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Que fim levou o caso da mulher morta em sequestro-relâmpago na Serra?

Que fim levou o caso da mulher morta em sequestro-relâmpago na Serra?

Os quatro policiais acusados pela morte de Maria da Penha Auer devem ir à juri popular. Eles aguardam o andamento do processo em liberdade

Publicado em 5 de julho de 2018 às 12:32

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Carro em que Maria da Penha Auer estava no dia em que morreu foi atingido por tiros disparados por PMs. (Carlos Alberto Silva/Arquivo)

"O pouco de confiança que a gente tinha na polícia, hoje nós já não temos mais." A frase é de quem teve a família marcada por uma tragédia, e a rotina completamente alterada desde então. Há cinco anos, Rivelino Auer, de 41 anos, convive com a dor e saudade da irmã Maria da Penha, morta em abril de 2013, quando voltava para casa, na companhia do marido, depois de um dia de trabalho. O carro em que o casal estava foi abordado por três assaltantes. O marido foi amarrado no banco de trás do veículo e Maria colocada dentro do porta-malas. Durante a perseguição policial, tiros disparados pelos militares perfuraram a porta traseira e mataram Maria da Penha.

Maria da Penha era a única mulher ao lado de seis irmãos. Os almoços de domingo em família nunca mais foram os mesmos. Mãe de gêmeas, ela não viu as filhas - hoje com 22 anos - se formarem na faculdade, nem conseguirem o primeiro emprego. Também não esteve no casamento de uma delas. O marido, viúvo, preferiu vender a casa onde viveu com Maria da Penha por cerca de 20 anos e, desde então, não voltou a se relacionar com outra pessoa. A família, que ainda teve que conviver com a morte de outro irmão nesse meio tempo, tem buscado conforto na fé.

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A gente era uma família de seis homens e uma mulher, ela era o xodó da minha mãe. E da forma que foi, até hoje a gente sente muito. Todo domingo minha irmã estava com ela, ajudando no almoço, hoje a gente se pega sem ela lá, vem a lembrança e é minha mãe, com 72 anos, que conforta toda a família. Minha mãe tem muita fé, a gente busca forças nela. Um ano e pouco atrás perdemos outro irmão, por problema de saúde, e a gente ainda estava tentando se levantar. Dá uma sensação de revolta, junto com a dor da perda, é muito difícil.

Rivelino Auer, irmão de Maria da Penha
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Em agosto do ano passado, a Justiça determinou que os quatro policiais militares acusados pela morte de Maria da Penha devem ir à juri popular. A defesa tenta recorrer da decisão, enquanto Emanoel Nascimento, Jailton Mendes de Oliveira, Gibson dos Santos Junior e Álvaro Martins Neto aguardam o andamento do caso em liberdade. O julgamento ainda não tem data para acontecer.

"Os denunciados já cientes de que haviam vítimas sequestradas a bordo do citado veículo, através das informações repassadas via Ciodes, ao efetuarem vários disparos em direção ao veículo, assumiram integralmente o risco, causando o óbito da vítima Maria da Penha Auer, que estava localizada no porta-malas do automóvel", diz a decisão da juíza Daniela Pellegrino Nemer, ao justificar o pedido por um juri popular.

Maria da Penha Auer, morta em 2013 dentro do porta-malas do carro. (Arquivo/Nestor Muller)

Para a família de Maria da Penha, ficam a sensação de insegurança e o desejo de que os culpados não permaneçam em liberdade.

"A gente nunca foi de andar pela rua de madrugada, de sair muito, e depois disso a rotina mudou muito. Temos que nos precaver ainda mais agora. A nossa polícia é despreparada. No caso da minha irmã, não foi feito o procedimento normal, fizeram uma lambança. O pouco de confiança que a gente tinha na nossa polícia, nós já não temos mais. A sociedade acompanhou o caso e espera resposta. A gente espera que eles paguem pelo que fizeram", afirma o irmão.

ASSALTANTE TAMBÉM FOI MORTO

Os quatro policias também são acusados de desviarem a rota da viatura logo após a prisão dos bandidos, com o objetivo de executá-los. Dados do GPS (aparelho de rastreamento) da viatura que fez o atendimento e ligações de moradores da Serra à polícia apontam que os policiais pararam em uma rua deserta às margens da BR 101 Norte, de onde foram ouvidos cerca de dez disparos. Um dos criminosos envolvidos no sequestro, Warley Clarindo Nascimento, o Mimi, foi morto

À Justiça, Maycon Correa Moraes, um dos bandidos envolvidos no crime, contou como tudo aconteceu. "Foram muitos disparos. Durante toda a perseguição eles (policiais) dispararam muito. Dois policiais levaram (ele) e o Mimi para um local deserto. Atiraram em Mimi, eu saí correndo e atiraram nas minhas costas", declarou Maycon em juízo.

Também à Justiça, o marido de Maria da Penha, Geovani Rui de Oliveira, declarou que "os disparos foram efetuados na direção do porta-malas do veículo" e que "não viu qualquer tiro sendo desferido por qualquer pessoa de dentro de seu veículo".

Sobre a morte de Maria da Penha, Emanoel Nascimento, Jailton Mendes de Oliveira, Gibson dos Santos Junior e Álvaro Martins Neto são acusados de homicídio doloso, quando se assume o risco pela morte. Os militares também são acusados de homicídio qualificado com relação a Warley Clarindo Nascimento, e por tentativa de homicídio com relação a Maycon Correa Moraes.

O CASO

Gerente de um supermercado em Cariacica, Maria da Penha Auer foi morta na noite de 29 de abril de 2013, depois de ser sequestrada por três bandidos e colocada dentro do porta-malas do carro. Como de costume, o marido foi buscá-la no trabalho e na volta para casa, por volta das 20 horas, o casal foi abordado em um semáforo na saída do bairro Civit, na Serra.

O casal foi levado até uma estrada de chão, entre os bairros Divinópolis e São Marcos. No local, o marido tentou negociar a liberação da esposa, mas os suspeitos perceberam a aproximação da polícia e o colocaram, novamente, no carro e fugiram. Neste momento, começou a troca de tiros. A perseguição continuou até a Rua Elisio Miranda, no bairro Nossa Senhora da Conceição, ainda na Serra, quando o suspeito perdeu o controle do carro e bateu.

Na época, Geovani Rui de Oliveira chegou a criticar a ação da polícia. “Colocaram minha esposa dentro do porta-malas e me amarraram para eu não reagir. Eu só pensava em proteger ela. A polícia podia ter emparelhado o carro e segurado, sem dar tiros. Mas houve essa troca de tiros, que acertou a minha esposa”, disse na ocasião.

Em novembro de 2013, sete meses após o crime, os policias tentaram, sem sucesso, que o caso fosse transferido para a Justiça Militar.

Em junho de 2014, a juíza Letícia Maia Saúde, da 2ª Vara Criminal de Serra, condenou Maycon Correa Moraes a 25 anos de prisão. Já os quatro militares, aguardam o julgamento em liberdade. O juri popular ainda não foi marcado.

POLICIAIS ESTÃO APOSENTADOS

Por nota, a Polícia Militar informou que os quatro policiais acusados pelo crime estão aposentados. "O sargento, comandante da equipe, está na reserva remunerada (aposentadoria por tempo de serviço), enquanto os outros três, um cabo e dois soldados, aposentaram-se por incapacidade médica definitiva".

Mesmo aposentados, a PM informou que eles respondem administrativamente a processos de "natureza demissionária".

Veja a nota na íntegra:

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"A Polícia Militar informa que o fato ocorrido em abril de 2013 deu origem a um Inquérito Policial Militar (IPM) com o objetivo de apuração dos fatos, tendo o encarregado do procedimento concluído pela existência de indícios de crime de natureza militar. Os autos foram, à época, encaminhados à Auditoria de Justiça Militar (AJM) e, de lá, à 3ª Vara Criminal da Serra, onde segue seu trâmite em 1ª instância. Dos militares envolvidos naquela ocorrência, o sargento, comandante da equipe, está na reserva remunerada (aposentadoria por tempo de serviço), enquanto os outros três, um cabo e dois soldados, aposentaram-se por incapacidade médica definitiva. Além do processo judicial, administrativamente os militares respondem a processos de natureza demissionária: ao sargento e ao cabo foi aberto o processo denominado “Conselho de Disciplina”, enquanto os demais respondem Processo Administrativo Disciplinar de Rito Ordinário (PAD-RO)."

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