Publicado em 16 de junho de 2020 às 13:13
A pandemia do novo coronavírus mudou o eixo de discussão da reforma tributária. Antes muito dirigida às mudanças na composição de impostos sobre o consumo, agora ganha espaço propostas que tratam da tributação sobre a renda. >
O secretário especial da Receita Federal, José Tostes Neto, afirmou nesta segunda-feira (15) que o governo quer promover uma desoneração da folha de pagamento para estimular a recuperação de empregos após a crise, e que a redução de benefícios fiscais ou revisão de alíquotas de outros tributos podem dar suporte à investida.>
A revisão dos encargos sobre a folha de pagamento das empresas viria para estimular a formalização do emprego, ressaltou ele.>
Em relação à renda, Tostes pontuou que a ideia, para pessoas físicas, é que haja reformulação rumo a uma maior progressividade, com mudanças na estrutura da tabela de IR (imposto de renda) e no conjunto de deduções e abatimentos que são hoje possíveis.>
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Já para as pessoas jurídicas, Tostes disse que o governo mira uma revisão na forma de apuração no lucro real.>
"Hoje existem conjuntos de mais de 300 adições e exclusões na apuração do lucro real que tornam esse processo bastante complexo", afirmou Tostes Neto em debate online promovido no âmbito do Encontro Nacional dos Coordenadores e Administradores Tributários Estaduais (Encat).>
A formulação de alternativas também mobiliza especialistas no tema que tentam contribuir com a reforma tributária.>
O Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) elaborou uma proposta de desoneração da folha de pagamento que reduz o custo de contratação em todas as faixas de salário e coloca as contribuições praticamente no mesmo nível dos benefícios gerados.>
Ela inclui a desoneração parcial do primeiro salário mínimo da renda de todos os trabalhadores, o fim da contribuição patronal sobre a parcela que excede o teto do salário de contribuição e a eliminação de contribuições não previdenciárias. O impacto total é estimado em R$ 153 bilhões (cerca de 2% do PIB).>
As mudanças visam incentivar a formalização e reduzir a "pejotização" de trabalhadores.>
A instituição propõe também ampliar a progressividade do Imposto de Renda Pessoa Física ( IRPF) para financiar a desoneração e tratar toda a renda do trabalho de forma isonômica, com mudanças em regimes de tributação como o Simples.>
O modelo permite ainda combinar essas medidas com a criação de um programa de renda básica universal.>
Comandado pelo economista Bernard Appy, o CCiF foi responsável pela proposta de reforma tributária do consumo que tramita na Câmara e tem participado de debates sobre tributação de renda.>
"A gente propõe eliminar a tributação da renda que resulta em contribuições maiores que os benefícios para todo mundo. Em cima disso muda-se a tabela do IRPF. Não dá para ficar com uma alíquota marginal de 27,5% já que a gente está eliminando aquele excesso de contribuições [sobre a folha] de trabalhadores de alta renda", afirma Appy. "E tem de fazer mudanças para que a renda nos regimes simplificados seja tributada como a de um trabalhador formal.">
A mudança com maior impacto financeiro (R$ 75 bilhões) prevê alíquotas de 9% sobre o primeiro salário mínimo da renda de todos trabalhadores e de 30% para os valores acima disso.>
Os 9% são a estimativa de quanto é necessário para financiar benefícios de risco, como auxílio-doença. Os 30% incluem mais 21% para financiamento dos benefícios programáveis (aposentadoria e pensão por morte, por exemplo).>
Em relação ao financiamento, Appy diz que seria necessário rever, por exemplo, benefícios fiscais no IR de pessoas físicas e jurídicas e tributos patrimoniais. Somente as deduções do IRPF representam R$ 50 bilhões por ano.>
Com impacto de mais R$ 40 bilhões por ano, a CCiF propõe também eliminar a contribuição patronal sobre a parcela que excede o teto do salário de contribuição. A medida dever vir acompanhada do aumento da alíquota máxima do IRPF, que hoje é de 27,5% e se aplica à faixa salarial acima de R$ 4.664,68.>
Uma terceira proposta é eliminar contribuições não-previdenciárias sobre a folha (como Sistema S e salário-educação), com impacto estimado em R$ 38 bilhões por ano.>
O CCiF calculou o custo atual das contribuições sobre a folha e os benefícios gerados, por faixa de salário. Atualmente, as contribuições variam de 34% a 38% (considerando o custo para empregados e empregadores) para quem ganha até seis salários mínimos. O valor do benefício para essas pessoas varia de 17% a 30% da renda.>
As novas alíquotas efetivas de contribuição propostas pelo CCiF variam de 9% a 26% na faixa até seis mínimos.>
"Como você tem benefícios não contributivos, como BPC/Loas e aposentadoria especial rural de um salário mínimo, para um trabalhador com renda abaixo de dois mínimos, o valor das contribuições é muito mais alto que o benefício recebido", afirma Appy.>
Em relação às pessoas com renda acima de seis mínimos, o percentual de contribuições, atualmente, começa em quase 40% cai gradativamente para cerca de 30%. Pela proposta, a nova alíquota efetiva começaria em 26% e cairia para menos de 4% na faixa da renda mais alta utilizada no estudo (50 salários mínimos), percentuais praticamente iguais aos benefícios recebidos hoje.>
Para compensar a regressividade da medida (alíquotas menores para salários maiores), haveria aumento no IR.>
"Não faz sentido fazer a desoneração do salário acima do teto de contribuição e não aumentar o Imposto de Renda. Você reduziria a progressividade", afirma Appy.>
Ao mesmo tempo, criar uma alíquota extra de IR sem rever a tributação da folha e regimes como o Simples criará mais incentivos à "pejotização".>
Appy afirma que, nesse novo modelo, os benefícios financiados com a tributação da folha ficam ligeiramente acima das alíquotas de contribuição, principalmente para as menores remunerações.>
Essa diferença seria zerada, ou seja, os percentuais seriam iguais, caso seja criada uma renda básica do idoso de um salário mínimo (benefício que não seria vinculado a essas contribuições).>
A instituição também sugere, como alternativa, uma renda básica universal. Trabalhadores informais declarariam sua renda e a contribuição incidente sobre o valor declarado seria deduzida da renda básica. Quem não faz a declaração recebe o benefício integral, mas não tem direito a benefícios previdenciários.>
"Você cria um incentivo para que, na prática, todo brasileiro se formalize em relação à Previdência", diz Appy.>
Considerando as alíquotas de 9% até um salário mínimo e 30% a partir desse valor, seria possível pagar um benefício para pessoas com renda até R$ 1.400, no caso de um benefício máximo hipotético limitado a R$ 200 (para pessoas com renda zero).>
O CCiF também calculou qual seria o percentual de contribuições que atualmente supera os benefícios, considerando não só tributos sobre a folha, mas também o IRPF.>
Essa tributação é de 14% da renda para quem ganha o salário mínimo, cai para 2% na faixa próxima a dois salários e sobe para quase 20% entre os que ganham cinco mínimos, podendo superar 50% nas faixas mais altas.>
Considerando as alíquotas atuais do IRPF, a proposta de desoneração da folha fará com que trabalhadores com renda de até 3,7 mínimos (R$ 3.867) tenham contribuição inferior ao percentual de benefícios em até 14% do salário na soma de IR e tributos da folha. A partir desse valor de renda, a tributação líquida de benefícios sobe até, no máximo, 25,3%.>
O Ministério da Economia planeja uma desoneração temporária de tributos sobre salários com objetivo de estimular contratações após o pico do coronavírus, mas ainda não apresentou proposta, financiada por um imposto sobre transações digitais, semelhante à antiga CPMF. Appy afirma que é melhor desonerar a folha corrigindo outras distorções.>
Questionado sobre as chances de a proposta do CCiF ser incorporada aos projetos de reforma tributária que tramitam no Congresso, Appy diz que essa decisão é dos parlamentares. "Nosso trabalho é fazer propostas que sejam tecnicamente consistentes. A decisão do que pode ou não ser aproveitado é política.">
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