Publicado em 29 de abril de 2022 às 09:51
SÃO PAULO - Os Juizados Especiais Federais do Sul do país têm firmado entendimento em decisões recentes de que o cálculo da aposentadoria por invalidez após a reforma da Previdência de 2019 é inconstitucional. Com isso, os segurados têm conseguido, na Justiça, direito a um benefício maior.>
Em ao menos três casos - dois deles da Turma Recursal dos Juizados no Rio Grande do Sul e um da TRU (Turma Regional de Uniformização) dos Juizados Especiais Federais da 4ª Região do país, que abrange Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul - os desembargadores entenderam que os segurados com incapacidade permanente não podem ganhar valor inferior a 100% da média salarial em suas aposentadorias por invalidez, hoje chamadas de aposentadorias por incapacidade permanente.>
A reforma da Previdência, que passou a valer em 13 de novembro de 2019, determinou um cálculo geral para as aposentadorias do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social): 60% da média salarial mais 2% a cada ano que ultrapassar 15 anos, no caso das mulheres, e 20 anos, para os homens.>
Antes da emenda constitucional 103, a aposentadoria por invalidez pagava 100% da média salarial, independentemente do tempo de contribuição, ou seja, era pago um benefício integral. Com isso, a redução na renda de quem precisa se afastar de forma permanente do mercado de trabalho pode chegar a 40%.>
>
Hoje, apenas nos casos em que a invalidez é proveniente de acidente de trabalho ou de doenças profissionais ou de trabalho, o cálculo se mantém igual ao anterior à reforma.>
Segundo o INSS, em fevereiro deste ano, foram pagas 3,5 milhões de aposentadorias por invalidez em todo o país, conforme os dados mais recentes do órgão.>
Em um dos pedidos de uniformização aceitos pela TRU, a decisão foi que "mesmo após o advento da EC nº 103/2019 o valor da renda mensal inicial da aposentadoria por incapacidade permanente não acidentária deve continuar correspondendo a 100% da média aritmética simples dos salários de contribuição", a exemplo do que está previsto no inciso segundo, parágrafo terceiro do artigo 26.>
Na decisão mais recente, a turma firmou a seguinte tese, com base no relatório do desembargador Daniel Machado da Rocha: "o valor da renda mensal inicial da aposentadoria por incapacidade permanente não acidentária continua sendo de 100% da média aritmética simples dos salários de contribuição contidos no período básico de cálculo".>
Neste caso, o cálculo da média salarial para benefício concedido após a reforma levará em conta todos os salário de contribuição desde julho de 1994 ou desde o início da contribuição, casos seja se posterior.>
Segundo a advogada especializada em Previdência, Bruna Bairros Cadoná, do escritório Kravchychyn Advocacia e Consultoria, as decisões do Sul do país são pioneiras e trazem uma visão de proteção maior ao segurado.>
De acordo com ela, a inconstitucionalidade tem sido entendida porque, com o cálculo da reforma, o segurado que tem aposentadoria por incapacidade permanente recebe menos do que aqueles que hoje ficam incapacitados de forma temporária para o trabalho, ganhando o auxílio-doença.>
"Quem tem o auxílio por incapacidade temporária recebe 91% da sua média e, quando você tem incapacidade maior, ela te gera valor de benefício menor. Esse entendimento não existe para a Constituição, pois fere princípios de razoabilidade, proporcionalidade e irredutibilidade", diz.>
Outro ponto é a diferença de cálculo conforme o que gerou a incapacidade, como nos casos de acidente de trabalho ou doenças profissionais ou do trabalho.>
Para advogados ouvidos pela reportagem, o caso deverá chegar ao STF e fazer parte do grupo de outras ações que já discutem a inconstitucionalidade de alguns pontos da reforma da Previdência. Hoje, o tema está presente em duas ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade), que tratam de servidores.>
Adriane Bramante, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), diz que há desproporcionalidade entre o cálculo do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez, como se fosse culpa do segurado precisar do benefício permanente. "O segurado não tem escolha. Ninguém escolhe ficar doente, ficar incapaz para o trabalho", diz.>
Roberto de Carvalho Santos, presidente do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários), explica que a discussão ampla precisa ser admitida no STF como um caso de repercussão geral. "A tendência e que isso vá para a turma de uniformização e, depois, para o Supremo, pois é realmente um tema constitucional.">
Rômulo Saraiva lembra que decisão semelhante chegou ao Supremo, mas em ação individual, que não gera benefício a todos os trabalhadores. Na ocasião, a ministra Rosa Weber garantiu a vitória do segurado, determinando o cálculo em 100% da média salarial.>
Para João Badari, do escritório Aith, Badari e Luchin, o cálculo usado hoje no benefício, além de inconstitucional é muito prejudicial ao segurado, já que, no caso dos homens, eles só receberiam 100% de sua média salarial com 40 anos de contribuição. Para as mulheres, é necessário ter 35 anos de INSS.>
Priscila Arraes Reino, do Arraes & Centeno Advocacia, considera que não há justificativa para tratar de maneira diferente os segurados, exclusivamente pela natureza da incapacidade. Para ela, esse ponto da reforma viola diversos princípios.>
"Da isonomia, pois o motivo utilizado para tratamento desigual não é válido, proporcionalidade não é proporcional na medida em que muitas vezes a incapacidade permanente terá um benefício menor que a incapacidade temporária, não tem razoabilidade e ainda viola o princípio da irredutibilidade que é previdenciário", diz.>
Em nota, a AGU (Advocacia-geral da União) afirma que "sobre o tema mencionado, a AGU tem atuado nas ADIs 6336 e 6384, trabalhando na elaboração da defesa e da orientação judicial pertinentes. Destacamos, porém, que não há decisões ainda sobre elas". >
Bruna Bairros afirma que quanto antes o segurado puder acionar o Judiciário contra o cálculo que reduz seu benefício, melhor. No entanto, para ir à Justiça, é preciso pedir a revisão do benefício no INSS primeiro, conforme já determinou o STF, mesmo sabendo que haverá negativa.>
"Eu sempre aconselho assim, se teve a aposentadoria concedida por incapacidade permanente, faz o requerimento de revisão, pedindo para revisar, principalmente se a data [da incapacidade] for anterior à reforma", diz ela.>
Neste caso, há decisões judiciais que também garantem benefício maior a quem já tinha uma incapacidade antes da reforma da Previdência, recebia auxílio-doença e, com a piora, passou a ganhar uma aposentadoria por invalidez, mas com cálculo desvantajoso.>
Embora no INSS e nos juizados seja possível entrar com solicitação de revisão sem advogado, a especialista não recomenda. "Mesmo que você não precise de um advogado, eu instruiria a buscar um advogado especialista.">
O motivo, segundo ela, é que além de demonstrar que já há decisões garantindo a vitória de segurados, esse tipo de revisão judicial debate a Constituição Federal, que o segurado sozinho pode não conseguir argumentar. "E a Constituição é meio subjetiva, você tem vários princípios, inclusive, o princípio da dignidade da pessoa humana.">
O auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez são dois dos principais benefícios por incapacidade pagos aos segurados do INSS. No caso do primeiro, hoje chamado de auxílio por incapacidade temporária, a liberação é feita quando o trabalhador fica temporariamente incapacitado para exercer atividade remunerada.>
Já na aposentadoria por incapacidade permanente, a liberação da renda é feita quando não há condições de retorno ao mercado de trabalho, ou seja, o profissional fica permanentemente incapacitado. A decisão do tipo de benefício, no entanto, é do perito médico do INSS.>
O segurado doente deve agendar perícia por meio de portal ou site Meu INSS. No dia marcado para o exame pericial é preciso provar a doença, com laudos, exames e receitas do médico. Nova medida do governo prevê trazer de volta a possibilidade da perícia indireta, a distância, com apresentação do atestado pela internet.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta