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Acidente com bobina: as duas empresas podem ser responsabilizadas

Acidente com bobina: as duas empresas podem ser responsabilizadas

Diante da contradição entre o que é divulgado pelas empresas, surge o questionamento: juridicamente, haveria uma única responsável pelo acidente ou as duas teriam participação na repercussão criminal pela morte de professor?

Publicado em 10 de outubro de 2019 às 21:07

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Bonina cai de carreta, atinge e mata motocilista em Vila Velha. (Elis Carvalho)

De quem é a culpa pela morte do professor atingido por uma bobina que caiu de carreta, em Vila Velha, nesta quarta-feira (9)? Segundo a perícia da Polícia Civil, das oito bobinas que o veículo transportava, cinco estavam soltas e três com amarrações irregulares. Foi até identificado por peritos o uso de fita plástica em algumas delas.

A empresa dona da carreta, Ramos & Ramos, alega que só fazia o transporte, e que o carregamento das bobinas havia sido feito pela empresa contratante pelo serviço, a Prysmian. O motorista fez bafômetro, que deu negativo, foi levado para a Delegacia Regional de Vila Velha, onde foi ouvido pelo delegado e liberado. Por sua vez, a Prysmian diz que contratou a Ramos & Ramos para manuseio, carga, amarração e transporte.

Diante da contradição entre o que é divulgado pelas empresas, surge o questionamento: juridicamente, haveria uma única responsável pelo acidente ou as duas empresas teriam participação na repercussão criminal decorrente da morte do professor? Caberia às duas indenizar a família da vítima?

A Gazeta conversou com especialistas, que enfatizam a necessidade de uma perícia completa — essa que vai apontar ou não a culpabilidade das envolvidas, mas que é possível, juridicamente falando, uma culpa compartilhada.

Trabalho da perícia em carreta com bobina que provocou acidente em Vila Velha. (Elis Carvalho)

O HOMICÍDIO

De acordo com o advogado criminalista e professor de Direito Penal Elcio Cardozo Miguel, as pessoas que atuaram para a realização do transporte podem ser responsabilizadas. “As empresas em si não têm responsabilidade criminal, mas apenas pessoas físicas, ou seja, os funcionários e proprietários das empresas. Nesse caso, cabe analisar se houve observância de normas técnicas para prender as bobinas e se o motorista agiu com culpa ou não”, iniciou.

“A Ramos & Ramos, dona da carreta, deveria supervisionar o transporte. Sobre o motorista, deve-se observar se ele tinha conhecimento das normas desse tipo de transporte, para saber se ele responde por crime ou não. A função dele é aparentemente de dirigir, então é preciso saber se outra pessoa de fato prendeu a carga e como fez. A perícia completa responderá quem era o responsável por amarrar a carga, se a empresa passou as informações corretas para os funcionários e se estes executores da função não cumpriram com o que foi passado, por exemplo”.

No mesmo sentido, o advogado criminalista Ludgero Liberato, também professor de Direito Penal, completou que a responsabilidade pelas causas que levaram à morte do professor de História é considerada de forma ampla, de modo que toda e qualquer pessoa que tenha contribuído de alguma forma para o resultado trágico pode responder criminalmente.

“O mais importante deve ser o exame pericial para relatar as causas. Não necessariamente o fato de as bobinas estarem amarradas de forma irregular levam ao resultado obtido, é preciso analisar o ‘nexo de causalidade’ para demonstrar que a morte realmente ocorreu por conta disso. Ainda que a empresa dona da carreta tivesse o dever de vigiar a carga, só com a perícia determinando que houve irregularidade como fator determinante para o caso, é que poderia ser aferida a participação da Ramos & Ramos para o crime. Antes de a perícia concluir as causas, é prematuro apontar qualquer responsabilização”.

Bobina cai de carreta e mata motociclista em Vila Velha. (Elis Carvalho | A Gazeta)

A POSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO

Além dos aspectos criminais, que podem levar os responsabilizados a uma pena de detenção, como, por exemplo, se for o caso de “homicídio culposo na direção de veículo automotor”, infração prevista no artigo 302 do Código de Trânsito, existem também variáveis a serem consideradas para determinar quem seria o responsável por indenizar a família da vítima do grave acidente.

Sobre o assunto, o especialista em Direito Civil Rohan Bastos afirmou que deverá ser analisado o contrato entre a transportadora e a empresa responsável pelas bobinas. “Dependerá de perícia para saber o real motivo do acidente, já que a responsabilidade civil seria medida de acordo com a participação de cada envolvido. Deve ser verificado se o equipamento de segurança estava vencido, por exemplo, se as amarras estiveram mesmo fora da regulamentação prevista, entre outros aspectos”, ponderou.

“Haveria responsabilidade pela transportadora no sentido de que se ela faz o transporte, tem dever de observar as normas de segurança, não aceitando condições indevidas. Se ela não tinha condições de fazer o transporte, teria o dever de não aceitar o serviço, consequentemente”.

Segundo o advogado, a reparação civil observará os danos relativos à perda de uma vida, bem como se dessa morte resultou a ausência do provedor do sustento da família. “Buscando entender o lado da empresa dona das bobinas, vejo a necessidade de analisar o contrato para saber o que previa. Por exemplo: se a terceirizada deixou no pátio uma quantidade de bobinas, com orientação de transportar menos por viagem e a transportadora ultrapassou, nesse caso a terceirizada não teria responsabilidade. Por isso que é necessário observar com cuidado o caso, não se trata de uma fórmula matemática”, concluiu.

Professor Mauro, que morreu após ser atingido por bobina em Vila Velha. (Redes sociais)

“ATIVIDADE DE RISCO INERENTE”

Para o jurista Rodrigo Mazzei, advogado e professor de Direito Civil, o caso pode apresentar um diferencial: o de envolver uma atividade de ‘risco inerente’. “O que eu acho, a princípio, é que esta atividade de transporte de materiais não é uma atividade de transporte comum, ela demanda cautela específica, já que naturalmente implica em algo que causa risco a outras pessoas, ou seja, é algo extremamente perigoso. Isso significa dizer que todos os agentes envolvidos deviam ter muito mais zelo que em outras atividades do dia a dia”, ressaltou.

“Neste viés, acho difícil que a culpa seja só da terceirizada. O próprio transportador carrega algo em situação especial, cabendo a ele aferir se a forma que a bobina foi colocada é correta ou não, sendo que o adequado é não sair com o veículo até que tudo esteja certo. No máximo, o que vai acontecer é a transportadora responder perante o professor e depois terá a possibilidade de entrar com ação contra a Prysmian. Mas, o que eu acho, em relação à vítima, é que não dá para eliminar a culpa da transportadora. Apesar de tudo, é difícil verificar isso de fora. A prova que será feita será extremamente importante, fundamental”.

Alunos da Escola Municipal Gil Bernardes, em Alvorada, Vila Velha, homenagearam o professor Mauro Celso Azevedo Guimarães. (Caique Verli)

Nesse caso específico, o professor vislumbra inclusive a possibilidade de responsabilidade objetiva pelas empresas, ou seja, independente de intenção ou mesmo de culpa dos participantes no acidente. “Para isso considerei o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, que diz que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outras pessoas”, completou.

Acidente com bobina - as duas empresas podem ser responsabilizadas

Apesar desta análise, Mazzei sugere que outros aspectos serão também levados em conta, como o nível de participação do proprietário das bobinas, se ele é responsável pela locação, quem foi a pessoa que efetivamente as posicionou na carreta e se quem as carregou teria condições de verificar se a forma era a correta.

“Por exemplo, no caso de granito, em uma carreta que não é minha, mas que uso para transportar sem observar as normas técnicas, terei responsabilidade. Se contrato uma carreta que não é adequada, tenho responsabilidade também. Seria então necessário conhecer a forma de contratação entre as empresas e o que houve de fato na prática. Uma outra hipótese seria, por exemplo, a contratação de um transporte mais barato e menos seguro, o que levaria ao fato de que os responsáveis pelo dano seriam tanto quem assumiu o risco de fazer o transporte, quanto o proprietário da carga, em culpa conjunta, podendo haver condenação das duas a indenizar”, finalizou.

O QUE DIZEM AS EMPRESAS

A Ramos & Ramos foi procurada pela TV Gazeta nesta quinta-feira (10) mas os portões foram fechados e ninguém quis falar com a reportagem. Na quarta (9), em depoimento à polícia, o motorista da carreta, Gilson Antônio Pena, disse que é contratado pela Ramos & Ramos, mas que não foi ele quem colocou as bobinas no veículo, e que o material havia sido amarrado pela empresa contratante, a Prysmian.

A Prysmian nega a informação e diz que contratou a Ramos & Ramos  para manuseio, carga, amarração e transporte. Veja nota na íntegra:

O Grupo Prysmian lamenta profundamente o acidente ocorrido no dia de ontem no bairro de São Torquato, em Vila Velha-ES, em que o desprendimento da carga de uma carreta da empresa transportadora Ramos & Ramos, contratada para o transporte de Bobinas de sua propriedade, levou ao falecimento do Sr Mauro Guimarães.

Além de se solidarizar profundamente com os familiares da vítima, o Grupo Prysmian se empenhará em colaborar com os órgãos públicos no trabalho de apuração das circunstâncias do ocorrido.

A Prysmian contrata transportadoras experientes do mercado de transporte de cargas, cumprindo aos profissionais destas empresas atuarem para garantir a correta estabilidade da carga que transportam, nos termos das normas regulamentadoras aplicáveis.

Esclarecemos que a transportadora foi contratada pelo Grupo Prysmian para manuseio, carga, amarração e transporte.

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