

O Espírito Santo registrou 56 casos de crimes de racismo e injúria racial em 2023, até o mês de maio, e 140 casos ao longo de todo o ano passado, conforme o número de boletins de ocorrência registrados junto à polícia. Os dados são da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Sesp). Especialistas ouvidas por A Gazeta apontam que existe subnotificação dos casos – que, na prática, são bem maiores – e atribuem isso à descrença das vítimas em relação à reposta da Justiça e à aflição de reviver a dor do que passou ao sofrer o crime.

Especialista em Direito Antidiscriminatório e, infelizmente, acostumada a lidar com casos desse tipo de crime, a advogada Fayda Belo afirma que a descrença na punição de quem pratica o racismo desmotiva as vítimas a irem a uma delegacia registrar queixa do crime.

Aspas de citação

Um exemplo prático: de quantos boletins de ocorrência de injúria racial ou racismo vemos sentença? [...] Essa ausência de resposta jurídica faz com que as pessoas desanimem de denunciar

Fayda Belo
Advogada especialista em Direito Antidiscriminatório.
Aspas de citação

Para Fayda, a subnotificação dos casos de racismo também é reforçada pela própria intimidação das vítimas. “Muitas pessoas negras foram educadas no sentido de relevar atitudes discriminatórias, em decorrência da herança escravocrata e, por isso, também acabam não denunciando”, explica.

A Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social do Espírito Santo (Sesp) informou que os dados são baseados em registros de boletim de ocorrência feitos pelas próprias vítimas, e, assim que há o registro, as investigações são iniciadas. Os dados incluem crimes de racismo e injúria racial, já que a secretaria não tem uma separação entre os dois tipos de registros.

Na última semana, a família de uma adolescente de Vargem Alta denunciou ataques sofridos pela estudante em sala de aula. Conforme os relatos, a estudante era chamada de “macaca” por colegas de classe, que se recusavam a sentar perto da menina. Além da Polícia Civil, que informou que investiga o caso, o Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) instaurou um procedimento para apurar as responsabilidades na ocorrência.

Racismo/Agência Brasil
Segundo a Sesp, 140 casos de racismo foram registrados em todo o Espírito Santo no ano passado e 56 neste ano. (Marcello Casal/Agência Brasil)

Em Cachoeiro, a Câmara Municipal conta com uma Ouvidoria Racial, que, entre outras funções, tem o objetivo de acompanhar as denúncias de discriminação com base em etnia, raça e/ou cor. Este ano, até o mês de julho, nenhuma denúncia foi recebida pelo órgão, que foi criado em 2006. Procurada pela reportagem de A Gazeta, a ouvidoria não tinha informações sobre o número de denúncias recebidas desde que o órgão foi fundado.

Revitimização e naturalização dos casos

Coordenadora do Movimento Negro Unificado no Espírito Santo (MNU-ES), Vanda de Souza Vieira acredita que, além da naturalização de atos discriminatórios, muitas vezes quem sofre algum tipo de ataque se sente novamente vitimizado no momento de fazer a denúncia. “É muito dolorido para quem vive o ato racista ter que ficar relembrando. Essas pessoas ficam com marcas profundas dessas experiências, isso quando sobrevivem a elas”, ressalta.

De acordo com a Sesp, no Espírito Santo a Polícia Civil possui um Núcleo Especializado que apura esses tipos de crimes e, dependendo da situação, o caso é apurado pela unidade local. Porém, para quem vê inúmeros casos todos os dias, é preciso se criar mecanismos de acompanhamento dessas ocorrências.

“É preciso se perguntar quais são os resultados dessas denúncias, qual foi a finalização desses casos? Alguém foi preso? Alguém que foi multado? Alguém que teve que passar por alguma penalização? Porque as vítimas estão humilhadas e constrangidas até hoje”, questiona Vanda.

Racismo x Injúria racial: entenda a diferença

- Injúria racial: é a ofensa dirigida a uma pessoa ou a um grupo individualizado, se valendo de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem.

- Racismo: previsto na Lei n. 7.716/1989, é quando a conduta discriminatória é dirigida a determinado grupo ou coletividade, sendo impossível a individualização.

*Com a Lei 14.532, de 2023, crimes de injúria racial passaram a ser equiparados ao de racismo, passando a ser inafiançáveis, imprescritíveis e punidas com prisão de 2 a 5 anos.

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais