Publicado em 11 de junho de 2023 às 15:27
O preço médio das passagens aéreas em viagens nacionais entre janeiro e março deste ano foi o maior em um primeiro trimestre em mais de uma década: R$ 592,95. >
O dado é o mais atualizado do levantamento feito pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).>
Esse valor, segundo a Anac, é o maior desde o primeiro trimestre de 2010, quando a média foi de R$ 629,16, já corrigida pela inflação.>
Na comparação anual, 2022 já havia entrado para a série histórica da agência como o ano em que os bilhetes custaram mais caro em muito tempo. >
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O preço médio foi R$ 649,14 — o maior valor desde 2009, quando o bilhete custou em média R$ 742,89.>
“Ao menos desde 2019, as companhias aéreas têm subido os valores das passagens acima da inflação. Isso indica que as companhias estão elevando os preços mais do que a capacidade de renda da população, que tem enfrentado mais dificuldade para comprar passagens”, diz o economista Alexandre Jorge Chaia, do Insper>
Mas por que viajar de avião no Brasil está tão caro?>
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que o preço das passagens subiu por uma combinação de fatores, como a pandemia de covid-19, a alta do dólar nos últimos anos e o aumento do preço do combustível das aeronaves. >
O setor afirma ainda que atravessa uma crise e tenta se reestruturar. >
Enquanto isso, o governo federal estuda lançar um programa para vender passagens a preços populares, além de outras medidas para tentar reduzir o valor dos bilhetes.>
Ao mesmo tempo, além do valor das passagens, viajar de avião ficou mais caro porque muitos consumidores têm agora que arcar com cobranças extras, como a tarifa para despachar bagagens, em vigor desde 2017, que se tornou parte importante da receita das empresas aéreas.>
Até o início dos anos 2000, o valor das passagens aéreas era regulado pelo governo federal. O controle de preços gerava ineficiências, reduzindo o investimento das empresas e a oferta de voos, o que mantinha o valor das passagens elevado.>
Desde 2001, as empresas aéreas passaram a ter liberdade para determinar as tarifas cobradas nas rotas domésticas. >
A concorrência ganhou força a partir de 2005, com a criação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), estimulando investimentos e a expansão do setor, com crescimento da malha aérea, aumento da oferta de trechos e da quantidade de voos.>
Essa expansão fez o valor das passagens cair bastante, segundo analistas, o que levou muito mais brasileiros a viajar de avião. >
O efeito dessa mudança pode ser medido pelo chamado RPK (Revenue Passenger‐Kilometers, em inglês, ou Passageiros‐Quilômetros Pagos transportados).>
Essa medida, usada pelo setor para apontar a demanda por voos, é calculada ao se multiplicar o número de passageiros pagantes por quilômetros voados.>
Em 2000, o índice foi de 25,2 bilhões de quilômetros. Uma década depois, quando o avião se tornou oficialmente o meio de transporte mais usado por brasileiros para viagens longas em vez do ônibus, já eram 69,8 bilhões. >
O RPK continuou a crescer na década seguinte, até sofrer uma queda vertiginosa na pandemia de covid-19 por causa das restrições de circulação.>
Em 2019, ano imediatamente anterior à pandemia, eram 96,4 bilhões de quilômetros. No ano seguinte, caiu para quase a metade: 49,5 bilhões. >
A aviação comercial doméstica começou a se recuperar desde então. Em 2022, o RPK subiu para 89,3 bilhões de quilômetros. >
Segundo a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), que representa companhias do setor, o índice do ano passado foi correspondente a 86,5% do registrado em 2019. >
Essa recuperação foi melhor do que as de viagens internacionais, de acordo com a Abear, que estão hoje em 64,7% do registrado no ano anterior à pandemia.>
Apesar da recente recuperação, a Abear avalia que as empresas aéreas brasileiras ainda enfrentam uma situação difícil. >
A associação estima que as companhias tiveram prejuízo de R$ 46,39 bilhões, acumulados de 2016 até o terceiro trimestre do ano passado.>
Diante desse cenário, um dos reflexos para o consumidor foram passagens cada vez mais caras.>
O valor de uma passagem leva em consideração fatores como a oscilação de preço internacional do barril de petróleo (a partir do qual é produzido o combustível para as aeronaves), a taxa de câmbio, as estratégias de concorrência entre as empresas, a distância que será percorrida e a demanda por um determinado trecho. >
Há outros fatores também, segundo a Anac, como a antecedência da compra da passagem, o dia da semana em que isso é feito, se é um trecho com escalas e conexões, se serão oferecidas refeições a bordo, a posição do assento na aeronave e o meio pelo qual a passagem é vendida.>
Há casos inclusive em que bilhetes nacionais custam mais do que viagens para outros países, principalmente aqueles que são vizinhos do Brasil. >
Isso ocorre, segundo especialistas, por causa da dimensão continental do Brasil, o que torna algumas viagens bem longas, e também em razão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), tributo cobrado pelos Estados sobre vários setores econômicos, como o de combustível – o que encarece os custos em alguns pontos do país. >
Além disso, o preço de uma passagem aérea é dinâmico, ou seja, ele varia de acordo com esses fatores a qualquer momento.>
Isso significa que, em um mesmo voo, passageiros podem pagar diferentes valores por assentos semelhantes. >
Em fevereiro deste ano, por exemplo, segundo a Anac, 30% dos bilhetes de viagens no Brasil foram vendidos abaixo de R$ 300. >
Já a média geral do valor da passagem nacional nesse período foi bem maior, de R$ 576,19 – o maior desde fevereiro de 2014, quando ficou em R$ 598,53.>
“Muitos outros serviços também têm preços dinâmicos, como atrações culturais, transportes e hotelaria”, argumenta Jurema Monteiro, presidente da Abear.>
Monteiro reconhece que as passagens ficaram mais caras nos últimos anos no Brasil, mas ela diz que isso que ocorreu com outros serviços e setores no pós-pandemia, com inflação em alta e um aumento de custos em geral. >
Ela acrescenta que o valor do dólar mais que dobrou nos últimos dez anos e que isso impactou diretamente os preços das passagens no Brasil. >
“O preço [das passagens] já foi menor, mas em condições nas quais os custos eram diferentes. O dólar era mais baixo e o preço do combustível era mais competitivo. 60% dos custos estão atrelados ao dólar, como o combustível, o arrendamento de aeronave, a manutenção… tudo isso é dolarizado”, diz.>
Ex-diretor da Anac, o advogado Ricardo Fenelon Júnior, especialista em Direito Aeronáutico, afirma que as companhias aéreas continuam tendo dificuldades mesmo com o aumento do preço das passagens aplicado para compensar os prejuízos dos últimos anos e a alta dos custos de produção. >
“Os custos das empresas aéreas no Brasil subiram de forma exponencial. As companhias só não sobem mais os preços porque não conseguem, porque há liberdade tarifária no Brasil e precisa aumentar o preço e regular a oferta conforme concorrência e demanda”, diz.>
“Essas empresas ainda continuam tendo prejuízo porque não podem cobrar o máximo que poderiam, porque o consumidor é sensível a preço. Esses prejuízos dos últimos anos, como as dívidas criadas na pandemia, continuam gerando aumento de custos hoje. Mesmo com o preço das passagens mais alto, essas companhias não conseguem cobrir os prejuízos dos últimos anos”, acrescenta.>
Outro problema que prejudica o segmento, avalia Fenelon, é relacionado ao alto número de processos contra empresas aéreas no Brasil. >
“Isso faz parte dos custos estruturais de uma empresa. O Brasil é o país com o maior número de passageiros contra companhias aéreas”, diz o advogado.>
Nem mesmo as novas cobranças como pelo despacho de bagagens, marcação de assentos e serviço de bordo, que hoje representam cerca de 20% da receita das companhias com as tarifas cobradas, amenizou a crise do setor, diz Marcus Quintella, diretor do centro de estudos da área de Transporte da Fundação Getúlio Vargas (FGV).>
"No mundo, essa cobrança já é uma prática de muitos anos e no Brasil acontece desde 2017. Hoje é uma receita acessória muito importante, e tudo isso faz parte dessa estratégia das empresas”, afirma Quintella. >
O especialista diz que essas novas cobranças não foram suficientes para reverter os prejuízos do setor nos últimos anos. E avalia que, se esses valores voltassem a ser incluídos no preço da passagem, os bilhetes ficariam ainda mais caros.>
"Muita gente começaria a levar bagagem desnecessariamente e isso interfere no custo do voo, no peso da aeronave, no combustível e na ocupação”, acrescenta Quintella, que frisa que essas novas cobranças são permitidas pela Anac. >
Uma das principais dificuldades alegadas pelas empresas aéreas é o preço do querosene de aviação (QAV), o maior custo de operação das aeronaves. >
O valor do produto é tabelado pela Petrobras, que define sua política de preços.>
Segundo a Abear, o preço do QAV começou a pressionar os custos das passagens aéreas no país por volta de 2018, e a situação piorou em meio à pandemia.>
De acordo com a estimativa da associação, o preço do produto aumentou 129% de 2020 a 2022, ajustado pela inflação.>
“O QAV oscilou muito para cima em 20 anos, especialmente nos últimos quatro anos", diz Jurema, da Abear.>
"Isso faz com que o preço da passagem também oscile como um todo. Mas a tarifa média do bilhete aéreo oscilou muito menos do que o aumento de custos no último período: enquanto o bilhete aéreo aumentou 26% de 2019 a 2023, o QAV aumentou mais de 120% [valores ajustados pela inflação].” >
O conflito causado pela invasão da Ucrânia pela Rússia, segundo os especialistas, também elevou o valor do querosene de aviação.>
Nos primeiros meses deste ano, segundo o governo federal, o preço do QAV teve uma redução de 35%. O setor, porém, cobra uma redução ainda maior, em razão dos aumentos consecutivos nos últimos anos.>
Para a Abear, uma das medidas mais urgentes para reduzir os custos dos bilhetes aéreos é reavaliar a forma que o QAV é cobrado no Brasil.>
“Hoje, mesmo que 90% da produção do combustível seja nacional, o item é cobrado como se viesse do exterior. Além disso, o Brasil é o único país que tributa o QAV (com ICMS, por exemplo), tornando o preço efetivo pago nas refinarias brasileiras um terço superior ao valor cobrado das aéreas nos Estados Unidos”, aponta a associação em um comunicado enviado à BBC News Brasil. >
O Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) diz em nota à BBC News Brasil que reduzir ainda mais o preço do combustível é um dos principais caminhos para diminuir os custos das passagens. >
Em razão disso, afirma que mantém diálogo frequente sobre o tema com os órgãos competentes para “encontrar soluções para a redução dos preços”.>
O MPor afirma ainda que há outras alterações estruturais na aviação civil que também são importantes para baratear as passagens, como “a diminuição do excesso de judicialização das relações de consumo; a redução da tributação incidente sobre a aviação civil e a atração de mais empresas aéreas para aumento da concorrência”.>
O setor aéreo pede mais apoio do poder público. A Abear aponta que enquanto outros países deram suporte ao segmento no auge da pandemia, o governo brasileiro não concedeu nenhum tipo de ajuda financeira no período. >
“Mesmo com uma parada quase total dos voos, o setor brasileiro se manteve de pé sem nenhum subsídio público, diferentemente do que aconteceu em países como Estados Unidos (US$ 50 bi), França (US$ 16,4 bi), Alemanha (US$ 9,8 bi) e Holanda (US$ 3,8 bi)”, diz comunicado da Abear.>
“Isso faz com o que o custo financeiro dessa recuperação seja mais intenso e duradouro do que em outros setores e países. Fora este cenário atípico, impactos do Custo Brasil, de R$ 1,7 tri para todos os setores brasileiros em 2022, mostram o quanto o modal aéreo é impactado pela alta carga tributária. Somente o setor aéreo pagou R$ 20,5 bi em tributos em 2021”, acrescenta a associação.>
Já o governo federal afirma que foram tomadas medidas para auxiliar o segmento durante o auge da pandemia. O Ministério do Turismo diz, em nota, que apoiou uma série de ações para fortalecer o setor aéreo no período.>
Entre as medidas, a pasta cita medida provisória que flexibilizou a jornada e permitiu suspensão dos contratos de trabalho; regulamentação da remarcação e do cancelamento de voos em função da pandemia; introdução do combustível JET-A; e diminuição do imposto sobre arrendamento de aeronaves.>
A pasta afirma ainda que foram feitas reuniões com as empresas aéreas e associações do setor para discutir ações que possam ajudar a reduzir custos operacionais e “dar oportunidade de mais brasileiros voarem".>
Uma das medidas mais recentes do governo federal em relação ao barateamento de passagens foi o anúncio do programa “Voa Brasil”. >
A iniciativa promete abaixar os custos das passagens aéreas nacionais para alguns públicos específicos para cerca de R$ 200 por trecho voado. >
De acordo com o que foi divulgado até agora pelo governo, servidores públicos com salário de até R$ 6,8 mil, aposentados, pensionistas e estudantes do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) podem estar entre os beneficiados.>
Segundo as informações iniciais, cada pessoa deve ter direito a duas passagens por ano, além de um acompanhante por trecho. Essas passagens devem ser vendidas em períodos fora da alta temporada.>
Azul, Gol e Latam, as três principais empresas do setor, anunciaram que aceitam participar do projeto.>
A previsão é de que o programa comece no segundo semestre deste ano. >
No fim de maio, o presidente Lula sancionou uma Lei que concede isenção de tributos às empresas aéreas. O texto zera as alíquotas do PIS e da Cofins (impostos federais) sobre a receitas obtidas pelas empress de transporte aéreo pelo período de 1º de janeiro deste ano a 31 de dezembro de 2026. >
O governo federal estima que essa medida deve reduzir em cerca de R$ 500 milhões nos custos operacionais da aviação civil brasileira nos próximos anos.>
Apesar de representar alívio, o setor aéreo tem argumentado que dificilmente a medida irá impactar de modo imediato em uma possível redução nos preços das passagens, em razão dos prejuízos enfrentados nos últimos anos.>
No mês passado, houve queda de 17,73% nos preços das passagens aéreas, segundo a inflação calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas no acumulado dos últimos 12 meses, conforme o IBGE, os preços das passagens subiram 4,31% - em comparação, a inflação no mesmo período foi de 3,94%.>
“Isso indica que em maio talvez houvesse mais oferta de passagens e também o preço do combustível de aviação caiu no período recente. Talvez a tendência seja estabilizar nesse preço (atual) das passagens, mas uma redução muito grande neste momento acho difícil”, avalia Alexandre Jorge Chaia, do Insper.>
“As empresas ainda estão desequilibradas financeiramente e acabam tendo que repor esse prejuízo. Então as passagens devem continuar caras, ao menos até que as empresas equilibrem as contas”, acrescenta.>
Os especialistas afirmam que não há, ao menos por ora, como prever de modo geral quando as passagens aéreas terão queda de preço considerável no país. >
“É um cenário muito complexo. A aviação depende da macroeconomia. Se analisarmos, desde 2014, a gente anda de lado porque não tem crescimento significativo no país. Infelizmente, os últimos dez anos não foram fáceis para o Brasil", aponta Fenelon, ex-diretor da Anac. >
"O cenário deve continuar complexo enquanto o dólar estiver em alta e o combustível nesse valor”, acrescenta.>
Segundo especialistas, a melhor forma de comprar passagens aéreas mais baratas no atual momento é se planejar.>
“Essa é a grande diferença, porque as empresas concorrem muito entre si. Não existe outra dica além da antecedência”, afirma Jurema Monteiro, da Abear.>
Mas quanto tempo seria o suficiente?>
“Até três meses de antecedência é um bom período”, diz Marcus Quintella.>
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