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Carnaval capixaba: do hiato dos anos 1990 à retomada do brilhantismo em 2000

Carnaval capixaba: do hiato dos anos 1990 à retomada do brilhantismo em 2000

Sem investimentos, a folia das agremiações se perdeu durante alguns anos. Tudo gerou vontade de fazer ainda mais bonito na década seguinte

Publicado em 15 de fevereiro de 2021 às 08:00- Atualizado há 3 anos

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Desfile campeão da Unidos de Jucutuquara em 2009: luxo e rigor estético
Desfile campeão da Unidos de Jucutuquara em 2009: luxo e rigor estético. (Marcos Fernandez/Arquivo A Gazeta)
Gustavo Cheluje
Repórter do Divirta-se / [email protected]

Se nos anos 1980 o carnaval de raiz dominou o cenário da folia capixaba, as décadas de 1990 e, mais precisamente, 2000 foram marcadas por um momento de transição, em que o intercâmbio crescente com profissionais do Rio de Janeiro trouxe o gigantismo, o luxo e um profissionalismo que consolidou o desfile das escolas de samba de Vitória com um dos três maiores do país.     

O resgate histórico da nossa folia nas décadas de 1990 e 2000 é segundo capítulo do especial de três matérias criadas pelo "Divirta-se" para você matar a saudade dos antigos carnavais de Vitória. O momento "nostalgia" serve de alento para os órfãos dos desfiles das escolhas de samba, visto que, por conta da pandemia do Novo Coronavírus, o Sambão do Povo, no centro da capital, não recebeu as apresentações em 2021.  

Anteriormente, contamos histórias sobre a folia nos anos 1980. A próxima publicação vai trazer os desfiles marcantes da década de 2000.

Voltando ao carnaval, a época resgatada neste texto também ficou marcada pela tristeza. No início da década de 1990, houve uma paralisação de cinco anos dos desfiles, devido à falta de repasse de recursos da administração pública e a uma reestruturação de algumas agremiações. 

Os primeiros desfiles da época aconteceram entre 1990 e 1992, com a Unidos de Jucutuquara vencendo em 1990 e a Independentes de São Torquato, em 1991 e 1992. A partir de então, as luzes do sambódromo se apagaram, em um momento de indefinição e angústia para a família do samba capixaba.  

Apresentação da Novo Império no carnaval de 1998: retorno após seis anos de afastamento e desfile na Avenida Jerônimo Monteiro
Apresentação da Novo Império no carnaval de 1998: retorno após seis anos de afastamento e desfile na Avenida Jerônimo Monteiro. (Marco Siqueira/Arquivo A Gazeta)

A folia voltou apenas em 1998, em caráter hors-concours e enchendo de alegria à Avenida Jerônimo Monteiro, tradicional palco de antigos carnavais. Após ficar fechado por praticamente dez anos, o Sambão do Povo retorna à cena em 2002, quando os desfiles votaram a ser competitivos. 

TORTAS E MENDIGOS

"No início da década, a Unidos de Jucutuquara já começava a mostrar sua força", relembra a pesquisadora do samba capixaba Iamara Nascimento.  "Em 1990, eles apresentaram o enredo "Na mistura da Torta a Nossa Mistura". A agremiação, recém-promovida ao Grupo Especial, acabou sagrando-se campeã. Um dos momentos marcantes desse desfile foi Alarico Lima, integrante, colaborador e de família tradicional da comunidade de Jucutuquara, oferecendo torta capixaba ao público presente", relembra, com nostalgia.

Atual presidente da Independentes de São Torquato, Nildemar Nolasco revela que a agremiação de Vila Velha passou por uma reviravolta durante a preparação para o desfile de 1992, mas, mesmo assim, saiu da avenida com o grito de campeã.  

Em 1992, a Independentes de São Torquato conseguiu seu último título na história do carnaval capixaba
Em 1992, a Independentes de São Torquato conseguiu seu último título na história do carnaval capixaba. (Nestor Muller/Arquivo A Gazeta)

"Nosso enredo seria a Eco-92 (referência à Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro no mesmo ano), mas, faltando 15 dias para o carnaval, resolvemos mudar, apostando no tema 'A Hora e a Vez na Terra do Descaso'. Inovamos ao apresentar uma ala composta por mendigos, que foi a sensação do desfile", pontua.

ERA DOURADA

É impossível não citar a Unidos de Jucutuquara quando o assunto é títulos e desfiles marcantes na década de 2000.  A escola venceu seis troféus nesta época (2002/2004/2006/2007/2008 e 2009), inclusive, com um impressionante tetracampeonato. Enquanto isso, em 2001, o bairro Feu Rosa, na Serra,  via nascer uma escola de samba para chamar de sua, a Tradição Serrana.

De acordo com o pesquisador do samba capixaba Leonardo Soares, é da "Coruja", como a Jucutuquara é chamada por parte da sua apaixonada torcida, o feito de ter apresentado um dos desfiles mais tecnicamente perfeitos da história do sambódromo capixaba.  

Desfile campeão da Unidos de Jucutuquara em 2009: luxo e rigor estético
Desfile campeão da Unidos de Jucutuquara em 2009: luxo e rigor estético. (Nestor Muller/Arquivo A Gazeta)

"O carnaval de 2009, com o enredo sobre o Convento da Penha, é a apresentação a ser superada até hoje. A Jucutuquara vinha de um tricampeonato pautado por uma organização milimétrica na avenida, com um desfile luxuoso e técnico. A escola sabe desfilar e não só usou isso a seu favor, como também agregou ao pacote um samba valente à altura de um tetracampeonato. Fora o enredo, que é unânime", elogia. 

Em 2008, ainda na opinião de Soares, a Jucutuquara também havia feito um desfile inesquecível. "O enredo sobre o Caparaó foi um marco estético em nosso carnaval. A chegada do carnavalesco carioca Orlando Junior à escola foi uma aposta certeira. É impossível não lembrar do abre-alas verde, cheio de serpentes com luzes nos olhos e inúmeros movimentos, que, até então, não eram vistos por aqui. Isso sem falar na força do samba, interpretado de forma brilhante pelo Kleber Simpatia em seu primeiro ano na escola".

A Unidos de Jucutuquara levou o Carnaval de 2008 com muito luxo e samba no pé. (Carlos Alberto da Silva)

Ex-presidente da agremiação, Bernadete Ladislau, por sua vez, aposta no título de 2004 como sendo um momento de superação. Afinal, a Coruja vinha de uma apresentação ruim no ano anterior. Problemas técnicos nas alegorias contribuíram para um amargo nono lugar. 

"Entramos com uma vontade extra de fazer bonito. Além disso, foi uma das primeiras vezes que profissionais de Parintins vieram trabalhar em nosso carnaval. Eles nos passaram a experiência de fazer esculturas gigantes que se movimentam. Até hoje, nossos componentes lembram com orgulho da serpente gigante que flutuava entre a arquibancada e os camarotes", conta, com um pingo de nostalgia. 

RIVAL À ALTURA

A chega do Terceiro Milênio trouxe uma dobradinha de títulos e rivalidade que fez história no samba capixaba. Mocidade Unida da Glória e Unidos de Jucutuquara quase sempre disputavam, nota a nota, o posto de campeã. A agremiação de Vila Velha, que ocupou o lugar da São Torquato como maior escola do município canela-verde, levou os "canecos" de 2003 e 2005, em performances consideradas memoráveis. 

Desfile campeão da Mocidade Unida da Glória no carnaval de 2005
Desfile campeão da Mocidade Unida da Glória no carnaval de 2005. (Gabriel Lordello/ Arquivo A Gazeta)

"Em 2005, a MUG surpreendeu apostando na estreia de Petterson Alves na função de carnavalesco. Vale lembrar que o enredo campeão ('Grécia...Uma Viagem Fantástica ao Templo dos Deuses da Mitologia') foi recusado pela Unidos de Jucutuquara anteriormente", explica Iamara Nascimento.

Leonardo Soares compartilha da mesma opinião, destacando o mesmo desfile como sendo um dos decisivos na história da Mocidade. "O samba tem um refrão forte ('Vou sacudir essa cidade, com a Minha Mocidade...') e até hoje é tocado na quadra. O desfile de Peterson Alves reuniu características importantes que credenciaram a escola ao título: enredo leve, samba irreverente e comunicação direta com o público, fórmula que a MUG adotou para si em diversos campeonatos seguintes", acredita. 

Petterson, que assinou o desfile da Novo Império em 2020, em pouco tempo tornou-se um dos mais talentosos carnavalescos do Estado, chegando a trabalhar no Rio de Janeiro, em algumas escolas do Grupo de Acesso.

Com o enredo 'Passos de Anchieta', a MUG conquistou o seu primeiro carnaval em 2003
Com o enredo 'Passos de Anchieta', a MUG conquistou o seu primeiro carnaval em 2003 . (Acervo MUG/Divulgação)

Para alguns integrantes da Mocidade Unida da Glória, o primeiro título da escola, em 2003, é o mais marcante da década, especialmente por apresentar inovações técnicas na bateria, considerada o coração de qualquer desfile. 

"'Passos de Anchieta' (enredo apresentado em 2003) é um marco em nossa história", garante Patrick Rocha, diretor administrativo da MUG. "Não só por ser o primeiro campeonato, mas também por trazer características particulares, como apresentar uma bateria mais aguda, apostando em tamborins, chocalhos e repiques, uma inovação para época", ressalta. 

"Aquele desfile trouxe nas alegorias uma das primeiras caravelas que passaram no Sambão, além de grandes esculturas de espuma, que impressionaram os expectadores e foliões, sendo uma grande aposta dos carnavalescos Sury e Jô Silva. Somando se a isso, a MUG desfiou sob a luz do sol e, por conta do samba ter sido muito executado, entrou quente e com a arquibancada em pé aguardando e cantando", complementa.

Toda inovação tecnológica nos carros, investimentos em fantasias mais luxuosas e cuidados em realizar desfiles milimetricamente perfeitos foram base para dar o rumo nos carnavais da década seguinte. Esta será contada na última matéria da série.

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