Publicado em 3 de junho de 2020 às 17:00
Funcionários da rede de restaurantes Coco Bambu que estavam com contratos suspensos por meio da aplicação da Medida Provisória 936 foram demitidos.>
Segundo relatos ouvidos pela reportagem, nem todos receberam o valor integral da rescisão trabalhista, que é aumentada por decisão da MP.>
Além disso, funcionários afirmam ter sido chamados para trabalhar durante o período em que o contrato estava suspenso.>
A empresa havia suspendido contratos dos funcionários em abril. Com o fim do prazo de dois meses para suspensão chegando ao fim, 1.500 foram demitidos, equivalente a 20% dos 7.000 na folha de pagamento. A Coco Bambu não diz quantos foram incluídos no programa do governo.>
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Os irmãos Ronald e Ronan Aguiar, sócios-diretores na rede, negam que alguém tenha ficado sem receber os direitos trabalhistas. "A gente recebe com muito espanto e fica até um pouco chateado porque fez tudo da forma mais correta possível", diz Ronald.>
Segundo relatos de funcionários da rede em São Paulo, garçons, cozinheiros, ajudantes, recepcionistas e maîtres foram chamados pela empresa para que comparecessem ao escritório na sexta-feira (22).>
Deveriam levar a carteira de trabalho e o uniforme ou avental. Para entrar na sala do escritório localizado na avenida Braz Leme, na região norte de São Paulo, bolsas e telefones celulares tiveram de ser deixados fora.>
Lá dentro, um funcionário da administração da empresa relatou como a situação econômica estava difícil e que o faturamento com o serviço de delivery não conseguia cobrir todos os gastos. Por isso, teria dito o gestor, havia a necessidade de fazer demissões.>
Os empregados receberam então um recibo de rescisão do contrato. Os relatos sobre o que aconteceu depois variam de acordo com quem o contou.>
A reportagem ouviu oito funcionários demitidos pela rede desde o início da pandemia do novo coronavírus. Três deles disseram ter recebido corretamente as verbas rescisórias e indenizatórias, como as multas do Fundo de Garantia e da demissão no período de estabilidade.>
Os demais afirmam ter recebido um envelope com dinheiro que corresponderia ao acerto final. Esses valores, no entanto, eram menores do que o recibo da demissão indicava.>
Um dos recibos a que a reportagem teve acesso detalha o recolhimento de tributos como Imposto de Renda e contribuição previdenciária, verbas trabalhistas como 13º e férias proporcionais, além de aviso prévio indenizado.>
O documento lista também o valor da ajuda compensatória prevista pela MP 936 e a indicação de uma indenização por estabilidade. Esse funcionário diz ter recebido cerca de R$ 1.600 em um envelope, mas segundo o recibo entregue pela empresa, teria direito a R$ 5.000.>
Os relatos dos ex-empregados são de que, nesses encontros para que fossem efetuadas as demissões, havia a sugestão de uma troca: quem aceitasse as condições poderá ser chamado de volta quando as atividades forem liberadas.>
"Ficou claro que você tinha que assinar para garantir voltar quando as lojas reabrirem", diz um funcionário que trabalhou na unidade do Anhembi por quatro anos -praticamente desde a inauguração. Para ele, foi essa expectativa o que levou muitos empregados a assinar recibos com valores diferentes.>
O sócio-diretor da unidade atribui os relatos à incompreensão com a situação e com o cálculo das demissões. Ele diz que funcionários podem ter ficado chateados com o fato de terem sido cortados.>
Ronald Aguiar diz que, no dia em que as demissões foram efetivadas, alguns pediram para receber os valores em dinheiro, pois estavam com suas contas-correntes negativadas.>
Um garçom que trabalhou na casa por cerca de quatro anos relata ter feito esse pedido, mas diz que os valores estavam corretos.>
Outra funcionária do salão diz, no entanto, que o envelope que recebeu tinha o equivalente a 30% do que teria direito na demissão sem justa causa.>
"Pagaram em dinheiro vivo. Quando eu estava voltando para casa vi que o recibo tinha um valor bem maior. Praticamente recebi só um salário", afirma uma ex-empregada. Segundo ela, que trabalhou no salão do restaurante por um ano e meio, o banco de horas também não foi pago.>
Antes de ir embora, ela teve de fazer uma carta de próprio punho dizendo que a empresa havia pago corretamente todos os valores.>
Os funcionários da Coco Bambu estavam no período de garantia previsto no programa emergencial de manutenção do emprego e renda. Criado pela Medida Provisória 936, que teve o texto-base aprovado na Câmara na semana, ele autoriza as empresas a suspender os contratos de funcionários por até dois meses.>
Nesse modelo, se a empresa faturou mais de R$ 4,8 milhões em 2019, como é o caso da Coco Bambu, paga 30% do valor do salário do funcionário. O restante, equivalente a 70% do valor do seguro-desemprego a que empregado teria direito, são pagos pelo programa do governo.>
Ao fim do período de suspensão, os trabalhadores têm estabilidade no emprego pelo mesmo período.>
Se a demissão ocorre antes, a empresa tem que pagar um multa equivalente a 100% dos salários a que o funcionário teria direito durante o período de garantia de emprego.>
A empresa garante ter pago a multa ao calcular as rescisões, mas Ronald e Ronan dizem que, sem a possibilidade de renovar a suspensão de contrato previstas na MP 936, foi necessário enxugar as despesas. >
"A gente praticamente não fez demissão no começo [da pandemia] e foi queimando caixa para manter os funcionários, até porque a gente achou que ia demorar menos para passar", diz Ronald. Novas demissões não estão descartadas, a depender da velocidade com que a atividade econômica seja retomada.>
O empresário diz que a preocupação da empresa era garantir que os funcionários tivessem acesso a todos os direitos.>
Com os restaurantes fechados e o funcionamento restrito ao delivery e aos drive-thru, a remuneração das equipes de salão já estava menor, pois as gorjetas representam parte relevante dos ganhos.>
Essa redução acabando tendo efeito sobre o valor do seguro-desemprego, que é calculado sobre a média dos três salários anteriores.>
"Eu não teria coragem, como pessoa, como ser humano de fazer uma coisa dessa [não pagar corretamente as demissões] ou de jogar para o fato do príncipe", afirma.>
Funcionários da rede em Florianópolis relatam ainda ter sido chamados a trabalhar no mês de abril, enquanto estavam com o contrato suspenso.>
A unidade na capital catarinense teve a inauguração adiada. Quando o governo local permitiu o funcionamento de restaurantes, o plano de abertura foi retomado e, com isso, houve a necessidade de parte dos empregados voltarem à ativa.>
A suspensão dos contratos, no entanto, foi mantida.>
Uma ex-funcionária relata que, de R$ 3.000 a que teria direito, a empresa queria pagar apenas R$ 1.500 na rescisão do contrato. Quando recusou, escutou que a empresa usaria o "fato do príncipe" e que ela não receberia nada.>
O fato do príncipe é o nome de uma controversa teoria do direito segundo a qual cabe aos entes públicos -governos estadual, municipal ou federal- a responsabilidade pelo pagamento de indenizações quando o encerramento da atividade ocorrer por decisão dessas autoridades.>
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