Publicado em 14 de julho de 2021 às 16:28
- Atualizado há 4 anos
"Eu preciso destas palavras escrita." Assim mesmo, com "escrita" no singular, foi como o artista sergipano Arthur Bispo do Rosário eternizou a frase em um de seus mais célebres bordados. Como tantos artistas, Bispo usou a palavra como matéria-prima de suas obras em mantos que fizeram dele um dos principais nomes da arte brasileira mesmo tendo vivido meio século internado em uma instituição psiquiátrica. Talvez a relação de Bispo com as palavras, de necessidade e encantamento, seja a melhor síntese para a exposição Língua Solta, com curadoria de Fabiana Moraes e Moacir dos Anjos, que reinaugura o Museu da Língua Portuguesa em 31 de julho, quase seis anos depois do incêndio que destruiu parte do prédio da Estação da Luz. >
A exposição mostra a influência da língua nas artes visuais, trazendo obras de artistas variados que usam letras, frases e palavras. "Tivemos o desafio de adequar o museu, que não tinha reserva técnica, para uma exposição com muitos objetos, mas também uma alegria de fazer essa conversa entre o que a gente entende como arte contemporânea e arte popular", afirma a curadora Fabiana Moraes ao Estadão. "Eu tinha um desejo de mostrar a arte popular como não sendo uma arte dócil." É essa intenção que a fez reunir nomes como Mira Schendel, Leonilson e Anna Bella Geiger e artistas populares, anônimos e até produtores de memes como o coletivo @saquinhodelixo.>
Para Moacir dos Anjos, a forma como a exposição foi montada, de maneira não hierárquica, é também um aspecto engajado da mostra. "Sem desmerecer a qualidade dos artistas consagrados, essa separação entre erudito e popular, que sempre parte do campo erudito, é muito arbitrária", acredita ele. "A língua é uma das formas principais de expressão de desejos, enunciação de danos ou injustiças e também de reclamação por direitos, reivindicação de reparações.">
No hiato em que o museu ficou inativo, o mundo mudou de diversas formas que fizeram a instituição se adequar e repensar seu papel. "O Museu da Língua Portuguesa não é o museu da mesóclise", diz a diretora técnica Marília Bonas ao Estadão. Ela conta que o museu passou a dar atenção "às línguas dos imigrantes, às línguas de resistência, que só continuam a existir porque resistiram, ao português como esse espaço de disputa, muitas vezes de imposição violenta".>
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Nessa realidade, a incorporação do debate sobre a linguagem não binária, que apenas engatinhava quando houve o incêndio no museu, no fim de 2015, e questões como o preconceito linguístico e a xenofobia fazem parte da ordem do dia da instituição, que busca celebrar a diversidade da língua. Isso se vê em espaços expositivos como Falares, no 3º andar, em que os mais diferentes sotaques do português são homenageados sem apelo ao exotismo. >
A exposição de longa duração do museu, com curadoria de Isa Grinspum Ferraz e Hugo Barreto, também foi aprimorada. "A língua mudou, a sociedade mudou desde quando começamos a conceber o museu, em 2003", conta Isa. "Tivemos de repensar o que manter, o que atualizar e o que trazer de novo, mas tentamos manter o espírito do museu, que é tratar da língua com uma visão social, antropológica, e não como gramática, mas como o que nos faz brasileiros.">
Para Letícia Santiago, coordenadora de Museus da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado, o Museu da Língua Portuguesa também cumpre um papel relevante para o local em que ele está instalado, próximo à região que ficou conhecida como Cracolândia. "Esperamos que o museu traga uma nova vida para essa área", ela afirma, e lembra que, com a reinauguração, a região da Luz ganha mais um nó em uma rede cultural ampla, que conta com Pinacoteca, Sala São Paulo, Estação Pinacoteca, Museu de Arte Sacra, Casa Mário de Andrade e Museu da Energia. Além disso, ela lembra que o museu agora conta com equipamentos de prevenção a incêndios que estão até além das exigências legais do prédio, como sprinklers.>
Larissa Graça, gerente de Patrimônio e Cultura da Fundação Roberto Marinho, que acompanhou toda a reconstrução do museu, destaca ainda a atenção à sustentabilidade e à acessibilidade no novo museu: "Há dez anos, entendíamos acessibilidade como acesso ao espaço físico, mas hoje pensamos na experiência que se tem depois que se entra nesse espaço".>
O secretário estadual de Cultura e Economia Criativa, Sérgio Sá Leitão, garantiu ao Estadão que a reabertura do Museu da Língua Portuguesa está sendo feita de maneira segura. "Estamos em permanente contato com o Centro de Contingência da Covid-19." A estimativa do governo do Estado, segundo ele, "é que estamos em um período de declínio sustentável dos indicadores da pandemia, muito em função da vacinação".>
As exposições, tanto as de longa duração quanto a temporária Língua Solta, têm um caráter combativo bastante evidente. Para Sá Leitão, "o simples ato de investir num museu e realizar o restauro de um prédio histórico é um ato político" e "uma das funções de um museu como esse é questionar as visões e as expectativas prévias do público".>
Os presidentes de Portugal, Cabo Verde e Moçambique confirmaram presença no evento de reinauguração do Museu da Língua Portuguesa, em 31 de julho.>
Terraço
Os visitantes terão acesso a uma área nova do prédio, um terraço com vista para a Praça da Luz. Depois da pandemia, o espaço deverá receber também um café.
>Integração com a Estação da Luz
Antes, os frequentadores do local tinham de sair da Estação da Luz para acessar o museu, o que não será mais preciso.
>Ênfase nas exposições temporárias
O museu, que ficou historicamente conhecido por sua mostra permanente, deve ganhar exposições temporárias com maior frequência e relevância.
>Espaços expositivos
Novas áreas foram abertas ao público, com foco em conteúdos multimídia, como reprodução de sotaques distintos e de falas de grandes nomes da literatura lusófona.
>Produção acadêmica
O museu ganhará um centro de referência da língua para pesquisa e produção intelectual.
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As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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