Publicado em 25 de dezembro de 2019 às 10:51
A lancha, ancorada a um cais no lago de Furnas, comporta 12 pessoas. Mas 16 aguardavam o embarque naquele sábado de manhã. Num ponto próximo dali, novo overbooking (venda de passagens além da capacidade) era registrado em outro barco em Capitólio, Minas Gerais.>
Filas de pessoas para embarque nas lanchas, congestionamento de embarcações na represa de Furnas e espera superior a uma hora para fazer uma selfie nas belas paisagens viraram rotina na cidade mineira que deve novamente bombar neste verão. Capitólio se tornou a principal cidade turística do lago nos últimos anos ao conseguir atrair turistas o ano todo. Isso ocorre devido à sua localização geográfica no lago de Furnas, que faz com que, mesmo em tempos de seca, a água "permaneça" no município. Ela deslanchou a partir dos anos de crise hídrica no país, em meados da década.>
Em outros locais, como Alfenas e Areado que também integram o lago, quando o nível da água baixa em épocas de estiagem ela chega a ficar até três quilômetros distantes de atrativos como hotéis e restaurantes.>
"Em Capitólio isso não acontece, tem água o tempo todo", disse Fausto Costa, secretário-executivo da Alago (Associação dos Municípios do Lago de Furnas) e vice-presidente do comitê da bacia hidrográfica de Furnas.>
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Com isso, o município de 8.648 habitantes chega a receber 5.000 turistas em finais de semana normais e até 30 mil em feriados, segundo a prefeitura, prioritariamente de turistas saídos de Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro. Eles não só superlotam os leitos disponíveis na cidade, 4.000, como casas de aluguel e municípios vizinhos, em busca de sua água verde esmeralda, cânions, cachoeiras, lagoas e bares flutuantes. E selfies, muitas selfies.>
"Não precisa nem de filtro", disse a estudante Thais de Carvalho Tavares Silva, 24, de Barra Mansa (RJ), que viajou com Alef Tavares Ferreira Pereira, 22 pela primeira vez para a cidade. "As paisagens são maravilhosas", disse. Ela fugiu de uma fila de mais de uma hora para fazer imagens num mirante alternativo às margens do lago. Tão "instagramável" quanto.>
Já a educadora Crislaine Rodrigues, 30, de Belo Horizonte, também estreante em Capitólio, alugou uma casa com outras 11 pessoas por R$ 1.300 por duas noites e disse ter encontrado um ambiente muito "receptivo e lindo". "Amo fotos das coisas, de tudo", disse ela após fazer uma selfie com o reservatório de Furnas ao fundo.>
Nos últimos quatro anos, a cidade ganhou mais de 200 empresas ligadas ao turismo, que representa 60% da economia da cidade, de acordo com a Secretaria do Desenvolvimento Econômico Sustentável do município. "Não há desemprego e existe uma demanda gigante por mão de obra", disse Andréa Rodrigues, secretária da pasta.>
Segundo ela, os prestadores de serviço hoje são 100% regularizados em relação a barcos, pilotos e segurança náutica. Embora haja coletes a bordo em todos os barcos, a maioria dos turistas não os utiliza em alguns pontos do lago, a profundidade chega a 70 m.>
A hidrelétrica de Furnas teve as obras da barragem concluída em 1963 e foi responsável pelo desenvolvimento do turismo nas 34 cidades banhadas pelo lago, conhecido como o "mar de Minas". Além de atividades turísticas, os municípios recebem royalties devido à área alagada pela represa.>
Próximo à ponte do Turvo, em Capitólio, operam cerca de 50 empresas náuticas, segundo a empresária Francielle Soares Costa, uma das responsáveis pelo agendamento de turistas em uma delas.>
Nos dois dias em que a reportagem esteve no local ela já não tinha vagas nos passeios, que percorrem pontos do lago três vezes ao dia e transportam de 12 a 15 pessoas em cada viagem, que custa R$ 90.>
"A procura está muito alta e deve ser assim o verão todo", disse. Em outras oito empresas consultadas pela reportagem também não havia disponibilidade para os próximos dois dias.>
Dono de três embarcações, Orildo Goulart, o Paraná, 55, afirmou que o cenário melhorou nos últimos anos a partir do estabelecimento de regras a serem seguidas por todos. "Três anos atrás não havia segurança, hoje é uma realidade e, de dois anos para cá, melhorou muito a qualidade dos barcos e dos hotéis e a estrutura turística.">
Com as melhorias, mudou também o perfil dos turistas, segundo ele. "Antes, tinha muito turista fuleiro, depredador. Hoje o olhar deles é diferente. O lago vivia sujo, mas hoje conseguimos mante-lo em boas condições", afirmou ele, há sete anos no ramo.>
Além das rotas náuticas, a cidade reúne centenas de pessoas em cachoeiras, muitas em áreas privadas, que cobram a partir de R$ 20 pela visitação.>
Nos dois casos flagrados pela reportagem de venda por agências de mais passagens que o limite comportado pelos barcos, os empresários que os administram propuseram ampliar a duração do passeio em meia hora, levando os turistas em grupos a cada um dos atrativos.>
Quando desembarcava uma parte, voltava ao ponto anterior para buscar os demais. "Não é o ideal, mas ao menos não prejudicou os excedentes, que ninguém sabe exatamente quem é, já que o barco não tem lugar marcado", disse o comerciante Tarcisio Soares, de São Paulo, outro a viajar pela primeira vez à cidade mineira.>
O baixo fluxo de chuvas dos últimos meses fez com que o reservatório de Furnas iniciasse o mês de dezembro com apenas 12,7% de sua capacidade, conforme dados do ONS (Operador Nacional do Sistema). Em 2018, estava em 20,66% no mesmo período.>
Se para os turistas que vão a Capitólio isso não é motivo de preocupação, a baixa no nível do reservatório gera receio nos empresários do setor e no comitê da bacia hidrográfica da região.>
Quanto mais distante a cidade é da barragem de Furnas e há casos de municípios que ficam a mais de 100 quilômetros de distância, mais afetada ela é pelo baixo nível do lago.>
"A água está 14 m abaixo do nível máximo enquanto o ideal seria estar de 6 m a 8 m nessa época do ano", afirmou Fausto Costa, secretário-executivo da associação dos municípios e vice-presidente do comitê da bacia hidrográfica de Furnas.>
Mesmo que fique 6 m abaixo do nível máximo, nesse patamar já é possível retomar o turismo e outras atividades econômicas que dependem da água em todos os municípios.>
No cenário atual, a água não chega como deveria a regiões do lago em municípios como Alfenas, Varginha, Fama, Três Pontas e Areado, prejudicando hotéis, marinas e restaurantes que vivem da represa.>
"É preciso que chova de forma uniforme na região Sudeste toda para aliviar o sistema de hidrelétricas e permitir que o nível de Furnas suba. Estamos à espera das chuvas, precisamos muito", disse Costa.>
Embora baixo, o nível do reservatório de Furnas já apresentou períodos piores. Mais recentemente, chegou a 10,6% do total, em fevereiro de 2015, o pior índice desde 1999, quando atingiu apenas 6,28%.>
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