Presidente, falta de saneamento básico adoece, sim, o Brasil

Somente nos últimos cinco anos, mais de R$ 1 bilhão foi gasto com doenças decorrentes do contato com o esgoto. Bem diferente da afirmação de Bolsonaro na semana passada

Publicado em 04/04/2020 às 06h00
Atualizado em 04/04/2020 às 06h00
Saneamento no Brasil
A cada US$ 1 investido em saneamento, US$ 4,3 são poupados em gastos com a saúde, segundo a OMS. Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

“O brasileiro tem que ser estudado. Ele não pega nada. Você vê o cara pulando em esgoto ali, sai, mergulha, tá certo? E não acontece nada com ele.” Muita água (suja) já rolou desde que o presidente Jair Bolsonaro fez o infeliz comentário há mais de uma semana; é quase uma outra vida diante das sucessivas mudanças de discurso sobre o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus no Brasil desde então.

Acontece que a afirmação do presidente, em mais um de seus arroubos de sabedoria de banco de praça, revela muito mais sobre nossas fragilidades do que sobre virtudes. O brasileiro não é um super-herói, imune às tragédias sanitárias que fazem parte do seu cotidiano.

Dados do Ministério de Desenvolvimento Regional referentes a 2018 indicam que apenas pouco mais da metade da população brasileira (53,2%) possui acesso à rede de esgoto. No ano anterior, o percentual era de 52,4%, o que revela um avanço de apenas 1,5% neste que é um dos principais parâmetros civilizatórios. É um número elevado de pessoas que, se não mergulham literalmente no esgoto, são obrigadas a conviver com toda a desumanidade que essa carência gravíssima de infraestrutura impõe.

E é inútil insistir que essa catástrofe passa incólume, sem afetar dramaticamente a qualidade de vida das pessoas. Reportagem da Folha de S. Paulo de outubro passado, com dados fornecidos pelo próprio Ministério da Saúde, comprovou o impacto da falta de saneamento básico na própria gestão do setor. Somente nos últimos cinco anos, mais de R$ 1 bilhão foi gasto com doenças decorrentes do contato com a água contaminada. Bem diferente da afirmação do chefe de Estado.

E é justamente a falta de acesso à água limpa que acentua os riscos de contágio do novo coronavírus pelos mais pobres. É por isso que a fala de Bolsonaro soa ainda mais despropositada, desconectada da realidade. Esgoto não coletado e não tratado é fonte de enfermidades em qualquer circunstância.

A pandemia de Covid-19 tem sido brutal em todo o planeta, mas no Brasil encontrou um país sem saúde fiscal e com infraestrutura debilitada. É como o próprio corpo humano, mais suscetível a doenças quando cuidados com a saúde são deixados de lado.

Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, a cada US$ 1 investido em saneamento, US$ 4,3 são poupados em gastos com a saúde. Há relação, inclusive, com avanços na segurança pública. Saneamento básico reforça a própria cidadania. Por isso, o governo não pode continuar deixando escapar a chance de promovê-lo, com investimentos da iniciativa privada.

Heráclito cravou seu nome na filosofia ocidental ao formular que um homem não pode se banhar duas vezes nas águas do mesmo rio. Já nas águas poluídas da ignorância, Bolsonaro comprovou ser possível, com mais essa declaração desastrosa. 

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