Publicado em 6 de outubro de 2020 às 15:49
A expectativa de piora no mercado de trabalho em diversos países, incluindo o Brasil, combinada com a redução de estímulos fiscais e dos programas de proteção ao emprego, estão entre as principais ameaças à recuperação da economia no próximo ano, período que ainda deverá ser afetado pela pandemia do novo coronavírus.>
Essa é a avaliação feita por economistas do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da Fundação Getulio Vargas durante debates realizados nesta segunda-feira (5) para avaliar as expectativas para a economia doméstica e internacional.>
Armando Castelar Pinheiro, coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, afirma que, ao longo de 2021, o mundo ainda deverá viver esse "novo não normal" de convivência com o vírus.>
Pelo lado sanitário, não é certo que haverá vacina e, mesmo se houver, não é garantido que ela esteja disponível para todas as pessoas e que seja possível alcançar nesse prazo uma imunidade de rebanho.>
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Pelo lado econômico, apesar do aumento da mobilidade com o afrouxamento da quarentena, a atividade não se recuperou totalmente e nem de maneira uniforme entre todos os setores.>
A retomada também será afetada pela necessidade de se conviver com algumas restrições diante de um número ainda alto de casos de contaminação.>
"Não acho que esse padrão vá mudar de forma significativa nesse novo não normal. Uma consequência é que o mercado de trabalho vai continuar retraído", afirma Castelar.>
O economista do Ibre José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central, afirma que a situação nos EUA é de lenta recuperação do mercado de trabalho, o que sinaliza falta de confiança por parte de quem contrata.>
Na Europa, medidas de retenção de emprego têm segurado em algum grau as perdas de postos de trabalho, mas é provável que haja aumento das demissões na medida em que esses programas cheguem ao fim.>
Senna afirma que a retirada do apoio fiscal deixará muitos países apenas com o suporte monetário, mas que juros baixos não constituem o instrumento mais adequado para lidar com uma pandemia como a atual.>
Segundo ele, a política monetária vem perdendo eficácia nos países avançados há um bom tempo e também não é capaz, neste momento, de convencer as pessoas a consumirem serviços em que haja aglomeração.>
"A medicina está até melhor que a economia, pois ainda há uma esperança. A luta é por descobrir os instrumentos, no caso, medicamentos eficazes ou uma vacina. Na economia, a precariedade dos instrumentos é um drama", diz Senna.>
"O estímulo monetário não induz as pessoas a ampliar a demanda por certos serviços, e os trabalhadores desses serviços não são beneficiados. As transferências fiscais diretas têm mais eficácia, mas isso é distinto de um impulso de demanda mais permanente", afirma.>
Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro do Ibre, afirma que também no Brasil o processo de recuperação depende muito do mercado de trabalho, uma questão que se torna mais desafiadora em um país com alto nível de informalidade e de pessoas trabalhando nos segmentos de serviços mais afetados pela crise e que não dão sinais de que voltarão aos níveis pré pandemia.>
O Ibre projeta uma taxa de desemprego passando dos cerca de 14% mais recentes para um pico de 16% durante o ano de 2021.>
"Ainda vamos ver uma piora na taxa de desemprego quando as pessoas voltarem ao mercado de trabalho. No segundo semestre do ano que vem a gente pode ter alguma normalização, mas ainda com muita incerteza. A taxa média do ano que vem será superior à desse ano", diz Matos.>
Para Matos, o governo conseguiu compensar a queda na renda neste ano por meio de auxílios, mas será praticamente impossível evitar uma perda em 2021. Um programa como o Renda Cidadã pode atenuar o choque da retirada desses estímulos, desde que se respeite o espaço no Orçamento e no teto de gastos.>
O Brasil fez um pacote de estímulos de 12% do PIB (Produto Interno Bruto), patamar próximo ao de países desenvolvidos e bem superior ao da maioria dos países da América Latina.>
"O problema todo é que o cobertor sempre é curto. A gente não tem fôlego para continuar nessa política fiscal expansionista dessa magnitude, como de países desenvolvidos. Isso amorteceu o choque, mas também criou uma dependência muito grande. Na medida em que a gente não tiver mais essas transferências, a situação deve ser mais dramática. Esse é um ponto que preocupa muito do ponto de vista de consumo das famílias.">
Castelar diz que o Brasil fez um pacote do tamanho do programa da Alemanha como proporção do PIB (Produto Interno Bruto), mas que o país europeu praticou uma política de austeridade e fez superávit nas contas públicas por muitos anos, situação muito diferente da brasileira. Por isso, possui espaço para seguir com novos estímulos, o que também é o caso de vários outros países desenvolvidos.>
Afirma ainda que o estímulo fiscal entrou porque a demanda privada caiu com muita força e que o grande problema será como recuperar essa demanda.>
"A resposta é essa, como a gente consegue fazer com que a demanda privada cresça para além da venda no varejo e da questão da indústria. O desafio maior são os serviços, que é o grande setor da economia lá fora e aqui. A questão é como a demanda privada se recupera e quais os limites dos instrumentos para fazer isso", diz Castelar.>
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