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PM do ES abre processo contra militar que participou de atos anti-Bolsonaro

PM do ES abre processo contra militar que participou de atos anti-Bolsonaro

Fotos do capitão da PM em manifestações contra o presidente e postagens em redes sociais foram anexadas ao processo aberto pela Corregedoria. Especialistas veem "exagero" no procedimento e argumentam liberdade de expressão

Publicado em 17 de agosto de 2021 às 19:48

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Capitão da PM Vinícius Sousa participa de ato contra o presidente Jair Bolsonaro em Vitória
Policial Vinícius Sousa em ato contra o presidente Jair Bolsonaro em Vitória. (Reprodução)
Rafael Silva
Repórter de Política / [email protected]

A Corregedoria da Polícia Militar do Espírito Santo abriu um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra o capitão Vinícius de Sousa, que atua em Cachoeiro de Itapemirim, para apurar suposta infração disciplinar após o militar ter participado de atos contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A Gazeta teve acesso ao procedimento, que investiga supostos atos de indisciplina por Sousa "conspurcar (ou manchar) a corporação", ter "atentado contra a hierarquia" e "participado de manifestação criticando autoridade militar ou civil com termos ofensivos". Apesar de não citar claramente Bolsonaro, constam nos autos do PAD fotos do militar em protestos contra o presidente.

Sousa é membro do "Movimento Policiais Antifascismo" e nega as acusações. Segundo ele, sua participação em atos contra Bolsonaro não feriu o Código de Ética Militar, já que a Constituição Federal assegura que militares podem opinar politicamente, desde que não façam defesa político-partidária.

"Eu respeito tanto o meu direito de me manifestar contra os atos do presidente, quanto o direito dos policiais que o apoiam. Ao meu ver, a instituição está seguindo de uma maneira ideológica, são dois pesos e duas medidas. Há policiais que estão nas redes sociais e nas ruas defendendo atos antidemocráticos, pedindo o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF), defendendo a tortura e a instituição não faz nada contra isso, mas adota uma postura contra mim, por ser de esquerda", afirma o capitão da PM.

Capitão Sousa participou das eleições de 2020 como vice na chapa da candidata a prefeita de Cachoeiro de Itapemirim Joana Darck (PT). O militar, assim como outros servidores públicos efetivos que disputaram as eleições, tiraram licença política e ficaram inativos durante o pleito, retornando às atividades após a eleição. Sousa concorreu pelo partido Rede Sustentabilidade, mas não está mais filiado.

O processo administrativo contra Sousa cita postagens no Facebook do policial "não condizentes a disciplina militar". Em uma das postagens, Sousa descreve uma reunião em que foi ouvido pelo deputado federal Helder Salomão (PT) e pela deputada estadual Iriny Lopes (PT) sobre as suas posições.

Publicação do capitão da PM Vinícius Sousa que foi anexada ao processo movido pela Corregedoria da PM. (Reprodução)

"Os deputados Helder Salomão e Iriny Lopes vieram a Cachoeiro conversar conosco. Ouviram nossas posições dialogaram sobre como o presidente Lula resolveu o problema do desemprego, aumentou o salário, melhorou a economia e a vida das pessoas. O Brasil tem solução. Obrigado aos deputados, à executiva municipal do PT e a todos os presentes. É fim de semana, mas não tem descanso para essa galera", escreveu na postagem, no dia 12 de julho, anexada ao processo.

Também foi incluído no processo contra o capitão uma foto utilizada por Sousa na página do seu Facebook em que são exibidas faixas do Movimento Policiais Antifascismo. "Repito a fala do Boulos: não dá para olhar passivamente o Brasil sangrar até 2022 perdendo vidas à espera das eleições", escreveu o militar.

Publicação do Capitão Sousa, da PM, está sendo investigada pela Corregedoria da PM
Publicação do Capitão Sousa, da PM, está sendo investigada pela Corregedoria da PM. (Reprodução)

Em um vídeo que é sinalizado no WhatsApp como “compartilhado com frequência”, o Capitão Sousa discursa em um trio elétrico, que traz bandeiras da Central Única dos Trabalhadores (CUT), da União Nacional dos Estudantes (UNE), da Intersindical e do PT.

“Eu sou o Capitão Sousa, do movimento de policiais antifascismo, não falo, não falo em nome da corporação. Falo em nome do movimento de policiais antifascismo, como categoria de trabalhadores e como os demais trabalhadores…”, cita o vídeo, que é cortado aos 22 segundos, antes que o militar completasse sua frase.

O QUE DIZ A POLÍCIA

Em nota, a Polícia Militar informou que a Constituição Estadual veda o militar de ser filiado a partido político, bem como exercer atividade político-partidária. Na mesma toada, argumenta que no Estatuto dos Militares Estaduais e no Código de Ética e Disciplina dos Militares é vedada a manifestação individual ou coletiva quando a criticas a autoridades militar ou civil com termos ofensivos, pejorativos ou desrespeitosos.

"No caso específico, houve uma comunicação de fato contendo indícios de infração disciplinar, que estão sendo apuradas, em tempo regulamentar, e de acordo com as normativas mencionadas através do devido Processo Administrativo Disciplinar já instaurado. O militar neste procedimento terá a oportunidade de apresentar sua defesa e o contraditório", escreveu, em nota, a PM.

Questionada se outros militares também estão sofrendo processos administrativos por participarem de manifestações políticas, a PM não respondeu.

ESPECIALISTAS VEEM ‘EXAGERO’ POR PARTE DA PMES

Para o advogado criminalista Fabrício Campos, que atua em processos envolvendo militares, há um certo exagero em considerar as manifestações do militar como atos de indisciplina. Segundo ele, há um entendimento de que o que é vedado aos policiais é a participação de atos político-partidários. Segundo o advogado, ainda que ele tenha sido fotografado ao lado de outros políticos com mandato, isso não significa que tenha participado de atividades partidárias.

“Se é uma manifestação genérica, em favor da ordem constitucional, ou um posicionamento dele, para mim está dentro da legalidade. Na minha opinião, é um pouco exagerado falar em ato de infração disciplinar. O limite das manifestações é a partir do momento em que se defende um partido. Independentemente, de ser contra o presidente, ele tem o direito de se manifestar. Assim como outros também tem o direito de apoiar e também não devem, por isso, ser alvo de processo administrativo”, analisa.

Especialista em criminologia, o advogado Flavio Fabiano, que também atua em processos que envolvem policiais, acredita que não houve infração. Ele pontua que a Constituição Estadual veda ações político-partidárias, mas é omissa quanto às demais manifestações.

“A administração pública está vinculada ao princípio da legalidade, se não há ordem proibindo, não há de se falar em infração disciplinar. Ele não praticou atividade político-partidária. Ali foi um ato democrático por parte dele, não pendeu politicamente a ninguém, mas sim ao Estado Democrático de Direito”, pontua Fabiano.

MOVIMENTO DE POLICIAIS CRITICA PAD

Em nota de solidariedade publicada nas redes sociais, o Movimento Policiais Antifascismo do Espírito Santo (PAF-ES) disse que a apuração aberta pela Corregedoria é um ato de "perseguição política" e defendeu o direito de opinião do policial.

"A Constituição Cidadã de 1988 assegura o pleno direito à opinião, manifestação e expressão de todos os brasileiros - militares e civis", diz um trecho da nota. Veja o post:

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