Publicado em 24 de março de 2020 às 16:35
Um magistral desenhista de quadrinhos que criava personagens graciosos com rigor histórico, o francês Albert Uderzo, tinha 92 anos quando morreu em sua casa nesta terça-feira (24). Segundo a família, a morte foi causada por problemas cardíacos, sem relação com a pandemia de Covid-19. >
Deve ter sido terrível para ele ver uma ameaça se espalhando pelo mundo todo, já que o artista passou mais de seis décadas viajando por inúmeras regiões da Terra. Na verdade, quem viajava mesmo era Asterix e Obelix, a genial dupla de personagens criada por uma dupla de quadrinistas geniais, Uberzo e René Goscinny.>
Com mais de 350 milhões de livros vendidos, "Asterix, o Gaulês" é o maior sucesso mundial em HQ não produzida nos Estados Unidos. Só fica atrás dos patos, camundongos e cachorros de Walt Disney e dos super-heróis de Marvel e DC Comics.>
Uderzo criava a arte visual para os roteiros de Goscinny. Os dois passaram a década de 1950 trabalhando juntos ou separados em várias publicações, inclusive quando Asterix apareceu nas páginas da revista Pilote, em outubro de 1959.>
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Levou dois anos para que fosse lançado o primeiro álbum exclusivo, "Asterix, o Gaulês". O sucesso dos gibis que misturam aventura e humor ultrapassou as fronteiras da França rapidamente.>
Os parceiros trabalharam na ideia durante anos. Seus personagens habitam a última aldeia da Gália que ainda não se rendeu à ocupação da França pelos exércitos romanos de Júlio César. Esses camponeses irredutíveis recorrem a uma poção mágica que os deixa superfortes, derrotando facilmente qualquer investida romana.>
Goscinny criou a maior parte dos personagens, entre ele os protagonistas Asterix, o mais esperto e corajoso entre os gauleses, e Obelix, um gordão imenso e fortíssimo, que nem precisa da poção. Motivo: ele caiu dentro de um caldeirão da mistura quando era bebê.>
Uderzo faz parte do seleto grupo de artistas de quadrinhos que criou um visual único e plenamente reconhecível para um grupo de personagens. As roupas, cabelos, barbas e bigodes dos gauleses são uma marca registrada. Num imaginário hall da fama de HQ, teriam lugar entre os garotos cabeçudos de Mauricio de Sousa e o icônico uniforme do Homem-Aranha criado por Steve Ditko.>
Mas a colaboração de Uderzo com os roteiros nunca pode ser desprezada. Ele convenceu Goscinny a trabalhar histórias que levassem Asterix e Obelix muito longe de sua aldeia. Acompanhar os 38 álbuns da série é percorrer uma boa parte do mapa-mundi.>
A ideia obrigou Uderzo a uma pesquisa constante sobre o visual de várias partes da Europa, da Ásia e do norte da África, levando em conta que todas as aventuras se passavam no ano 50 a.C. Cada história tinha a mesma introdução: "Estamos no ano 50 antes de Cristo. Toda a Gália foi ocupada pelos romanos... Toda? Não! Uma aldeia povoada por irredutíveis gauleses ainda resiste ao invasor".>
Um ano antes de começar a publicar Asterix, Goscinny e Uderzo já tinham conquistado muitos fãs com Humpa-Pá, um pele-vermelha em aventuras durante a presença francesa na América do século 18. Outro trabalho que também exigiu do desenhista uma pesquisa apurada.>
Humpa-Pá foi abandonado em 1967, porque o sucesso de Asterix levou a dupla a uma dedicação total ao título. Pelos dez anos seguintes, os personagens alcançaram uma popularidade mundial. Os livros de Asterix foram traduzidos em 111 idiomas.>
Em 1977, depois da publicação de 23 álbuns da série, Goscinny morreu, aos 51 anos, de infarto. Abalado, Uderzo levou dois anos para ilustrar o último roteiro do parceiro, "Asterix Entre os Belgas", publicado em 1979. No ano seguinte, ele assumiu também os roteiros e voltou a trabalhar em novas histórias.>
Até 2009, Uderzo produziu sozinho dez edições, que ele sempre creditava também a Goscinny, admitindo usar muitas ideias sugeridas pelo amigo em tantos anos de convivência. Alguns fãs radicais gostam de colocar a fase escrita por Goscinny como muito superior aos esforços individuais de Uderzo, mas nesse período de trabalho solitário há pelo menos dois álbuns clássicos, "O Filho de Asterix" (1983) e "As 1001 Horas de Asterix" (1987).>
Em 2011, Uderzo decidiu passar o bastão para novos artistas, ficando apenas na supervisão do trabalho. Jean-Yves Ferri (texto) e Didier Conrad (desenhos) já produziram quatro álbuns, o último lançado no ano passado, "A Filha de Vercingétorix".>
São quadrinhos sem a mesma graça do Asterix de Goscinny e Uderzo. Muitos seguidores deixaram de comprar os álbuns e quase não há publicação deles fora da França. Agora, com a Covid-19, um deles ganhou notoriedade, "Astérix et la Transitalique" (2017), por ter um personagem chamado Coronavírus.>
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