Publicado em 27 de dezembro de 2020 às 10:12
BRASÍLIA - Na tentativa de construir apoio para levar à aprovação de propostas -às vezes amargas - defendidas pela equipe econômica, o ministro Paulo Guedes (Economia) desenvolveu o hábito de criar narrativas, com discursos que são repetidos meses a fio, até que consiga atingir seu objetivo.>
Além das já conhecidas metáforas usadas para ilustrar a economia do país, o ministro elabora argumentos e frases de efeito que visam a direcionar opiniões, suavizar críticas a respeito de propostas ou agradar parlamentares.>
Recentemente, por exemplo, Guedes confidenciou a auxiliares que não acreditava que o Congresso era reformista. Segundo relatos, logo no início do governo, ele teve a ideia de criar essa espécie de selo para qualificar os deputados e senadores, apesar de achar que o Parlamento não tinha nada de reformista.>
Segundo interlocutores, Guedes conversou em 2019 com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e defendeu que os parlamentares avençassem com as pautas econômicas mesmo se não houvesse apoio explícito de Jair Bolsonaro (sem partido). Ele sugeriu que o deputado argumentasse que o Congresso é reformista e que apoiaria as medidas mesmo que o presidente não quisesse.>
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Maia usou algumas vezes a expressão, que também foi vocalizada sucessivamente até os dias atuais por Guedes.>
Após insistente repetição, o ministro afirmou a um auxiliar que acredita que a ideia acabou colando.>
Nos últimos meses, no entanto, a agenda de reformas travou no Congresso. Após forte expansão de gastos para mitigar os efeitos da pandemia, a equipe econômica tenta retomar a pauta de medidas estruturantes e de ajuste fiscal.>
O saldo recente do Legislativo, porém, tem a aprovação apenas de medidas menos polêmicas, como marcos legais para atrair investimentos. Propostas consideradas mais importantes pelo governo, como o pacto federativo e as reformas tributária e administrativa, não avançaram.>
Ainda assim, Guedes acredita na efetividade do método da repetição. A avaliação é que ele deve ser usado como forma de influenciar opiniões, seja dos parlamentares ou da sociedade.>
Uma estratégia que considera bem-sucedida foi dizer que o socorro financeiro dado pelo governo federal aos estados neste ano não poderia ser "transformado em aumento permanente de salários". Guedes justificava que não seria justo "distribuir medalhas antes da guerra".>
O ministro insistiu no argumento em apresentações, reuniões no Palácio do Planalto e conversas com parlamentares, até que conseguiu inserir na proposta uma cláusula para congelar a remuneração de servidores públicos até o fim de 2021.>
Apesar do argumento relacionado à pandemia, travar os gastos do governo com salários de servidores já estava nos planos do ministro desde o início do governo. Segundo relatos, ele tentou implementar a ideia em outras situações, mas só encontrou a oportunidade concreta quando surgiu o projeto de auxílio a estados.>
A batalha da narrativa ganhou outras frases que ainda não atingiram o objetivo e, portanto, seguem no processo de repetição.>
Para convencer o Congresso a retirar amarras do Orçamento e desvincular benefícios, Guedes afirma que é preciso devolver o protagonismo à classe política.>
"Vocês têm que assumir esse protagonismo, não têm que vir lá de baixo para pedir dinheiro para o ministro, vocês têm que controlar os orçamentos públicos", disse a parlamentares durante audiência no Senado em março de 2019.>
O argumento é repetido pelo ministro ainda hoje, mas as propostas do governo que retirariam parcialmente as amarras do Orçamento seguem travadas no Congresso.>
Em outro pilar da pauta econômica, Guedes tenta tornar mais palatável a ideia de criar um imposto sobre transações financeiras aos moldes da extinta CPMF.>
Primeiro, ele cunhou a expressão "microimposto digital". Depois, apelidou de "digitax" o tributo que deseja criar para bancar uma ampla desoneração da folha de salários.>
Na tentativa de criar um ambiente favorável à medida, o ministro tem afirmado que não haverá aumento de imposto, e sim uma substituição de tributos existentes hoje. Ele orientou que Bolsonaro também use esse argumento. Originalmente, o presidente é contra a proposta.>
Sobre a medida, Guedes afirma que o novo imposto é "menos pior" que os atuais encargos trabalhistas. Ele também repete desde o início do governo que os impostos sobre salários são uma "arma de destruição de empregos".>
Na área social, uma das frases usadas pelo ministro ao longo do ano acabou adaptada porque o governo fracassou em criar um programa para substituir o Bolsa Família.>
Durante a vigência do auxílio emergencial, Guedes passou a dizer que seria criado um novo programa social, batizado de Renda Brasil, que seria mais amplo, para viabilizar um "pouso suave" um "local de aterrissagem" do auxílio pago a informais.>
"Podemos juntar 27 programas sociais, dar uma calibragem adicional para que seja um pouso suave, um local de aterrissagem do auxílio emergencial", declarou Guedes em setembro.>
Após divergências entre Bolsonaro e a equipe econômica sobre a forma de financiamento do novo programa, o Renda Brasil acabou engavetado. A vigência do auxílio emergencial acaba neste mês e será retomado o Bolsa Família, que tem valor mais baixo e número menor de beneficiários.>
Com o revés, o discurso de Guedes foi ajustado. Agora, ele diz que o pouso suave, na verdade, foi a redução da parcela do auxílio emergencial e a volta, em 2021, ao Bolsa Família e a outros programas assistenciais já existentes.>
"Chega ao fim em 31 de dezembro o auxílio emergencial, fizemos uma aterrisagem gradual. Saímos de R$ 600 iniciais, renovados por mais três meses, depois descemos para R$ 300 e agora no final do ano, a economia voltando em 'V', os empregos sendo adaptados... E quero deixar um aviso: Embora a concessão [do auxílio] termine em 31 de dezembro, há ainda um mês e meio a dois meses de cobertura", disse em audiência no Congresso no dia 11 dezembro.>
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