Publicado em 29 de julho de 2020 às 12:42
Quando assumiu o cargo, há um ano e meio, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que pretendia privatizar todas as estatais para levantar cerca de R$ 1,2 trilhão, valor suficiente para quitar a dívida pública. >
Hoje, somente 18 das 614 estatais estão na lista de privatizações, e nenhuma teve sua estruturação definida. O primeiro leilão está previsto para o fim deste ano.>
Sem os estudos elaborados, nem mesmo o valor das empresas pode ser estimado. De capital fechado, não há referência do potencial de arrecadação, uma vez que não existe negociação em Bolsa.>
Levantamento feito pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a pedido da Folha de S.Paulo mostra que metade dos 18 projetos incluídos pela gestão Jair Bolsonaro no Plano Nacional de Desestatização (PND) está em fase de estruturação.>
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Ou seja, só foram contratadas equipes para avaliar o modelo mais apropriado para a venda ou a concessão da estatal à iniciativa privada. Até o momento, nenhum processo foi concluído.>
Um deles é o da Emgea, vinculada ao Ministério da Economia e que cuida de contratos imobiliários do extinto Sistema Financeiro Habitacional, principalmente da Caixa Econômica Federal. O leilão está previsto para o quarto trimestre deste ano.>
Doze projetos devem ser vendidos no próximo ano. Cinco deles (Correios, portos de São Sebastião e Santos, Parque Nacional dos Lençóis e o de Jericoacoara) nem sequer tiveram editais para a contratação dos estudos. Todos foram incluídos no PND em 2019.>
A grande maioria dos projetos incluídos pelo governo Bolsonaro no PND em andamento teve seus estudos de viabilidade econômica realizados na gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB). Também boa parte dos projetos leiloados em 2019 foi herança de Temer.>
Isso ajudou Guedes a "bater a meta de privatizar US$ 20 bilhões". Os leilões realizados renderam R$ 78,6 bilhões.>
Com as privatizações (venda da empresa) emperradas, o sucesso de Guedes se deve ao Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que conduz um programa de concessões, cujos projetos são mais interessantes à iniciativa privada porque preveem receita certa. Afinal, só não haverá tráfego em rodovias, aeroportos, ferrovias e portos se o país fechar as portas.>
A pandemia causada pelo novo coronavírus gerou mais pressão sobre o plano de Guedes.>
O ministro, que viu sair dos cofres públicos R$ 826 bilhões para tentar conter a crise no país, anunciou no mês passado sua intenção de realizar ao menos quatro grandes privatizações neste ano: Eletrobras, Correios, porto de Santos e PPSA (Pré-Sal Petróleo S.A.). Os recursos ajudariam a cobrir os gastos, segundo o chefe da Economia.>
Nos bastidores, os técnicos envolvidos na estruturação desses projetos afirmam que não há a menor possibilidade de que sejam levados adiante.>
Desde o início da gestão do ex-presidente Temer, o governo tenta se livrar do peso que a Eletrobras representa na sua contabilidade.>
Reduto político para as bancadas dos estados e fonte de investimentos sociais, especialmente no Nordeste, a estatal renderia R$ 17 bilhões à União, caso a proposta de capitalização (via diluição da participação da União) enviada ao Congresso fosse aprovada. Mas não passou.>
O governo preparou uma nova proposta, mas não houve avanços por resistência de deputados e senadores, especialmente do Nordeste.>
Nos Correios, existe uma trava legal. Cabe à União o serviço postal, que é, justamente, o que dá prejuízo aos cofres públicos. Na prática, a única possibilidade de venda, neste momento, seria a das entregas, a galinha dos ovos de ouro da estatal.>
Nem mesmo no porto de Santos há consenso sobre a privatização. A nova gestão tornou o porto lucrativo, e há projetos de reestruturação que, neste momento, sinalizam para a concessão - algo mais factível, segundo técnicos envolvidos nas discussões.>
Os três projetos foram incluídos no PND. Essa exigência legal é o que dá a largada para o início da estruturação da venda por consultorias especializadas, capitaneadas pelo BNDES.>
O banco atua tanto na fase preliminar (estruturação) quanto na final, financiamento aos vencedores do leilão.>
Será função da empresa contratada pelo BNDES para realizar os estudos definir se a melhor saída será a concessão (contratos de longo prazo) ou a privatização (venda).>
Guedes também disse que pretende vender a PPSA, a estatal do pré-sal. Sua meta, além de fazer caixa, é pôr fim ao regime de partilha, sistema pelo qual o governo entra como sócio na produção de petróleo e gás.>
Nenhum dos processos tem chance de avançar sem a aprovação do Congresso. Por isso, no fim do ano passado, o secretário especial de Desestatização do Ministério da Economia, Salim Mattar, cogitou enviar um projeto para criar uma espécie de "fast track" (via rápida, em tradução livre do inglês) para a venda de estatais.>
Salim queria que o Congresso desse aval para a inclusão automática de uma lista de estatais enviadas pela Economia. Dessa forma, conseguiria furar a fila do PPI, que segue rito próprio incluindo no PND projetos enviados pelos diversos ministérios.>
Até o momento, a prioridade são os projetos do Ministério da Infraestrutura, que conduz um programa de concessões (rodovias, ferrovias, aeroportos e portos) com potencial para atrair R$ 250 bilhões em investimentos no período de vigência da concessão até o fim do mandato de Bolsonaro.>
Com o projeto de lei, Salim conseguiria que o Congresso incluísse as estatais no PND em vez de passarem pelo PPI.>
Uma vez qualificados pelo PPI, cabe aos técnicos do programa com os ministérios realizar estudos de viabilidade econômica. Se ela for confirmada, o projeto é incluído no PND, e o BNDES segue com o processo de estruturação (modelagem do leilão).>
Em fevereiro deste ano, o PPI foi remanejado do Palácio do Planalto para o Ministério da Economia, permanecendo sob o controle de Guedes. Essa mudança fez com que Salim desistisse do plano de conseguir um atalho via Congresso.>
Além dos entraves políticos, o plano de desestatização de Guedes também sofre com a pandemia, que fez o valor das empresas despencar mundo afora.>
Esse foi o motivo que levou o secretário Salim a declarar publicamente, no fim de abril, que o governo só falaria de privatizações no ano que vem. Guedes, no entanto, diz que não pode esperar.>
Por meio da assessoria de imprensa, o Ministério da Economia afirmou que também constam da lista de empresas incluídas no PND as estatais ABGF, Casa da Moeda e Ceitec. Esses processos, segundo o BNDES, não estão em andamento.>
A pasta afirmou que há variáveis que influenciam os prazos para a elaboração dos termos que servem de referência para os estudos. Dentre elas estão a disponibilidade das informações das empresas necessárias para a discussão da melhor "modelagem de desestatização".>
Sobre o processo envolvendo a Eletrobras, a expectativa do ministério é que o projeto seja aprovado pelos congressistas em 2020 e que a capitalização da empresa ocorra no primeiro trimestre de 2021. Os estudos aguardam a aprovação pelo Congresso.>
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