Crítico de cinema e séries, Rafael Braz é jornalista de A Gazeta desde 2008. É também colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e apresenta semanalmente o quadro Em Cartaz

"Primeiros Amores", da Netflix, é bem melhor do que parece ser

"Primeiros Amores" acompanha uma jovem no espectro autista em seu sonho de se tornar uma cineasta. Minissérie lida com sexualidade e afeto com sutileza e sem julgamentos

Vitória
Publicado em 26/10/2023 às 02h11
Série polonesa
Série polonesa "Primeiros Amores", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

“Primeiros Amores”, da Netflix, tem um grande mérito: não julgar seus personagens. A minissérie polonesa em seis episódios lida, obviamente, com os amores, mas quais seriam esses primeiros amores? No caso de Lena (Martyna Byczkowska), uma jovem no espectro autista que sonha entrar na faculdade de cinema, são vários. A protagonista da série tem um amor incondicional por Niko (Bartłomiej Deklewa), seu melhor amigo desde sempre e com quem tem um relacionamento quase fraternal. Ao mesmo tempo. há também o amor pelo cinema, um hiperfoco talvez proporcionado pelo espectro, que contagiou a família de ambos – todos os planos têm Lena entrando na faculdade de cinema, mas o que pode acontecer se isso não rolar?

A série polonesa da Netflix é uma obra que busca várias camadas, mesmo que nem sempre as entregue. A relação de Lena e Niko é o centro de tudo, com o texto partindo dali para analisar diversas outras relações que a série traz. Tudo se passa em uma casa de praia na qual acompanhamos os dois na tentativa de realizarem o filme que garantirá a eles o ingresso na universidade. O caminho deles se cruza com o de Igor (Jan Sałasiński), o jovem capitão de um time de basquete que passa por um período de treinos na região. Há também Malwina, uma jovem moradora local que vê amigos e relações indo e vindo, seguindo as temporadas; enquanto todos podem sonhar com a universidade e a vida em uma cidade grande, ela permanece ali, ano após ano, trabalhando em uma lanchonete. A série ainda traz arcos para os pais de Lena e Niko, conferindo ao texto ainda mais camadas e uma sutileza talvez inesperada.

“Primeiros Amores” tem uma cadência particular e às vezes faz parecer que nada acontece, mas o roteiro trabalha nas entrelinhas, com cada diálogo indicando pistas de um caminho a ser seguido. A série é muito mais sutil quando trabalha o núcleo adulto, mas pouco se aprofunda ali. É nas relações de Leno e Niko com o mundo que os cerca que o roteiro busca sua sustentação, e nem sempre nas saídas mais confortáveis.

É muito interessante como “Primeiros Amores” foge de algumas viradas convencionais e busca a ousadia, talvez um reflexo de novos tempos, novas gerações, novos realizadores. Lena, Niko e Igor exploram suas sexualidades e descobertas sem grandes problemas – até há um possível arco no meio disso tudo, mas ele é breve e funciona justamente para mostrar a pouca preocupação com questões que outrora representariam grandes conflitos.

Série polonesa
Série polonesa "Primeiros Amores", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

Mesmo com essas ousadias, “Primeiros Amores” é bem convencional em sua narrativa, apresentando o conflito principal, alguns arcos secundários e uma jornada de descobertas para seus protagonistas. É curioso como tudo no núcleo principal parece partir de um olhar progressista, o que funciona com naturalidade na série, pois, como dito no parágrafo inicial, não há julgamentos.

Quando lida com o espectro autista, a série parece inicialmente dividida, utilizando a condição como desculpa para o comportamento de Lena. Com o tempo, porém, o texto abraça alguns detalhes e algumas sutilezas, deixando de utilizar o autismo apenas quando lhe convém. “Primeiros Amores” cerca a pessoa no espectro (nível de suporte um) de amor, atenção e compreensão, tornando-a plenamente funcional e ciente de suas próprias escolhas e decisões. Lena é hiperfocada e carece de tato social e de delicadeza em alguns momentos, mas todos a seu redor parecem compreender suas características.

Série polonesa
Série polonesa "Primeiros Amores", da Netflix. Crédito: Netflix/Divulgação

Mesmo que às vezes opte pela saída confortável e busque o clichê, “Primeiros Amores” faz escolhas ousadas e surpreende pela reação de seus personagens a essas escolhas, pois nada é hiperdramatizado, ainda que o peso seja sentido. A série polonesa da Netflix talvez pareça longa, mas cada episódio oferece novas nuances do processo de amadurecimento de Lena, Niko e Igor. Assim como os jovens que retrata, a série às vezes parece não entender seu potencial, e isso é uma grande qualidade.

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