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Vitória libera pesca assistida e recebe críticas de Ibama e biólogos

Vitória libera pesca assistida e recebe críticas de Ibama e biólogos

Pescadores terão que permanecer ao lado da rede durante a pescaria, mas ambientalistas questionam se o município vai ter capacidade para fiscalizar

Publicado em 30 de agosto de 2023 às 18:54

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Baleia jubarte avistada na Baía das Tartarugas, em Vitória
Em 2018, uma baleia jubarte entrou na Baía das Tartarugas, em Vitória. (Karen Bof/Projeto Amigos da Jubarte)

Prefeitura de Vitória sancionou uma nova lei que regulamenta a pesca assistida na Baía de Vitória, no trecho compreendido entre a Terceira Ponte, na Enseada do Suá, à Ilha das Caieiras. A medida revoga uma legislação de 2017 que proibia a atuação de pescadores nesse trecho litorâneo e a três milhas náuticas a partir do Porto de Tubarão, gerando questionamentos sobre possíveis impactos na vida de animais marinhos, como tartarugas, e na capacidade de fiscalização do município. 

A repercussão nas redes sociais foi imediata, com muitos moradores da Capital citando a existência da Baía das Tartarugas, uma Área de Proteção Ambiental (APA) estabelecida em 2018 pela prefeitura, visando a preservar a vida marinha em todo o trecho litorâneo compreendido entre a Terceira Ponte e o Porto de Tubarão, incluindo as ilhas do Boi e do Frade.

Essa área, primeira e única unidade de proteção marinha de Vitória, com 1.685,47 hectares, é administrada por um conselho gestor composto por integrantes de órgãos ambientais, sociedade civil e empresarial.

Área de protenção ambiental é conhecida como Baía das Tartarugas, no ES
Área de Proteção Ambiental (APA) é conhecida como Baía das Tartarugas. (Reprodução | TV Gazeta)

Com a lei homologada, o município publicou uma portaria nesta quarta-feira (30), informando quais os documentos e os formatos de barcos e redes necessários para atuar na Baía de Vitória. Só após apresentar o Registro Geral da Pesca (RGP) e receber a autorização, será possível voltar a pescar.

“Isso não significa que todo mundo vai poder colocar uma rede na água. Vai ter um cadastro municipal, vamos saber quem está pescando e a nossa fiscalização será diuturna para verificar o atendimento a essas novas regras”, afirmou o secretário municipal de Meio Ambiente, Tarcísio José Föeger, à reportagem de A Gazeta.

O que é pesca assistida? 

Conforme explicou o secretário, na pesca assistida, o pescador fica o tempo todo ao lado da rede, monitorando o que é pescado. A medida visa a evitar uma prática recorrente no litoral, a de deixar a rede por um dia todo e só voltar ao final para ver o que foi capturado.

“Isso faz com que, em qualquer evento de animal capturado, como tartaruga — que não é o objeto da pesca —, o pescador identifica, puxa a rede imediatamente e solta o animal na água. Depois, pode devolver a rede à água”, pontuou. 

O que estava acontecendo de ilegal, segundo Tarcísio, é que pescadores colocavam a rede na água à noite e iam pegá-la de manhã. "Nesse espaço de tempo, considerando que a pesca era ilegal, eles iam pegar a rede e se deparavam com uma série de animais, como as tartarugas”, prosseguiu.

Conforme evidenciou o secretário, seguirá proibida a pesca de arrasto, aquela modalidade em que a embarcação se movimenta e arrasta o fundo do mar com uma rede em formato de bolsa e pesos dos lados. “Ela pega toda a parte de camarão que dá exatamente nessa parte do oceano, o dano ambiental é considerável”, afirmou.

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Decreto regulamenta pesca assistida na Baía de Vitória

Documento detalha regras a serem cumpridas por pescadores na costa da cidade, como dimensão das redes e penalidades em caso de descumprimento.

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Fiscalização

Durante o quadro CBN Meio Ambiente e Sustentabilidade, o biólogo Marco Bravo, professor e mestre em Gestão Ambiental, questionou a fiscalização que a prefeitura disse que fará.

“A Secretaria de Meio Ambiente tem hoje nove agentes de proteção ambiental em dois turnos, sendo que um virou secretário e dois são de cargos de gerência, não são mais fiscais. Então, sobram seis para fiscalizar toda a atividade de degradação, poluição hídrica, sonora, de solo, atmosférica, esgoto, licença ambiental de estabelecimentos, condicionantes ambientais, arborização urbana, bem-estar animal, manguezal, é muita coisa.  Fora o 156, que o volume não é pequeno de denúncia e solicitações”, ponderou.

Marco Bravo está cético quanto a capacidade de fiscalização do município. "A secretaria vai ter perna com seis fiscais em dois turnos com mais um turno à noite, hora extra, para fazer o acompanhamento da pesca assistida? Foi feito um estudo aprofundado para saber a quantidade de peixes na baía? Sabemos que é ínfima devido a décadas de poluição, óleo derramado e navios, esgoto, lixo. Além disso, nós temos a APA Baía das Tartarugas. Foram ouvidos todos os atores? Tem as atas e os documentos? Que estudo técnico foi feito? Quase não tem vida marinha aqui."

Outra ponderação do biólogo, durante o programa, foi que, após conversas com especialistas, ele constatou que, segundo os princípios do direito e de diversos pareceres jurídicos, as leis não podem retroagir, abrandando a lei anterior. "A atual é mais branda que a anterior", reforçou Marco Bravo. 

Em conversa com a reportagem da TV Gazeta, a diretora do Projeto Pegada, Marcela Pretti, afirmou que mesmo com a pesca assistida, não é possível ver o que ocorre embaixo do mar com os animais capturados.

"A preocupação, no momento, já que essa lei passou, é a fiscalização, que já era feita de forma muito difícil. Agora, essas duas pescas são feitas de formas muito similares. Você deixa a rede muito tempo embaixo, se for mais de 20 minutos, a tartaruga morre afogada. A nossa preocupação é com a fauna marinha em geral. Por que liberar uma pesca aqui na Área de Proteção Ambiental? Suporta? Existe um estudo sobre isso?", questionou. 

 Segundo a diretora de comunicação do projeto, Fabiana Franco, o grupo foi surpreendido com a medida. "A gente fica triste porque uma lei municipal não pode ir contra uma federal, é difícil aceitar esse tipo de imposição", criticou.

Jurisprudência

Com a Lei Nº 9.959 sancionada e publicada no Diário Oficial de 29 de agosto de 2023, fica revogado o parágrafo quinto da Lei Nº 9.077, de 2017, que proibiu toda a pesca na Baía de Vitória e na chamada Baía do Espírito Santo. Enquanto a Baía de Vitória se restringe ao trecho entre a Terceira Ponte à Ilha das Caieiras, a do Espírito Santo avança até o Porto de Tubarão.

O parágrafo quinto da lei de 2017 proibia a “pesca com qualquer tipo de rede de entalhe e arrasto a menos de três milhas náuticas da linha de base formada entre o Farol de Santa Luzia, ponta do Porto de Tubarão e limite do município de Vitória com o município de Serra, em Praia Mole”.

O entendimento é o de que esse parágrafo da legislação ultrapassava a competência municipal, pois, além de proibir a pesca na Baía de Vitória, vetou o trabalho de pescadores na Baía do Espírito Santo e mar adentro, por três milhas, a partir do Porto de Tubarão.

Para o secretário de Meio Ambiente, a revogação do parágrafo quinto da lei coloca a cidade em sintonia com a jurisdição e as competências do que cabe à prefeitura e a entes federais como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

“Nessa área mais afastada, offshore, a partir do porto, existem normas específicas, como a própria portaria do Ibama com regras específicas. Essa nova normativa visa a corrigir um erro no passado que marginalizar a pesca artesanal que faz parte da cultura dos pescadores que atuam na cidade de Vitória”, pontuou.

Na mesma linha, o presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes), João Carlos Gomes da Fonseca, conhecido como Lambisgoia, afirmou que ao retirar o parágrafo quinto, a prefeitura passa a ser responsável apenas pelo trecho da Baía de Vitória e as três milhas náuticas à frente do Porto de Tubarão deixam de ser fiscalizadas pelo município.

“Essa lei já existe há anos, porém o entendimento é de que era da areia da praia até uma linha imaginária na direção do Porto de Tubarão, mas o Ibama entendia que era dessa linha para fora. Da beira da praia até essa linha, a gente sabe que não pode pescar”, manifestou.

A linha citada pelo pescador pode ser visualizada na imagem abaixo. Ela fica entre os dois pontos vermelho e amarelo. 

Linha imaginária traçada entre pontos vermelho e amarelo mostra área onde pesca era proibida
Linha imaginária traçada entre pontos vermelho e amarelo mostra área onde pesca era proibida. (Sindpesmes)

“O governo sancionou uma lei que nos dá o direito de começar um trabalho entre pescador e meio ambiente, ICMBio, Ibama e a prefeitura. O problema é que tem dois ou três pescadores que fazem o trabalho errado, temos que conscientizar eles do seguinte: se você colocar a rede, bate e, ao mesmo tempo, tira. Você consegue pegar o peixe, mas não pode deixar de um dia para o outro, porque animais como as tartarugas vão morrer, mas se você pegar ali na hora, consegue devolver para o mar”, ponderou.

A reportagem de A Gazeta questionou Tarcísio José Föeger se a legislação não se sobrepõe à portaria do Ibama, de 1989.

O secretário afirmou que “dentro da hierarquia das leis, uma lei tem poder maior que uma regulamentação por portaria”. E prosseguiu.

“Essa lei é sobre a pesca assistida em Vitória, entendemos que não há uma sobreposição de competência, sendo que essa pesca é mais artesanal, de competência local, ou seja, de responsabilidade da Semmam, com o Batalhão da Polícia Militar Ambiental. A do Ibama seria mais offshore, industrial, em alto mar”, comparou.

Ibama pediu que prefeitura não desse prosseguimento

Em nota, o Ibama afirmou que a pesca assistida pode ser uma opção compatível com a conservação dos recursos naturais, desde que seja realizada seguindo as medidas de ordenamento que vêm sendo discutidas.

Destacou, no entanto, que solicitou oficialmente a Prefeitura de Vitória a não dar continuidade às tratativas para aprovação do decreto, enquanto não houvesse mais discussões sobre o tema, com todos os atores, inclusive com o Executivo municipal, porque existe norma federal com proibições vigentes sobre a área.

Alegou ainda que, para regulamentar a pesca assistida, não foi discutido abertamente com a sociedade.

Confira a nota na íntegra:

Nota do Ibama

"Inicialmente, é necessário esclarecer que qualquer atividade humana com exploração de recursos ambientais, se não forem realizadas com o devido controle, podem ser prejudiciais ao meio ambiente. No caso da atividade pesqueira, devem ser seguidas as medidas de ordenamento, por exemplo: i) períodos de defeso; áreas de exclusão; petrechos permitidos; tamanho mínimo, quando for o caso; etc. Em seguida, é importante destacar que a pesca pode variar entre métodos mais ou menos seletivos. A pesca de linha, por exemplo, é mais seletiva que a pesca com redes de arrasto.

Portanto, a ideia da modalidade da pesca assistida, por si só, não pode ser dita como prejudicial ao meio ambiente, se for realizada de acordo com as medidas de ordenamento pertinentes. Devem ser avaliadas a capacidade de suporte dos estoques pesqueiros e o esforço de pesca que será autorizado para a área, de modo a não exceder essa capacidade dos estoques. Além disso, devem ser observados os demais usos do espaço, como uso recreativo, navegação, turismo, conservação, dentre outros.

Contextualizando a questão discutida na região de Vitória/ES: existe certa diversidade de modalidades de pesca que ocorrem na região da Baía do Espírito Santo (região entre a Ponta de Tubarão e o Farol de Santa Luzia) - pesca com rede de emalhe, rede de arrasto, linha de mão. As normas em vigor proíbem a pesca com redes de arrasto, além de outros tipos de rede, no interior da Baía do Espírito Santo, Vitória e canais de navegação. O segmento pesqueiro demanda, desde a criação das normas que restringiram a pesca nas regiões de Vitória e Vila Velha/ES, a utilização do espaço para a atividade pesqueira, já que esse seria território de pesca historicamente utilizado pelos mesmos.

Diante da proibição da pesca na região, diversos pescadores continuaram utilizando as áreas proibidas de forma clandestina. Assim, sempre que ocorrem operações de fiscalização ambiental e os pescadores são punidos com multas e apreensão dos petrechos e pescados, a discussão sobre a legislação vigente volta à tona. Nesse contexto, o Comitê Estadual de Gestão Compartilhada para Desenvolvimento Sustentável da Pesca no Espírito Santo (COMPESCA-ES) discute a proposta de regulamentação da pesca assistida como forma de compatibilizar a atividade pesqueira com a conservação ambiental, especialmente, das tartarugas marinhas – que inclusive motivou a criação da unidade de conservação municipal APA Baía das Tartarugas.

Ocorre que, após a última ação de fiscalização de pesca, organizada pela Prefeitura de Vitória/ES em parceria com Ibama, Polícia Federal, Polícia Ambiental e Marinha do Brasil, os pescadores voltaram a cobrar mudanças na legislação e, dessa vez, se organizaram visando conseguir representação política para isso. Diante da pressão e ausente das discussões necessárias para a revisão das normas vigentes e regulamentação da pesca assistida, a Prefeitura de Vitória/ES assinou projeto de lei que altera a Lei municipal nº 9.077/2017 e pretende aprovar decreto para regulamentar a pesca assistida, que não foi discutido abertamente com a sociedade. O Ibama já solicitou oficialmente que a Prefeitura de Vitória/ES não dê continuidade às tratativas para aprovação deste decreto, enquanto não houver maior discussão sobre o tema, com todos os atores, inclusive com a própria Prefeitura, mesmo porque existe norma federal vigente com proibições vigentes sobre a área.

Nesse sentido, a pesca assistida pode ser uma opção compatível com a conservação dos recursos naturais, desde que seja realizada seguindo as medidas de ordenamento que vem sendo discutidas. Em consequência disso, o Ibama solicitou a realização de reunião do Compesca, que foi agendada para o dia 15/09/2023, com local ainda a ser definido. A ideia é que participem da reunião os pescadores envolvidos, os órgãos ambientais, Ministério da Pesca e Aquicultura, a Universidade, os Ministérios Públicos, a Defensoria Pública, a Câmara de Vereadores, os ambientalistas, etc., de modo a permitir amplo debate sobre o tema."

O que diz a Prefeitura de Vitória 

Após a conversa com o secretário, o Ibama enviou a nota e biólogos também se posicionaram. Por esta razão, a reportagem de A Gazeta enviou outra demanda à Prefeitura de Vitória sobre o efetivo de fiscalização, que foi apontando como insuficiente para o volume de demandas da Secretaria de Meio Ambiente. Também foi questionada sobre o motivo para ter aprovado a lei, contrariando um pedido do Ibama, que considerou que o projeto não foi discutido de maneira suficiente com a sociedade.

Na tarde desta quarta-feira (30), o secretário atendeu novamente à reportagem e afirmou desconhecer quais elementos o Ibama considerou ao enviar o texto presente na nota acima. "Conversamos com pescadores, órgãos de controle ambiental, tivemos várias contribuições para construir a pesca assistida visando ao meio ambiente e à atividade dos pescadores", ponderou. 

Sobre a falta de efetivo, Tarcísio José Föeger destacou que a secretaria tem uma fiscalização que se divide entre ambiental e sonora. "Apesar de estar no cargo de secretário, saio com a equipe ambiental para dar suporte. A gente busca organizar o efetivo da melhor forma. A fiscalização ambiental não compete só à secretaria, tem o Batalhão da Polícia Militar Ambiental, os agentes do Ibama, da Capitania dos Portos, além do Núcleo de Policiamento da Polícia Federal."

Questionado sobre o efetivo da pasta, o secretário afirmou que conta com 15 agentes.

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